Se você já parou para ouvir qualquer político proeminente da nova direita, sabe do que estou falando: a nova direita tem um inegável problema com a questão da imigração. Há uma percepção generalizada no grupo de que os imigrantes não apenas têm o hábito de atrapalhar a economia, como sobrecarregam os serviços públicos, drenando recursos que poderiam ser destinados aos cuidados dos moradores nativos. Os imigrantes também costumam ser associados a um aumento da violência.
Num primeiro olhar, todas essas questões não param em pé.
Se imigração trouxesse subdesenvolvimento, mesmo a ilegal, os Estados Unidos seriam parte da periferia do mundo, e não a nação mais poderosa da Terra – nenhum país, afinal, possui mais imigrantes: quase 48 milhões de pessoas (número equivalente à população da Espanha), dos quais 11 milhões em situação irregular (número superior à população de Israel).
Longe de serem um peso social, os imigrantes contribuem para as economias dos lugares que os acolhem, preenchendo espaços importantes no mercado de trabalho – assumindo empregos que são pouco atraentes para a população nativa – estimulando o crescimento econômico e trazendo inovação.
Para um leitor desavisado, tudo isso pode parecer discurso politicamente correto, mas esse é um tema pacificado no debate econômico.
O problema é, antes de tudo, matemático. A taxa de fertilidade que um país precisa alimentar para repor a sua população é de 2,1 filhos por mulher. Em 2022, a taxa média de fertilidade dos países membros da União Europeia foi de 1,5 nascimentos por mulher. Não é preciso ser um gênio da aritmética para entender por que, entre 2010 e 2019, a parcela da força de trabalho estrangeira na região tenha aumentado 3,4% (de 12,8% em 2010 para 16,2% em 2019). Sem os imigrantes, a economia europeia entraria em crise.
Também não há registros que a imigração aumente a violência. Mas aqui é preciso um asterisco.

Diferentes estudos criminológicos mostram que homens entre os 15 e os 30 anos apresentam taxas mais altas de envolvimento com crimes violentos do que qualquer outra categoria de seres humanos. Como escreveu o psicólogo canadense Steven Pinker, “a ascensão e a queda da testosterona ao longo da vida acompanham, mais ou menos, a ascensão e a queda da combatividade masculina”.
Como publiquei na semana passada, a Europa não é só o continente mais rico e menos desigual do planeta – também é o mais seguro (e os seus índices de homicídios estão diminuindo).
Não é uma coincidência que o continente mais velho do mundo seja também o mais seguro. Há uma estreita relação entre a taxa de criminalidade e a proporção da população masculina entre os 15 e os 30 anos. À medida que a proporção de homens jovens diminui numa população, a violência também cai. Ao mesmo tempo, se um grupo de imigrantes de um determinado país possui um número alto de homens entre 15 e 30 anos, a tendência histórica – independente da origem, etnia ou religião – é que esses imigrantes produzam índices maiores de criminalidade no país que os acolhem.
A integração muçulmana na UE
É aqui que entram os muçulmanos na história.
Só 5% da população europeia é muçulmana, mas grande parte dos imigrantes e refugiados muçulmanos que alcançam o continente são homens entre 15 e 30 anos, que estão super-representados na população de homens jovens vivendo na Europa e super-representados nas taxas de criminalidade. Quando analisamos os dados, a preocupação com o grupo é coerente.
Mas também é preciso colocar essa realidade em perspectiva.
Nessa ordem: França (1,5 homicídios por 100 mil), Alemanha (0,8), Reino Unido (1,1) e Itália (0,5) são os países com a maior população total de muçulmanos na Europa Ocidental. Chipre (0,8 homicídios por 100 mil), Bulgária (1,1), França (1,5) e Suécia (1,1) são os países com o maior percentual de muçulmanos na União Europeia. Todos esses países são menos violentos que o Canadá (e pelo menos 6 vezes mais seguros que a Rússia). Nem é preciso comparar com os Estados Unidos.
A religião não parece influenciar esses números. Países de maioria muçulmana têm taxas de homicídio ligeiramente mais baixas que a média global. A média da taxa de homicídios nos 15 maiores países com populações majoritariamente muçulmanas é de 5,6 homicídios por 100 mil habitantes. A média global é de 6,1.
A Indonésia (onde a média de idade da população é de 31,1 anos) é o país com a maior população muçulmana do mundo e tem uma das 20 menores taxas de homicídios do planeta (0,3 homicídios por 100 mil habitantes). A Nigéria (onde a média de idade da população é de 18,3 anos) é o país com a terceira maior população muçulmana do mundo e tem uma das 20 maiores taxas de homicídios da Terra (21,7 homicídios por 100 mil habitantes).
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Uma questão de integração?
É um fato que o sentimento antimuçulmano na Europa é também alimentado pela percepção de que os muçulmanos estão menos integrados à cultura local. E parte dessa percepção é verdadeira. Em comparação com os demais membros da sociedade, os muçulmanos são menos favoráveis à democracia e aos costumes sexuais mais liberais (como os relacionamentos homoafetivos), e também admitem nutrir um menor sentimento de pertencimento nacional.
Também é verdade que alguns costumes muçulmanos entram em conflito com as normas culturais do Ocidente. Isso acontece, em parte, porque a prática religiosa é mais visível no islamismo do que no cristianismo. Um exemplo disso é o uso do véu. O véu contrasta com os países ocidentais porque nas sociedades seculares a religião possui uma natureza privada.
Mas não se engane: a União Europeia não excluirá mais de 20 milhões de muçulmanos da região sem cometer genocídio e crime contra a humanidade – inclusive porque parte desses muçulmanos já não são imigrantes, mas cidadãos europeus, filhos e netos de imigrantes.
Para que a realidade dos muçulmanos na Europa seja mais pacífica, será preciso integrá-los à sociedade e lidar com os obstáculos da sua demografia.
Raízes históricas
Será preciso também reconhecer que a população muçulmana não caiu no continente de paraquedas. Ao longo da história, diferentes países europeus colonizaram nações do mundo muçulmano, explorando os seus recursos naturais, criando fronteiras artificiais, interferindo nas suas estruturas sociais e promovendo instabilidade política e subdesenvolvimento. A história da influência europeia nesses países não é cor-de-rosa.
Só na Guerra da Argélia, até 1,5 milhão de argelinos morreram vítimas dos franceses. Os argelinos acusam a França de ser responsável pela morte de mais de 5,6 milhões de pessoas durante o período colonial no país. Hoje, os imigrantes e descendentes de argelinos são o maior grupo da comunidade muçulmana na França. Como poderia ser diferente?
Os europeus não são vítimas indefesas dos seus imigrantes; eles estão apenas enfrentando as consequências da sua própria história.
Por isso, para resolver o seu impasse com os muçulmanos, a Europa não tem outra opção que não seja a integração. A intolerância, o enfrentamento à sociedade aberta, a segregação, a ausência de diálogo intercultural, a xenofobia, não tornarão o continente mais próspero e seguro.
Isso também serve para o outro lado. Não é com excesso de correção política que essa integração ocorrerá. Muitos progressistas incentivam a censura e o silenciamento de debates sinceros sobre esse assunto, provocando ressentimento generalizado. Hoje, o medo de ser rotulado como “islamofóbico” pode condicionar muitos europeus a uma posição covarde frente à violência de algumas comunidades muçulmanas. É preciso ter coragem para condenar os criminosos e os fundamentalistas religiosos sem asteriscos politicamente corretos. Os criminosos e os fundamentalistas religiosos não querem a integração dos muçulmanos com o continente.
Minimizar ou ignorar a criminalidade em determinadas comunidades para evitar a estigmatização dos muçulmanos não melhorará o status deles. Evitar a inclusão de certas questões sobre a história e as práticas religiosas em currículos escolares para evitar ofensas tem tudo para piorar o quadro. Não enfatizar a necessidade de proteger valores comuns – como o respeito às mulheres, aos membros de outras religiões (ou aos descrentes) e às minorias sexuais – piora a coesão social. Aceitar um grande número de imigrantes sem um planejamento adequado, tende a sobrecarregar os serviços públicos no curto prazo e dificultar a integração das pessoas que já estão na Europa, algumas delas marginalizadas. Não tratar grupos terroristas como grupos terroristas só serve para banalizar a violência.
Todos esses são desafios imensos para o continente. Mas os muçulmanos não sairão de onde estão, e como a média de idade deles é consideravelmente menor que a dos europeus nativos, a tendência é que – mesmo sem novas ondas de imigração – o número de praticantes da fé islâmica vivendo na Europa aumente nas próximas décadas. Lidar com essas pessoas é a única coisa que resta.
Mas não se engane: ao contrário do que anunciam os discursos apocalípticos da nova direita, a Europa está longe de um declínio civilizacional. Dos 15 primeiros países no índice de desenvolvimento humano, 13 estão no continente. Com todos os seus desafios – incluindo problemas com o seu dinamismo econômico – a Europa ainda é o continente mais desenvolvido do mundo, e os seus números melhoraram na última década.
No fim, a destruição da União Europa pode até interessar a certos atores políticos, que apostam na guerra e no terrorismo para realizar os seus sonhos imperialistas no continente. Mas a Europa sobreviverá a eles. Como no passado, o maior desafio desse continente não vem do Oriente Médio ou do Norte da África. Vem dele mesmo.