MOSCOU - O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, afirmou neste domingo, 24, que o principal objetivo de Moscou com a guerra na Ucrânia é pôr um fim no governo do presidente ucraniano, Volodmir Zelenski - a primeira declaração pública em que um alto funcionário do Kremlin diz expressamente que a queda do regime de Kiev é uma prioridade para o governo russo.
“Os russos e os ucranianos continuarão a viver juntos. Certamente ajudaremos o povo ucraniano a se livrar do regime, que é absolutamente antipovo e anti-histórico”, afirmou Lavrov no domingo, durante participação em um encontro da Liga Árabe no Egito.
A declaração do chanceler vai contra às alegações iniciais do presidente Vladimir Putin sobre a invasão na Ucrânia, que o Kremlin se nega a classificar como uma guerra, tratando-a como uma “operação militar especial”. Putin reconheceu as independências de Donetsk e Luhansk e falou em “desnazificar” o país vizinho, mas o Kremlin até então negava repetidamente que tivesse o interesse de derrubar o governo de Zelenski, mesmo quando as tropas de Moscou se aproximaram de Kiev.
Os comentários de Lavrov seguiram seu aviso na semana passada de que a Rússia planeja manter o controle sobre áreas mais amplas além do leste da Ucrânia, incluindo as regiões de Kherson e Zaporizhzhia no sul, e obterá mais ganhos em outros lugares.
Também de acordo com Lavrov, a Rússia estava pronta para negociar um acordo para encerrar as hostilidades com a Ucrânia em março, mas Kiev teria decidido mudar de rumo, influenciado pelos países Ocidentais, com o objetivo de buscar uma vitória no campo de batalha.
“O Ocidente insiste que a Ucrânia não deve iniciar negociações até que a Rússia seja derrotada no campo de batalha”, afirmou, culpando os aliados pela continuidade do conflito.
As declarações do chanceler vieram em um momento de pressão internacional para Moscou. No fim de semana, o Kremlin precisou voltar atrás e admitir que bombardeou o porto de Odessa, no sul da Ucrânia, um dia depois de assinar um acordo da ONU para permitir a exportação de grãos e fertilizantes segura pelo Mar Negro.
Durante uma visita ao Congo nesta segunda-feira, 25, Lavrov repetiu a alegação de que o ataque em Odessa teve como alvo um barco da marinha ucraniana e um depósito com mísseis antinavio Harpoon. Ele disse que o ataque ocorreu na seção militar do porto a “uma distância significativa” do terminal de grãos.
“Não criamos nenhum obstáculo às entregas de grãos conforme os acordos assinados em Istambul”, disse Lavrov. Ele disse que os acordos “não contêm nada que nos impeça de continuar a operação militar especial e destruir a infraestrutura militar e outros alvos militares”.
Ainda não está claro quando os embarques de grãos serão retomados após a assinatura dos acordos. Os documentos visam abrir caminho para o embarque de milhões de toneladas de grãos ucranianos necessários globalmente para evitar uma crise alimentar, bem como a exportação de grãos e fertilizantes russos. O vice-ministro da Infraestrutura da Ucrânia, Yuri Vaskov, disse que o primeiro carregamento de grãos está planejado para esta semana.
Batalhas se intensificam no front
Autoridades ucranianas afirmaram nesta segunda-feira, 25, que ao menos dois civis foram mortos e 10 ficaram feridos em bombardeios russos nas últimas 24 horas.
Em Donetsk, atual foco da ofensiva russa, a artilharia de Moscou atingiu as cidades de Avdiivka, Kramatorsk e Kostiantinivka. Um ataque aéreo em Bakhmut danificou pelo menos cinco casas.
“Os russos estão usando as táticas de terra arrasada em todo o Donbas. Eles disparam do chão e do ar para varrer cidades inteiras”, disse o governador de Donetsk, Pavlo Kirilenko, em comentários televisionados.
As forças russas também atacaram a região de Kharkiv. Na cidade de Chuhuiv, uma rajada de artilharia russa destruiu um clube local e equipes de resgate retiraram várias pessoas dos escombros.
O governador de Kharkiv, Oleh Siniehubov, denunciou o ataque como uma “barbárie sem sentido”. “Parece uma loteria mortal na qual ninguém sabe onde o próximo ataque virá”, disse.
Enquanto a Rússia confirma seus planos de conquistar a região de Kherson, no sul, militares ucranianos preparam uma contraofensiva para recuperar a estratégica região às portas da península da Crimeia, anexada pelos russos em 2014. Zelenski disse no último sábado que suas tropas estavam avançando “passo a passo”.
A área foi a primeira região a cair para Moscou após o início da invasão. Retomá-lo seria uma vitória simbólica e estratégica para Kiev.
No domingo, o conselheiro do chefe da administração militar regional ucraniana, Sergi Khan, disse que a região seria “definitivamente libertada em setembro”. “Vemos claramente como nossas forças armadas estão avançando. Podemos dizer que estamos passando de ações defensivas para ações contraofensivas”, acrescentou.
Recuperar a cidade de Jershon, a capital da região, e o território circundante expulsaria as forças russas do território principal ao norte de sua fortaleza na Crimeia. A captura minaria as chances do Kremlin de lançar uma ofensiva a oeste ao longo do Mar Negro até o porto de Odessa.
De acordo com os serviços de inteligência de Kiev e do Ocidente, Moscou está fortalecendo suas defesas no sul para tentar impedir qualquer ofensiva. Além disso, os russos intensificaram seus ataques à cidade vizinha de Mikolaiv em uma aparente tentativa de impedir qualquer avanço ucraniano, segundo as mesmas fontes.
Rússia reduz gás para Europa
Em uma consequência da guerra em outra frente, a empresa russa Gazprom disse que reduziria ainda mais os fluxos de gás natural através de um grande gasoduto para a Europa para 20% da capacidade, citando reparos de equipamentos. A medida aumenta as tensões sobre o fornecimento de energia que está diminuindo no momento em que o continente está tentando reforçar seu armazenamento para o inverno.
A estatal russa twittou que reduziria “o rendimento diário” do oleoduto Nord Stream 1 para a Alemanha para 33 milhões de metros cúbicos a partir de quarta-feira, dizendo que estava desligando uma segunda turbina para reparos.
As entregas nesta segunda-feira estavam com 40% da capacidade total quando o Nord Stream 1 reabriu após 10 dias de manutenção programada na semana passada. O governo alemão rejeitou que haja razões técnicas que levariam a novas reduções de gás.
A Rússia cortou ou reduziu o gás natural para uma dúzia de países da União Europeia. O objetivo do bloco é usar menos gás agora para construir armazenamento para o inverno, propondo que os estados membros reduzam voluntariamente seu uso de gás em 15% nos próximos meses. Também está buscando o poder de impor cortes obrigatórios em todo o bloco de 27 países se houver risco de grave escassez de gás ou demanda excepcionalmente alta.
Mas Espanha e Portugal dizem que vão rejeitar cortes obrigatórios em uma reunião de emergência na terça-feira, apontando poucas conexões de energia com o resto da Europa e uso de gás russo que está muito abaixo de países como Alemanha e Itália./AP e AFP
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