MOSCOU - O presidente da Rússia, Vladimir Putin, assinou um decreto nesta quinta-feira, 31, que obriga os compradores estrangeiros de gás a fazer o pagamento em rublos. Mas o Kremlin moderou a ordem ao permitir pagamentos em dólares e euros por meio de um banco designado, na mais recente reviravolta no fornecimento de energia do qual a Europa depende para aquecer casas e gerar eletricidade.
“Para comprar gás natural russo, eles devem abrir contas em rublos em bancos russos. É a partir dessas contas que os pagamentos serão feitos para o gás entregue a partir de amanhã”, disse Putin em um pronunciamento televisionado. Ele ameaçou cortar o fornecimento a “países hostis” caso a ordem não fosse seguida.
A medida teve uma recepção cautelosa de líderes europeus que insistem que o pagamento permanecerá em euros e dólares e querem ver as letras miúdas de como o decreto será implementado.
Mas o Kremlin moderou o discurso ao permitir que os países considerados “hostis” por impor sanções à Rússia podem continuar pagando em moeda estrangeira por meio de um banco russo que converterá o dinheiro em rublos.
O decreto, publicado pela agência de notícias estatal RIA Novosti, diz que um banco designado abrirá duas contas para cada comprador, uma em moeda estrangeira e outra em rublos. Os compradores pagarão em moeda estrangeira e autorizarão o banco a vendê-las por rublos na casa de câmbio de Moscou. Os rublos seriam então colocados na segunda conta, onde o gás é formalmente comprado.
A Rússia fornece cerca de um terço do gás da Europa, o que faz da energia a alavanca mais poderosa à disposição de Putin para um revide às sanções ocidentais por sua invasão da Ucrânia. O ocidente bloqueou US$ 300 bilhões em reservas de divisas no exterior do Banco Central da Rússia.
Para o presidente russo, a medida é uma resposta às tentativas do Ocidente em “minar” o desenvolvimento da Rússia em uma guerra econômica que já era planejada “há muito tempo.” “Se tais pagamentos não forem feitos, consideraremos isso uma inadimplência por parte dos compradores, com todas as consequências decorrentes. Ninguém nos vende nada de graça, e também não vamos fazer caridade - ou seja, os contratos existentes irão parar”, afirmou
Sua proposta fez os preços do gás natural oscilarem e levantou temores de que poderia ser um prelúdio para uma interrupção no fornecimento para a Europa, que depende fortemente do gás natural russo e enfrentaria um corte repentino.
Europeus rejeitam demanda
Em entrevista coletiva, o ministro da Economia da Alemanha, Robert Habeck, afirmou que ainda não havia analisado o teor do decreto, mas que o país não seria “chantageado” pela Rússia. O chanceler alemão, Olaf Scholz, confirmou que a Alemanha continuaria a pagar em euro.
De qualquer forma, a Alemanha iniciou na quarta-feira um procedimento de emergência para monitorar as importações de gás e a capacidade de armazenamento e instou consumidores e fabricantes a reduzir o consumo em preparação para qualquer paralisação de entregas russas.
A Alemanha é um dos países mais dependentes do gás russo na Europa. O país suspendeu a autorização para o gasoduto Nord Stream 2, que ligaria a Alemanha à Rússia, logo após o reconhecimento da independência das repúblicas separatistas de Donbas por Putin.
Diante do risco de desabastecimento de gás, o ministro da Economia francês disse que a França e a Alemanha se preparam para esse possível cenário - algo que mergulharia a Europa em uma crise de energia.
Antes do anúncio do decreto, o primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, disse ter recebido garantias de Putin de que a Europa não teria que pagar em rublos e minimizou os temores de que Moscou cortaria o fornecimento. Segundo ele, Putin teria dito em um telefonema de 40 minutos que “os contratos existentes permanecem em vigor. As empresas europeias continuarão a pagar em dólares e euros.”
“A sensação é a que tenho desde o início, de que não é absolutamente simples mudar a moeda dos pagamentos sem violar os contratos”, disse Draghi.
Segundo a Comissão Europeia, nenhum país da União Europeia ainda sinalizou que está enfrentando uma emergência de fornecimento. As regras da UE exigem que os países tenham planos de como gerenciar o impacto de uma interrupção no fornecimento de gás em três níveis de crise: um aviso precoce, um alerta e uma emergência.
Alemanha e Áustria dispararam o aviso precoce nesta quinta como “medida de precaução”, disse a Comissão. O nível final de “emergência” seria o ponto em que os governos poderiam forçar a indústria a reduzir a atividade para garantir que as residências e serviços essenciais, como hospitais, continuem recebendo gás.
Risco para a Rússia
Enquanto isso, Draghi também disse à imprensa estrangeira que a Europa está pressionando por um teto nos preços do gás com a Rússia, dizendo que seus pagamentos estão financiando a guerra na Ucrânia e os preços pagos pela Europa estão fora de sintonia com o mercado global.
Ele observou que a Rússia não tem outro mercado para seu gás, dando à Europa espaço de manobra. Questionado sobre o risco de que a Rússia responda fechando as torneiras, Draghi disse: “não, não há perigo”.
A Rússia depende das vendas de petróleo e gás para grande parte de sua receita governamental em um momento em que sua economia está sob forte pressão pelas sanções.
Economistas dizem que a mudança para rublos faria pouco para apoiar a taxa de câmbio da moeda russa, já que a exportadora de gás Gazprom tem que vender 80% de seus ganhos em moeda estrangeira de qualquer maneira.
As pessoas estão “se perguntando o que Putin está fazendo”, disse Tim Ash, estrategista sênior de mercados emergentes da BlueBay Asset Management. Putin pode ter lido a relutância do governo alemão em boicotar a energia russa “como fraqueza e agora está tentando arquitetar essa crise de energia. A solução aqui é chamar isso de blefe de Putin ao dizer ‘vamos cortar o fornecimento de energia e ver quem quebra primeiro’”.
Os Estados chamaram a medida da Rússia de um “sinal de desepero”. Segundo o porta-voz do Departamento de Estado do país, Ned Price, a “demanda de Putin é um sinal de desespero da economia russa devido às sanções ocidentais. /AP e REUTERS
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.