KIEV - O diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) denunciou no fim do domingo, 20, ataques “deliberados e seletivos” contra a central nuclear de Zaporizhzhia e pediu o fim do que chamou de “loucura”, da qual Rússia e Ucrânia se acusam mutuamente, e voltou a pedir medidas urgentes para evitar um desastre.
“As notícias de nossa equipe ontem e nesta manhã são extremamente perturbadoras”, disse em comunicado o argentino Rafael Grossi, o titular da agência reguladora da ONU. “Ocorreram explosões no recinto desta grande usina de energia nuclear, o que é completamente inaceitável”, insistiu. “Quem quer que esteja por trás disto, deve parar imediatamente”, acrescentou.
A maior central nuclear da Europa, controlada há meses pela Rússia, sofreu uma dezena de explosões na noite de sábado para domingo, algumas delas vistas pelos especialistas da AIEA presentes no local.
Grossi disse que duas explosões encerraram abruptamente um período de relativa calma em torno da instalação nuclear que tem sido palco de combates intensos entre forças russas e ucranianas desde o início da guerra em 24 de fevereiro, quando foi ocupada pelas tropas russas.
No que parecia ser um novo bombardeio perto e no local, especialistas da AIEA que estão nas instalações de Zaporizhzhia desde que o órgão realizou uma inspeção de segurança no local há menos de três meses relataram ter ouvido mais de uma dúzia de explosões em um curto período de tempo na manhã de domingo, disse o comunicado, acrescentando que a equipe da AIEA pôde ver algumas explosões das janelas de seus escritórios.
Vários edifícios, sistemas e equipamentos da usina - nenhum deles crítico para a segurança nuclear da fábrica - foram danificados no bombardeio, disse o comunicado da AIEA, citando informações fornecidas pela administração da usina. Não houve relatos de vítimas.
Grossi disse que os relatos de bombardeios eram “extremamente perturbadores”. Ele acrescentou: “Quem quer que esteja por trás disso, deve parar imediatamente”. “Como já disse muitas vezes, você está brincando com fogo!” disse, e apelou a ambos os lados do conflito para acordar e implementar urgentemente uma zona de segurança e proteção nuclear ao redor da instalação nuclear.
Troca de acusações
A AIEA não atribuiu responsabilidade a nenhuma das duas partes, que se acusaram mutuamente de bombardear a central nuclear, mas, como já ocorre desde que a usina se tornou palco de ataques, Rússia e Ucrânia trocaram acusações pelos bombardeios de hoje. “Kiev não detém suas provocações destinadas a criar uma ameaça de catástrofe provocada pelo homem na central nuclear de Zaporizhzhia”, afirmou o ministério russo da Defesa em um comunicado.
Moscou acusou as forças ucranianas de dispararem mais de 20 projéteis de grande calibre contra a central, a maior da Europa, segundo a nota. Os projéteis explodiram entre os blocos número 4 e 5 e atingiram o teto de um “edifício especial” próximo aos blocos, acrescenta o texto.
A construção abriga, entre outras coisas, um depósito de combustível nuclear, afirmou Renat Karchaa, diretor da empresa russa de energia nuclear Rosenergoatom, citado pela agência oficial TASS.
Apesar dos bombardeios, o nível de radiação na área da central permanece dentro das normas, insiste o comunicado do ministério russo.
A agência nuclear ucraniana Energoatom, porém, acusou Moscou pelo bombardeio contra a central. “Esta manhã, 20 de novembro de 2022, como resultado de vários bombardeios russos, foram registrados ao menos 12 impactos contra o território da central nuclear de Zaporizhzhia”, afirmou a Energoatom, que acusou os russos de “mais uma vez colocar o mundo em perigo”.
A Rússia, que executa uma ofensiva na Ucrânia desde 24 de fevereiro, ocupa militarmente o território da central. A usina fica na região de Zaporizhzhia, um dos territórios que o presidente russo, Vladimir Putin, anexou ilegalmente depois de realizar referendos acusados pelo Ocidente de serem falsos.
Rússia e Ucrânia trocam acusações há vários meses sobre bombardeios na área da central nuclear. O intenso bombardeio na região levou a AIEA a fazer uma inspeção na usina no final de agosto e alertar que a situação era crítica, pedindo uma zona de exclusão. A agência se preocupa não só com os bombardeios que possam atingir os reatores, mas também com a segurança dos trabalhadores no local que, por exaustão ou pressão, podem cometer erros que levem a acidentes.
Além disso, embora a usina tenha capacidade para resistir intensos desastres incluindo bombardeios, a estrutura pode ficar comprometida com ataques tão longos como vem ocorrendo. Outra preocupação é que os ataques destruam a rede elétrica ao redor, que é fundamental para o sistema de refrigeração dos reatores. Sem a refrigeração adequada, os reatores superaquecem e podem explodir, semelhante ao que ocorreu em Chernobyl, também na Ucrânia, em 1986.
Com frequência a usina tem sido desligada da rede elétrica da Ucrânia, aumentando os temores com o sistema de segurança, que precisaram ativar sua energia reserva - muito mais curta e instável. O secretário-geral da ONU, António Guterres, mais de uma vez alertou que um acidente em Zaporizhzhia seria uma catástrofe maior do que a de Chernobyl.
A Rússia tem atingido a rede elétrica da Ucrânia e outras infraestruturas importantes do ar, causando blecautes generalizados para milhões de ucranianos em meio ao clima gelado de inverno com neve cobrindo a capital, Kiev e outras cidades./AFP e AP
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