Risco de revolta após morte de Moise ameaça frágil recuperação democrática do Haiti

Morte de Jovenel Moïse é novo fator de instabilidade em um país com instituições enfraquecidas e pouca tradição eleitoral

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Foto do author Renato Vasconcelos

O assassinato a tiros do presidente do Haiti, Jovenel Moïse, nesta quarta-feira, 7, representa mais um duro golpe na combalida democracia haitiana. O violento desfecho do mandato de Moïse deixa o país em uma situação delicada, na qual a transição de poder está ameaçada por pressões políticas e sociais, principalmente pelo risco de violência entre a população civil.

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Antes mesmo do assassinato do presidente, o país vivia uma crise política. Moïse chegou ao poder em uma eleição questionada por opositores, que apontaram fraude eleitoral. Depois disso, o presidente tomou medidas impopulares e autoritárias, como a prisão de opositores e o fechamento do Parlamento, até que, em 2020, passou a governar por decreto. Eleições foram adiadas e protestos de rua pediam pela saída de Moïse do cargo.

Analistas ouvidos pelo Estadão apontam que sua morte violenta fragiliza ainda mais o processo democrático do país, cujas instituições podem não ter força o suficiente para garantir a continuidade do regime constitucional vigente.

Homem da Polícia Nacional monta guarda na entrada da residência presidencial, em Porto Príncipe. Foto: VALERIE BAERISWYL / AFP

"Esse assassinato mostra como as coisas saíram do controle no Haiti. É resultado de uma espiral de violência e falta de controle político, que amplia a instabilidade de um país que já estava instável, criando um quadro tão crítico e volátil que torna difícil prever as repercussões no curto e no médio prazo", disse Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da ESPM-SP.

Três pontos serão cruciais para entender como será a continuidade do poder, segundo a professora: a intensidade da violência desencadeada pela morte do presidente nas ruas; o habilidade da classe política haitiana em coordenar a transição de poder e uma nova convocação de eleições, além da pressão internacional - principalmente do governo americano - quanto à legitimidade das decisões a seguir.

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De acordo com Maristela Basso, professora de Direito Internacional e Comparado da Universidade de São Paulo (USP), a investigação policial da morte do presidente também será um aspecto a ser considerado pelos partidos políticos no momento de articulação da transição.

"Do ponto de vista do Estado, a principal preocupação agora é com a transição do poder. Mas, para isso, os líderes que vão conduzi-la vão ter que considerar o que é menos danoso: uma transição rápida, evitando o corroimento das instituições, ou a criação de um governo provisório até que o caso policial seja solucionado", disse Maristela.

Após a entrevista com a professora, o primeiro-ministro interino do Haiti, Claude Joseph, decretou estado de sítio de 15 dias para "assegurar a continuidade do Estado", depois de uma reunião de emergência com o conselho de ministros.

Assassinato do presidente Jovenel Moïse é mais um fator de instabilidade no Haiti. Foto: VALERIE BAERISWYL / AFP

Apesar das dúvidas sobre a continuidade de um processo democrático no país, o professor de Relações Internacionais Rodrigo Gallo, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), defende que a saída institucional mais sólida seria por meio de um processo eleitoral - o que também a crise de legitimidade do próprio governo Moïse. No entanto, a projeção do professor é de um cenário menos otimista.

"O Haiti é um país que tem um histórico de eleições que são marcadas e são adiadas. Em uma situação como essa, de país dividido, de grupos que se acusam simultaneamente de corrupção e de fraude, eu acredito que dificilmente eles terão oportunidade para realizar uma eleição democrática e limpa. E ainda que seja marcada e realizada uma eleição, é possível que a narrativa de fraude volte. Então, eu acho que o processo vai ser traumático, assim como tem sido nos últimos anos", analisou.

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Gallo - que atualmente conclui uma tese de doutorado sobre a Missão de Paz da ONU, chefiada pelo Brasil, no Haiti - afirma que problemas primários que causam a instabilidade política no país não foram solucionados com a iniciativa internacional, o que contribui para a crise.

"Existem narrativas em disputa, mas o fato é que a ela foi encerrada e a situação sociopolítica pouco mudou desde então. Isso significa ou que os efeitos das missões de paz são bem menores do que o esperado, ou que há fatores que não poderiam ser controlados com uma missão de paz que não conseguisse colocar em prática elementos de reconstrução do Estado para a criação de uma paz sustentável", disse. E completa: "No momento seguinte (ao fim da missão) problemas crônicos como fome, miséria, falta de água e problemas sanitários continuaram. Enquanto esses problemas primários não forem atacados, não forem resolvidos, é muito difícil pensar numa estabilidade política e social no Haiti".

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