As chances de um conflito imediato entre China e Taiwan são pequenas, mas qualquer erro pode agravar a situação, depois de a visita da presidente da Câmara do EUA, Nancy Pelosi, a Taipé ter exaltado os ânimos no Estreito de Taiwan.
De acordo com o diretor de Estudos de Políticas de Defesa do Cato Institute, Eric Gomez, as consequências podem ser diversas, e vão desde de situações esporádicas e aleatórias, como um eventual episódio envolvendo navios chineses e taiwaneses em águas contestadas pelos dois países, até reformulações de linhas de política externa bem estabelecidas, que podem forçar os países com interesses na região em um enfrentamento bélico.
Confira a entrevista completa:
Qual é o nível de preocupação com um conflito em grande escala em Taiwan hoje? Quão perto estamos de um conflito real?
O risco de um conflito total é baixo. Não aconteceu nada que indique que uma das linhas vermelhas foi cruzada até o momento. Por linhas vermelhas, quero dizer coisas que provocariam um conflito: Taiwan não declarou independência, os chineses não estão se mobilizando para uma invasão, os EUA não abandonaram sua política de “uma só China”.
Acho razoável chamar a situação de uma crise, mas acho que é uma crise relativamente leve por enquanto, certamente menos grave do que outras no passado.
O que me preocupa se esses exercícios militares se prolongarem por muito tempo é que você tenha unidades militares chinesas e taiwanesas operando em locais próximos, e se algum comandante cometer um erro ou algo assim, poderia agravar a situação. O fato de que os exercícios vão fazer com que esses dois países estejam militarmente em contato cria um aumento automático do risco de algo imprevisível acontecer - mas esse risco é baixo.
Acho que ninguém quer começar um conflito. Essa reação é mais sobre a China tentando enviar uma mensagem para os Estados Unidos mais do que para Taiwan.
Tensão em Taiwan
Antes da guerra na Ucrânia, a Rússia iniciou a invasão após exercícios militares. Qual é a diferença em Taiwan?
As duas situações são mais diferentes do que semelhantes e um grande motivo é a escala. Quando os russos fizeram exercícios de defesa com Belarus, eles ocorreram depois que a maior parte do acúmulo de tropas em torno da Ucrânia já havia acontecido. Não tenho certeza do número de tropas chinesas que foram mobilizadas para esses exercícios, mas é um tamanho muito menor em comparação ao tamanho das Forças Armadas.
Há muito debate entre os especialistas se os chineses poderiam fazer uma ação rápida, onde eles lançam um ataque quase que sem aviso. Eu duvido neste momento. Se havia algum elemento de surpresa, ele se foi. Eles já declararam onde os exercícios vão acontecer. Eles indicaram onde os navios estarão.
Eu estaria mais preocupado com a presença militar da China no Estreito de Taiwan quando os exercícios terminarem. Historicamente, eles têm sido muito cautelosos em cruzar o que é chamado de “linha média” entre os dois países. Eles fizeram travessias durante esta crise, o que não é necessariamente um sinal de um ataque iminente, mas aumenta a média de tolerância à presença.
Se um conflito fosse começar, haveria coisas como dispersão em larga escala de forças com capacidade de disparar mísseis, grandes movimentos de tropas terrestres para instalações portuárias para serem transportadas em navios, frotas de outras regiões sendo convocadas e com nível de prontidão aumentado - o mesmo vale para aeronaves.
Com esses tipos de coisas eu me preocuparia, porque isso demonstraria que a escala e a porcentagem de militares chineses que estão em alerta elevado aumentou muito.
Como avalia a possibilidade dos exercícios militares se transformarem em um bloqueio real da China a Taiwan?
Se você realiza um bloqueio, você já está correndo um risco muito alto de conflito e, nesse ponto, você quer tentar garantir a vitória, o que significaria uma maior mobilização, essa é minha opinião.
Mas deixando minha opinião de lado: Se a China fizesse isso, seria uma grande escalada da crise. A possibilidade de conflito aumentaria, porque presumivelmente a Marinha de Taiwan tentaria escoltar navios ou tentar fazer carregamentos passarem pelo bloqueio, e então o risco de navios trocarem disparos aumenta. Mas ainda acho que todas as partes envolvidas preferem não estar em uma guerra.
Mas poderia acontecer. Muitos dos exercícios estão acontecendo perto dos principais portos de Taiwan. Com base nos dados de rastreamento de navios, muitas embarcações na ilha estão trabalhando para navegar com destino e vindo de outros portos, mas em uma faixa cada vez mais estreita através das zonas de tiro.
A China definitivamente tem a capacidade de manter navios na região indefinidamente, trocando-os ao longo do tempo. Isso não pode ser desconsiderado. Acho que uma declaração formal de bloqueio não vai acontecer, por causa das implicações para um conflito, mas é algo que não podemos descartar completamente.
Como os EUA vão reagir a essa demonstração de poder chinesa?
De forma mais imediata, acho que a tentativa vai ser de diminuir a atenção. Os EUA tinham teste de rotina com um míssil balístico intercontinental programado, e adiaram o teste para acalmar a situação – ou para não inflamá-la ainda mais.
O Senado deveria apreciar nesta semana, na comissão de Relações Exteriores, um projeto de lei chamado Taiwan Policy Act. O projeto teria como objetivo aprofundar relações com Taiwan – mas a apreciação foi adiada ontem.
Eu acho que os EUA vão tentar dar alguns pequenos passos como esse para acalmar as coisas no curto prazo, e não morder a isca da China, como se não fosse nada muito importante, porque se não isso aumenta.
E como os Estados Unidos responderão no longo prazo ou no caso de um conflito aberto em Taiwan? Haveria uma posição mais clara do que chamada “ambiguidade estratégica” nas questões China-Taiwan?
O longo prazo me preocupa mais. A crise atual está aumentando, porque uma nova parte entrou na crise: o Japão. Pelo menos um dos mísseis chineses disparados sobre Taiwan como parte dos exercícios aterrissou na zona econômica exclusiva do Japão.
Isso indica que os EUA enfrentarão pressão por parte de aliados, mas também interna, para fazer as coisas voltarem ao normal.
Com os aliados nervosos, as tensões aumentam. As medidas para tranquilizar os aliados podem ter desdobramentos como maiores deslocamentos militares, mais exercícios conjuntos... Isso não vai acontecer imediatamente, é algo que leva tempo para ser combinado – o que dá tempo para a China apontar.
A segunda parte é o que você mencionou: a ambiguidade estratégica. Ela costuma ser vista apenas como a questão “os EUA intervêm em nome de Taiwan ou não se houver um conflito?”. Mas considero que a ambiguidade estratégica é eficaz e não valeria a pena abandoná-la por um compromisso mais afirmativo. Quando você tem esse fator ambíguo, todo mundo precisa assumir o pior.
A estratégia foi projetada não apenas quando a China era um problema, mas também quando Taiwan tinha muita agitação para declarar formalmente a independência. Os Estados Unidos queriam um mecanismo que fosse um aviso como “se vocês fizerem isso e começarem um conflito, vocês mesmos o provocaram e não vamos ajudar”.
A parte desafiadora é que, como a China se tornou mais forte militarmente, há uma suposição de que a clareza é um impedimento melhor do que a ambiguidade. Eu acho que isso só é verdade em uma espécie de sentido militar.
Eu acho que o problema é que essa política é o preço a se pagar pela estabilidade. Se os EUA abandonarem a ambiguidade estratégica, acho que há uma probabilidade muito alta de a China ver isso como um sinal de que a política americana está mudando de uma maneira que apoia firmemente Taiwan, e essa mudança pode desencadear um conflito - em uma linha de pensamento de que essa foi a base da paz e agora isso estaria mudando.
Eu me preocupo que as reações da China a esta visita de Nancy Pelosi aumentem o apoio político nos Estados Unidos, como uma prova de que a China age como uma espécie de valentão, que a China exagerou, e que temos que enfrentá-la e jogar a ambiguidade estratégica pela janela - isso já era algo que alguns membros do Congresso estavam dizendo e especialistas em política externa dos EUA em várias publicações estavam defendendo.
Não acho que essa seja atualmente a visão consensual entre os formuladores de políticas dos EUA. Certamente não é a da Casa Branca. Mas o Congresso tem sido tradicionalmente o ramo do governo que mais apoia Taiwan, e eu me pergunto se isso criará algum tipo de incentivo político para pressionar mais nisso.
Taiwan tem um orçamento menor para Defesa em comparação com a China. Qual seria a estratégia para Taiwan, imaginando um cenário real de conflito?
Uma tentativa chinesa de atacar Taiwan e tomá-la à força seria um pouco semelhante à invasão russa da Ucrânia em alguns aspectos, com a grande diferença sendo geográfica. Acredito que começaria com massivos ataques aéreos e disparos de mísseis para tentar destruir a Força Aérea de Taiwan, a logística e a capacidade de montar uma resposta eficaz e coordenada.
Em seguida, tentariam desembarques coordenados em certas praias: tropas em navios anfíbios e também helicópteros e aeronaves tentando suprimir a resistência das forças de Taiwan, para que elas não possam impedir os desembarques. Uma vez em solo, o objetivo seria capturar um grande porto e/ou aeroporto para desembarcar o resto das tropas. Eles também enviariam a Marinha para o leste da ilha o máximo que pudessem para proteger contra a intervenção da Marinha dos EUA. Acho que essa é a cartilha dos chineses.
Para Taiwan, a defesa é mais fácil do que a da Ucrânia em alguns aspectos. Na Europa, Ucrânia e Rússia tem uma fronteira comum, que os russos puderam simplesmente cruzar. Taiwan é uma ilha, o que é uma vantagem e uma maldição.
A vantagem é que é preciso desembarcar coisas na ilha e, historicamente, geograficamente e operacionalmente falando, isso sempre foi uma coisa militarmente difícil de fazer. E, para agravar a situação, não há muitas zonas de pouso no país, como praias. Então é possível prepará-las: instalar minas terrestres, estabelecer posições defensivas ao redor delas...
Se eu fosse Taiwan, iria em busca de uma tonelada de armas anti-navio e armas antiaéreas que possam derrubar helicópteros, afundar os navios e mantê-los afastados de qualquer praia o máximo que puder. Seria possível fazer isso de forma relativamente eficaz, apesar de Taiwan ser menor e não ter um grande orçamento de defesa - embora seja preciso gastar mais dinheiro na área, especialmente em sistemas antiaéreos e antinavio móveis. Também seria preciso manter um estoque para continuar lutando.
Por outro lado, o grande desafio da geografia é que, sendo uma ilha, a capacidade de ser reabastecido pelos EUA é menor. Na Ucrânia, você pode enviar Javelins e Stingers, descarregá-los na Alemanha ou na Polônia, e então simplesmente conduzi-los pela fronteira na calada da noite e entregá-los às tropas. Em Taiwan, você tem que levá-los voando ou navegando - os chineses saberão disso e estarão procurando.
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