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Reunião de Putin e Kim Jong-un reflete fase perigosa da aliança entre Rússia e China; leia análise

Pequim e Moscou apostam em aproximação militar, econômica e diplomática para conter hegemonia americana

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Foto do author Luiz Raatz

Vladimir Putin conseguiu uma coisa rara nesta semana. Fez Kim Jong-un sair do conforto de sua casa, na aprazível Pyongyang, tomar seu trem blindado de luxo e ir encontrá-lo na Sibéria.

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Em pauta, segundo analistas, está uma possível ajuda da Coreia do Norte à Rússia na Guerra da Ucrânia, sobretudo com munições. Em troca, Kim conseguiria do novo aliado tecnologia há muito desejada para seu programa de armamentos. Essa “aliança do trem blindado” traz novas implicações para os rumos do conflito na Ucrânia e, sobretudo, o balanço de poder na Ásia.

O encontro entre os dois ditadores é o ápice de uma reaproximação ensaida há semanas, com o apoio tácito da China.

A reabilitação de Kim Jong-un

A Rússia enfrenta uma série de gargalos de infraestrutura militar, principalmente na produção de peças de artilharia, tão necessária numa guerra de atrito como a da Ucrânia. Com o maior Exército do mundo e há 70 anos em prontidão para o combate, a família Kim tem estoques de sobra, ainda que com peças arcaicas.

O temor do Ocidente é que, em troca, o líder norte-coreano ganhe acesso a tecnologia avançada russa para seu controvertido programa nuclear.

“A renovação da relação militar entre a Coreia do Norte e a Rússia vai possibilitar trocas de armamentos, incluindo tecnologias que os militares norte-coreanos há muito desejam, mas não têm acesso devido à adesão da China e da Rússia às sanções internacionais”, explica Scott Snyder, especialista em Coreia do Coucil on Foreign Relations.

Analistas veem no encontro uma resposta à recente aliança anunciada entre Japão, EUA e Coreia do Sul. De fato, ao visitar Pyongyang, o ministro da Defesa de Putin, Serguei Shoigu, sugeriu a realização de exercícios militares conjuntos entre russos, coreanos e chineses, numa espécie de contrapeso à aliança ocidental. Antes dele, o membro do Comité Central do Partido Comunista Chinês, Li Hongzhong também esteve em Pyongyang.

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“A aproximação com a Rússia alivia o isolamento político da Coreia do Norte, legitima Kim Jong-un e encoraja a Coreia do Norte a prosseguir o seu desenvolvimento de mísseis e satélites”, acrescenta Snyder. “Com isso, Kim pretende navegar na diplomacia norte-coreana num contexto geopolítico de confronto crescente.”

Nesse sentido, a sugestão de Shoigu, de exercícios conjuntos marca um passo mais agressivo na formação dessa aliança.

Kim Jong-un chega a Khasan, na Rússia, em seu trem blindado Foto: via REUTERS / via REUTERS

O Eixo Pequim-Moscou

Um acordo desse tipo seria impensável há alguns anos. A Rússia e a própria China já permitiram a adoção de punições contra o programa nuclear da Coreia do Norte no Conselho de Segurança da ONU. Entre 2006 e 2020, Pyongyang foi alvo de sanções da ONU em oito oportunidades, e parte delas com apoio explícito do Kremlin.

Mas dois movimentos históricos levaram a Rússia e a China para longe da cooperação multilateral com o Ocidente: a expansão da Otan para leste e a decisão dos EUA de considerar a China um rival estratégico.

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Do lado chinês, a eclosão de movimentos críticos a Pequim nos últimos anos em Hong Kong, além do separatismo de Xinjiang e a retórica anti-China de Donald Trump provocaram um aumento da desconfiança em relação a Washington. Na visão russa, a crise da Ucrânia de 2014 foi um sinal claro da ingerência ocidental em uma antiga área de sua influência.

Segundo a diretora para China do Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos Bonnie Lin, diante desse cenário, Putin e Xi chegaram a conclusão de que o Ocidente se tornou uma ameaça comum ao eixo Moscou-Pequim. Por isso, resolveram ampliar laços diplomáticos, militares e econômicos.

“A resposta ocidental à guerra da Rússia reforçou os piores receios da China, empurrando-a ainda mais para se alinhar com a Rússia. Pequim esperava que o Ocidente a abordasse os temores russos sobre a expansão da Otan enquanto procurava uma forma de prevenir ou parar a guerra. Em vez disso, os Estados Unidos e a União Europeia armaram a Ucrânia e tentaram paralisar a Rússia com sanções . Naturalmente, isto ampliou as preocupações em Pequim de que Washington e os seus aliados poderiam fazer o mesmo em relação a Taiwan”, escreveu Lin na Foreign Policy.

Desde a invasão da Ucrânia, quando Putin e Xi anunciaram sua aliança sem limites, o comércio bilateral entre as potências emergentes bateu recorde e chegou a US$ 190 bilhões. A China se tornou um destino preferencial para as exportações russas. A importação de gás natural cresceu 50% e a de petróleo, 10%. Isso aliviou o impacto das sanções europeias. As vendas chinesas para a Rússia, por sua vez, aumentaram 8%, segundo o governo chinês.

A busca pelo Sul Global

No campo diplomático, Xi e Putin optaram por buscar o apoio do chamado “Sul Global”. A expansão do Brics e do Fórum de Cooperação de Xangai está inserida nesse contexto. O objetivo do eixo Moscou-Pequim nas instituições multilaterais é bloquear as agendas ocidentais que afetam seus interesses.

Para isso, a aposta da dupla é em ganhar corações e mentes na África, Ásia e América Latina, com o auxílio de investimentos, apoio diplomático e às vezes até militar, com o objetivo de conter o que chamam de hegemonia americana.

Mas a aposta mais promissora é o Brics. “O grupo é o principal meio para a China e a Rússia criarem uma rede de influência que liga cada vez mais países estrategicamente importantes a ambas as potências”, diz Lin.

Na cúpula de agosto, o Brics recebeu a adesão de Irã, Egito, Arábia Saudita, Argentina, Etiópia e Emirados Árabes. Mais interessados estão na fila.

*É subeditor de internacional

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