Retomada das relações entre Colômbia e Venezuela esbarra em ação do crime na fronteira

Presença de guerrilhas e grupos criminosos cresceu desde a interrupção da diplomacia entre os dois países e é tema fundamental da volta ao diálogo

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Foto do author Fernanda Simas

O controle imposto pelo crime organizado na fronteira entre Colômbia e Venezuela e a atuação de grupos armados na imigração ilegal e no narcotráfico representam um desafio para a normalização das relações entre os dois países, que começou a ser retomada após a eleição de Gustavo Petro. A promessa do presidente colombiano de paz completa depende dessa normalização justamente pelo tema do controle da criminalidade.

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Analistas explicam que o fechamento das passagens entre os dois países em agosto de 2015 causou forte impacto para as economias fronteiriças, dando força aos grupos criminosos. As passagens ilegais, controladas por esses grupos, passaram a ser mais usadas, e a presença criminosa se alastrou para outros países.

A presença da guerrilha colombiana ELN (Exército da Libertação Nacional) na Venezuela e a expansão do grupo criminoso venezuelano Trem de Aragua para outros países da América do Sul, entre eles a Colômbia, são dois pontos a serem tratados na retomada da relação política.

Petro nomeia nova cúpula militar e pede respeito aos direitos humanos Foto: Ministério da Defesa da Colômbia

“A normalização da relação é um golpe ao crime organizado porque na medida em que há uma situação normalizada, com segurança, fica muito mais difícil para as forças criminosas conseguir passar, traficar coisas e pessoas”, explica o professor da Universidade Simón Bolívar Erik del Bufalo.

A analista política Silvia Otero, da Universidade do Rosario, ressalta que a forma como a nova cúpula militar colombiana vai atuar será fator importante.

O grande fluxo de venezuelanos fugindo da crise econômica do país também contribuiu para o aumento da criminalidade, ao facilitar o recrutamento dessa população empobrecida por grupos criminosos na fronteira. Para Del Bufalo, a migração faz com o que o governo Petro planeje com calma a retomada das relações. “Acordos bilaterais já foram citados, mas ainda estão longe de ser realidade. Para a Colômbia o problema venezuelano é complicado, não apenas pela questão da criminalidade, mas também pelo fluxo migratório. Imagino que o governo de Petro será cauteloso na maneira como a fronteira será aberta.”

ELN

O ELN sempre foi uma força presente na região de fronteira com a Venezuela e começou a passar ao país vizinho justamente quando perdia espaço para as Farc (hoje transformada em partido político, após o acordo de paz de 2016) no território colombiano. No começo de 2020, o ELN dominava a fronteira colombo-venezuelana e passou a criar tentáculos no sul da Venezuela.

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A falta de uma política de controle fronteiriço e os atritos políticos entre Iván Duque e Nicolás Maduro levaram a guerrilha, segundo analistas políticos, a ser classificada como binacional. Atualmente, o ELN está presente principalmente em nove Estados da Colômbia e em áreas de fronteira da Venezuela.

O comandante da guerrilha Pablo Beltrán nega que o grupo seja binacional. “O que acontece é que o ELN tem uma presença muito ampla nos 2.200 km de fronteira e as comunidades que vivem ali são binacionais. Mas o fato de que sejam comunidades binacionais não significa que nosso grupo seja binacional, isso é falso. O ELN é uma organização colombiana, respeita o território da irmã República da Venezuela, suas autoridades estatais”, afirma ao Estadão.

Um relatório da organização Human Rights Watch, publicado em março deste ano, mostra que a guerrilha recebeu ajuda e realizou operações conjuntas com forças militares venezuelanas contra dissidências das Farc. “Relatos de testemunhas provam que integrantes da Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb) e da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) participaram de operações conjuntas com guerrilheiros do ELN”, afirma o relatório da HRW.

Os principais palcos dos confrontos, segundo a HRW, foram os Departamentos (Estados) de Apure e Arauca, onde mais de 3.800 pessoas se deslocaram. Beltrán dá a sua versão sobre esse conflito: “A inteligência militar colombiana criou um grupo mafioso que tentou se passar pela Frente 10 (das Farc) que criou uma rota de tráfico de coca entre as duas cidades, pagando aos camponeses de Arauca para receberem a coca porque ali é um Departamento sem coca. Quando isso aconteceu, nos opusemos e começou um conflito, que terminou em janeiro deste ano, quando esses mesmos grupos colocaram carros-bomba em sedes de organizações sociais que se opunham ao recebimento da coca. Esses grupos também atacaram as forças armadas da Venezuela.”

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Para Beltrán, a reabertura da fronteira é ponto-chave no combate ao crime organizado justamente porque tira a razão de existir dos grupos naquela região. “Passou a existir mais criminalidade na fronteira, inclusive com grupos criminosos que vieram do interior da Venezuela, como o Trem de Aragua, e passaram a operar até em Bogotá. E grupos criminosos que os seguidores de (o ex-presidente Álvaro) Uribe criaram em Medellín agora operam na fronteira. Com a retomada de relações (entre Colômbia e Venezuela), esses grupos criminosos deixam de ter entrada de dinheiro porque vivem do contrabando, de administrar as passagens ilegais.”

Trem de Aragua

O grupo criminoso mais poderoso da Venezuela hoje, o Trem de Aragua surgiu no Estado de Aragua e se expandiu rapidamente entre 2020 e 2021, marcando presença nas fronteiras com a Colômbia e com o Brasil e sendo responsável pelo tráfico de migrantes venezuelanos até o Chile. De acordo com o InSight Crime - grupo que monitora o crime organizado na América Latina -, esse foi o primeiro grupo criminoso venezuelano a se expandir para outros países da região.

O modus operandi do Trem de Aragua consiste em abordar migrantes venezuelanos sem documentação na Venezuela, Colômbia ou nas passagens fronteiriças que ligam os dois países e obrigá-los a levar drogas até o país de destino. De acordo com a Promotoria da Colômbia, o Trem de Aragua realiza a passagem com o auxílio do grupo criminoso colombiano Los Rastrojos, presente no Departamento Norte de Santander.

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Em meados de 2021, o Trem de Aragua entrou em confronto com dissidentes das Farc em Arauca e chegou a matar um de seus líderes, provando o tamanho que ganhou dentro do território colombiano.

Novas ramificações

Para além da Colômbia, o Trem de Aragua tem criado ramificações em outros países na América do Sul, principalmente no Peru e no Chile, destino final dos migrantes venezuelanos. O número de venezuelanos sem documentação que entraram no país passou de 2.905 em 2017 para 56.586 em 2021, segundo um relatório feito pelo Serviço Jesuíta a Migrantes.

Segundo uma investigação do InSight Crime, o grupo consolidou sua presença na cidade chilena de Tarapacá e é responsável pelo tráfico de drogas, armas e contrabando até o país. A crise migratória no norte chileno, segundo analistas, é um dos motivos que impulsionou a queda de popularidade do presidente Gabriel Boric, eleito em março.

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