Revolta contra decisão de Macron de mudar aposentadoria por decreto se espalha pela França

Partidos de oposição ao presidente apresentaram duas moções de censura contra o governo

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Por Redação

PARIS - A batalha contra a impopular reforma da previdência apresentada por Emmanuel Macron na França se intensificou nesta sexta-feira, 17, com o aumento dos protestos e a apresentação de duas moções de censura contra o governo. Na quinta-feira, o presidente decidiu aprovar por decreto um projeto de lei de aposentadoria amplamente impopular sem uma votação na Assembleia Nacional.

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O decreto intensificou um confronto com sindicatos, que prometeram mais greves, e com manifestantes furiosos, que tomaram as ruas de Paris e de outras cidades tentando pressionar os legisladores a derrubar o governo.

Trabalhadores do saneamento estenderam sua greve de 12 dias, deixando pilhas de lixo por toda a capital e bloqueando o maior local de incineração da Europa. A Prefeitura de Paris informou que 10 mil toneladas de lixo já se acumularam pelas ruas da cidade, uma das mais visitadas do mundo.

Lixo acumulado já quase encobre fachada de café em Paris; cenas se repetem pelas ruas de uma das cidades mais visitadas do mundo Foto: Lewis Joly/AP - 13/3/2023

A decisão do presidente, anunciada por sua primeira-ministra Élisabeth Borne na quinta-feira durante uma sessão barulhenta na Assembleia Nacional, a câmara baixa do Parlamento da França, enfureceu os oponentes do projeto de lei. Ela já tinha sido aprovada pelo Senado.

“É uma vitória de Pirro, que continua a causar danos e que está acelerando uma crise em vez de encerrá-la”, disse Danièle Obono, parlamentar do partido esquerdista França Insubmissa, sobre a ação de Macron. “Esta é uma crise social que se tornou uma crise democrática.”

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De acordo com as regras da Constituição francesa, o projeto das aposentadorias se tornará lei, a menos que uma moção de desconfiança contra o governo seja bem-sucedida na Assembleia Nacional.

Na tarde de sexta-feira, vários grupos de oposição disseram que concordaram em apoiar uma ampla moção de desconfiança apresentada uma pelo grupo independente LIOT e outra pela extrema direita - que, em caso de adoção, derrubarão o governo da primeira-ministra Élizabeth Borne e, por sua vez, a reforma.

A fragmentação da oposição de Macron no Parlamento muitas vezes a impediu de se unir em torno de uma única moção no passado, mas a apresentada pelos legisladores independentes tem uma boa chance de atrair mais apoio dessa vez. A moção deve ser votada na próxima semana.

Se os votos de desconfiança falharem, o projeto se torna lei. Se a maioria concordar, será o fim do plano de reforma da aposentadoria e forçará a primeira-ministra a renunciar, embora Macron sempre possa renomear Borne para formar o novo Gabinete.

A França tem um sistema de governo semipresidencialista, no qual o presidente eleito “divide” o governo com seu primeiro-ministro, mas é a autoridade máxima da vida política do país. Além de presidir, ele escolhe o primeiro-ministro, que tem a prerrogativa de formar governo.

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Mal-estar

Com as estradas de Paris bloqueadas durante meia-hora, escolas fechadas, 10 mil toneladas de lixo acumuladas na capital e a invasão das vias férreas em Bourdeaux (sudeste) e Toulouse (oeste), o mal-estar dos franceses tomou múltiplas formas.

“Sentimos este anúncio [do governo] como insulto. Há semanas que não somos escutados. Isso gerou muita indignação”, declarou à agência France Presse Philippe Melaine, professor de uma escola de Rennes (oeste), onde mais de 2 mil pessoas se manifestaram nesta sexta.

Macron decidiu adotar sua reforma sem submetê-la ao voto dos deputados, temendo uma derrota no Parlamento, ao recorrer a um mecanismo legal, mas controverso: o artigo 49.3 da Constituição.

Seu objetivo é aumentar a idade de aposentadoria de 62 para 64 anos até 2030 e adiantar para 2027 a exigência de contribuição de 43 (e não 42 como agora) para solicitar uma aposentadoria completa. Dois a cada três franceses se opõem, segundo as pesquisas.

Medida adotada pelo presidente francês renovou os protestos que já vinham ocorrendo no país, mas tinham perdido um pouco a força Foto: Bertranch Guay/AFP - 17/3/2023

O governo está sob pressão. Para os analistas, o uso do artigo 49.3, em vez de submeter o plano à votação, é um fracasso e simboliza a fraqueza de Macron, que coloca em risco seu segundo mandato.

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“O presidente poderia se salvar anunciando que a lei será revogada após essa adoção antidemocrática. Mas não é típico dele ouvir os franceses”, afirma o editorial do jornal esquerdista Libération.

No momento, a decisão impulsionou uma contestação nas ruas, que havia perdido força nos últimos dias após o maior protesto contra uma reforma social em três décadas em 7 de março, com entre 1,28 e 3,5 milhões de manifestantes, a pedido dos sindicatos.

O ministro do Interior francês, Gérald Darmanin, disse à rádio RTL nesta sexta-feira que 310 pessoas foram presas durante a noite, a maioria delas em Paris, onde a polícia usou um canhão de água para retirar milhares da Praça da Concórdia. Pequenos grupos então se moveram pelos bairros chiques da área, ateando fogo nas ruas ao longo do caminho.

Em Marselha, manifestantes quebraram vitrines e puseram fogo em contêineres Foto: Nicolas Tucat/AFP - 16/3/2023

Cenas semelhantes se repetiram em outras cidades, de Rennes e Nantes, no leste, para Lyon e a cidade portuária de Marselha, no sul, onde vitrines e fachadas de bancos foram quebradas.

Alguns ativistas do grupo Coletes Amarelos, que organizaram grandes protestos contra as políticas econômicas de Macron durante seu primeiro mandato, juntaram-se aos manifestantes e convocaram uma marcha ao Parlamento para a noite desta sexta-feira. Os sindicatos que organizam a oposição instaram os manifestantes a permanecerem pacíficos.

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Macron, reeleito em abril até 2027 e a quem a moção não afeta, ameaçou dissolver a Assembleia se a reforma finalmente cair. Segundo as pesquisas, a extrema direita seria a mais beneficiada com um avanço eleitoral./NYT, AFP e AP

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