KIEV- Poucos dias depois de a Rússia prometer retirar tropas da fronteira com a Ucrânia e amenizar a crise com o país vizinho e a Otan, o risco de conflito aumentou dramaticamente na região nesta sexta-feira, 18.
Forças separatistas pró-Rússia que atuam no leste da Ucrânia pediram que civis de origem russa sejam retirados para o outro lado da fronteira, depois de registros de confronto na região. Em paralelo, o governo russo anunciou exercícios com armas nucleares na fronteira com Belarus.
Preocupado com o agravamento da crise, o governo americano divulgou relatórios de inteligência que acusam a Rússia de quase dobrar o volume de suas tropas nas fronteiras da Ucrânia - de 100 mil na virada do ano para 190 mil. Os Estados Unidos e o governo da Ucrânia acusam a Rússia de tramar esses ataques com artilharia na fronteira junto dos separatistas para criar um pretexto de invasão. O presidente americano, Joe Biden, deve falar ainda hoje sobre a crise, depois de horas de reunião com chefes de governo da Europa.
Os exercícios da Rússia testarão suas forças nucleares estratégicas, que incluem os lançadores terrestres, bombardeiros e navios de guerra usados para entregar armas nucleares. Eles envolverão a Frota do Mar Negro, que está presente em exercícios de grande escala na região fronteiriça com a Ucrânia. Putin irá presidi-los a partir de um "centro de situação", disse o Kremlin.
O Ministério da Defesa disse que os exercícios foram planejados com antecedência, e Peskov negou que eles tenham a intenção de aumentar as tensões. Mas os movimentos acontecem em um momento crítico no impasse sobre a Ucrânia.
O Leste Ucraniano, onde ficam as regiões separatistas de Donetsk e Luhansk, vivenciou uma noite pontuada por explosões e bombardeios em até 30 vilarejos e cidades ao longo de um trecho de 400 quilômetros de terra que separa as forças apoiadas pela Ucrânia e pela Rússia. Embora as trocas periódicas de tiros não sejam incomuns na guerra de trincheiras que se desenvolve por oito anos, a violência desta noite foi de uma escala muito maior. Os primeiros ônibus com civis ucranianos chegaram a Rostov, na Rússia, nesta tarde.
Ainda em Luhansk, as agências de notícias russas Tass e Interfax, citando autoridades, noticiaram uma segunda explosão 40 minutos após relatos sobre uma primeira que atingiu um gasoduto perto da cidade. Não houve relatos de vítimas.
Duelo de versões
À medida que os eventos se desenrolam, autoridades na Rússia, nos Estados Unidos e na Ucrânia estão tentando moldar a narrativa.
Autoridades dos EUA disseram que estavam "observando de perto" esses bombardeios, com medo de que a Rússia pudesse usar a violência no leste como pretexto para invadir a Ucrânia. Blinken disse ao Conselho de Segurança das Nações Unidas na quinta-feira que a Rússia planejava "fabricar um pretexto para seu ataque", possivelmente com um "chamado bombardeio terrorista" ou "um ataque falso, até mesmo real" com armas químicas.
Na sexta-feira, Lavrov culpou as forças ucranianas pelo "aumento acentuado dos bombardeios no leste da Ucrânia", e disse que uma missão de monitoramento liderada pela Organização para Segurança e Cooperação na Europa estava obscurecendo evidências de agressão ucraniana.
“O regime de Kiev vem violando suas responsabilidades há vários anos”, disse ele.
Após os intensos bombardeios, os líderes das duas regiões separatistas da Ucrânia anunciaram planos de retirada de civis em direção à Rússia. Acredita-se que milhões de civis vivam nas duas regiões controladas pelos rebeldes no leste, a maioria falante de russo e muitos com cidadania russa.
Ao lado do líder de Belarus, Alexander Lukashenko, Vladimir Putin disse ver um agravamento da situação em Donbass, bacia onde ficam as regiões separatistas. Segundo ele, "o cumprimento dos Acordos de Minsk são a garantia para a restauração da paz na Ucrânia e para o fim das tensões em torno deste país". Os Acordos de Minsk exigem, entre outros tópicos, um cessar-fogo na região de Donbass.
"Tudo o que Kiev precisa fazer é sentar-se à mesa de conversas com representantes de Donbass e concordar com medidas políticas, militares, econômicas e humanitárias para acabar com o conflito", acrescentou.
No entanto, o chefe do Ministério da Defesa da Ucrânia disse que a alegação de um ataque iminente por sua parte é categoricamente falsa e projetada para inflamar as tensões e oferecer um pretexto para a invasão russa. Ele fez um apelo direto às pessoas que vivem na região, dizendo que eles são ucranianos e não estavam sob ameaça de Kiev.
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