O bombardeio da Rússia ao teatro de Mariupol, cidade de 400 mil habitantes, destruiu o local que servia de abrigo para pessoas que precisaram abandonar as suas casas por conta da guerra. Centenas de crianças estavam no teatro, e imagens divulgadas nesta quinta-feira, 17, mostram que os ucranianos haviam pintado os dois pátios do edifício com a palavra “CRIANÇAS” para avisar sobre a presença delas. Apesar disso, o ataque aconteceu e o número de sobreviventes e vítimas ainda é desconhecido.
Os esforços de resgate foram prejudicados por escombros e por novos bombardeios sobre a cidade. Mas, de acordo com Serhi Taruta, um político ucraniano, muitas pessoas saíram vivas do local.
Apesar das fotos de devastação, acredita-se que os abrigados estavam em um porão antibomba do teatro - construído durante a União Soviética - que resistiu ao ataque. O porão serve de refúgio para centenas de famílias desde que Mariupol foi cercada por tropas russas e a cidade começou a ser bombardeada.
Até 1,2 mil pessoas estavam no teatro, segundo o vice-prefeito da cidade. A Human Rights Watch, citando entrevistas com refugiados, colocou esse número entre 500 e 800.
Segundo uma reportagem da BBC, dezenas de mães se aglutinavam no local espremidos em quartos e corredores escuros. Algumas das crianças eram bebês com apenas quatro ou cinco meses de idade. Quando o teatro começou a ser usado como abrigo, sequer havia comida suficiente para todos.
As famílias também dormiam em camas improvisadas feitas com a almofada dos assentos do auditório. Os assentos de madeira, segundo os relatos da BBC, foram cortados em pedaços e usados como lenha para cozinhar. “Ao redor do teatro não havia árvores suficientes que pudéssemos usar, e era muito perigoso sair de casa”, disse uma das entrevistadas.
Imagens de satélite divulgadas pela empresa americana Maxar, tiradas na segunda-feira, mostraram que a palavra russa para “crianças” havia sido marcada no chão em letras grandes em dois locais fora do prédio, para alertar os jatos russos.
A câmara da cidade de Mariupol disse que um avião russo jogou uma bomba no lugar, e considerou o ataque “deliberado e cínico”. A Rússia negou ter alvejado o local, mas, apenas em Mariupol, seus ataques já atingiram vários prédios civis, incluindo uma maternidade, uma igreja e inúmeros apartamentos.
Cerco a Mariupol
Cerca de 300 mil pessoas seguem presas na cidade, sem eletricidade, gás e água encanada. Os sinais das operadoras de celular também foram perdidos. Alimentos e remédios estão perto do fim. Nesta semana, a Ucrânia afirmou que a Rússia impediu a entrega de ajuda humanitária.
Ao contrário de outras cidades, a instalação de corredores humanitários em Mariupol também foi mais difícil. Somente nesta semana, depois de diversas tentativas frustradas, os civis conseguiram sair da cidade. Os relatos são de que pelo menos 2 mil veículos particulares deixaram Mariupol.
O presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Peter Maurer, afirmou nesta quinta que o acesso da organização à cidade realmente é difícil. “Precisamos fazer preparações logísticas para levar assistência a Mariupol”. Maurer viajou para Kiev e se reuniu com autoridades ucranianas para tratar de questões humanitárias e pediu que haja medidas concretas “para permitir a saída em segurança das pessoas da cidade”.
Segundo a HRW, o direito humanitário internacional impõe obrigações aos envolvidos no conflito, como “permitir a saída da população civil”, mas a Rússia usa armas proibidas justamente porque não distinguem o alvo militar do civil, como bombas de fragmentação, e cerca as cidades, como Mariupol.
“Uma das obrigações das partes é garantir que a população civil seja avisada, por meio de sirenes, por exemplo, que ali vai ocorrer um ataque e possa se proteger em tempo. No caso do teatro, com o escrito no chão, pode ser discutido até se o ataque foi deliberado”, explica Maria Laura Canineu, porta-voz da HRW no Brasil.
O presidente Volodmir Zelenski disse em um discurso público que as bombas lançadas sobre o teatro e a situação de Mariupol são comparáveis ao cerco nazista feito a Leningrado durante a Segunda Guerra Mundial. “Nossos corações estão partidos pelo que a Rússia está fazendo com nosso povo, com nossa Mariupol”, disse Zelenski. /WASHINGTON POST, NEW YORK TIMES, AP, BBC, COLABOROU FERNANDA SIMAS
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