PUBLICIDADE

Rússia dribla sanções e importa tecnologia de armas ocidentais para guerra na Ucrânia

Bens tecnológicos ocidentais estão indo parar em mísseis russos, levantando questões sobre a eficácia das sanções

PUBLICIDADE

Por Ana Swanson e Matina Stevis-Gridneff
Atualização:

No fim do mês passado, autoridades americanas e da União Europeia trocaram informações sobre milhões de dólares em tecnologia proibida que estava escapando pelas rachaduras de suas defesas e entrando em território russo.

PUBLICIDADE

Auditores discais comerciais de alto escalão notaram um aumento nos chips e outros componentes eletrônicos vendidos para a Rússia por meio da Armênia, Cazaquistão e outros países, de acordo com slides da reunião de 24 de março obtidos pelo jornal The New York Times. E eles compartilharam informações sobre o fluxo de oito categorias particularmente sensíveis de chips e outros dispositivos eletrônicos que consideraram críticos para o desenvolvimento de armas, entre eles mísseis de cruzeiro russos que foram usados para atacar a Ucrânia.

Enquanto a Ucrânia tenta repelir a Rússia de seu território, os Estados Unidos e seus aliados travam uma batalha paralela para manter os chips necessários para sistemas de armas, drones e tanques fora das mãos dos russos.

Artilheiros da Ucrânia preparam um lançador de foguetes múltiplos BM-21 Grad para disparar contra posições russas na linha de frente perto de Bakhmut, na região de Donetsk Foto: Anatolii Stepanov / AFP - 18/4/2023

Mas negar à Rússia o acesso aos chips tem sido um desafio, e os EUA e a Europa não obtiveram êxito claro. Embora a capacidade da Rússia de fabricar armamento tenha diminuído por causa das sanções ocidentais adotadas há mais de um ano, o país encontrou uma rota tortuosa para ter acesso a muitos componentes eletrônicos.

O resultado é que, enquanto os EUA e a União Europeia se reúnem para fornecer armas aos ucranianos para continuar lutando contra a Rússia, sua própria tecnologia está sendo usada por Moscou para contra-atacar.

As autoridades americanas argumentam que as amplas sanções que impuseram em parceria com outros 38 governos prejudicaram a capacidade militar da Rússia e aumentaram o custo para Moscou adquirir as peças de que precisa.

“Minha opinião é que fomos muito eficazes em impedir a capacidade da Rússia de sustentar e reconstituir uma força militar”, disse Alan Estevez, que supervisiona os controles de exportação dos EUA no Departamento de Comércio, em entrevista em março. “Reconhecemos que este é um trabalho árduo”, acrescentou Estevez. “Eles estão se adaptando. Estamos nos adaptando às adaptações deles.”

Publicidade

Substituições

Não há dúvida de que as restrições comerciais estão tornando mais difícil para a Rússia obter tecnologia que possa ser usada no campo de batalha, muitas das quais projetadas por empresas dos EUA e países aliados.

As vendas diretas de chips dos EUA e seus aliados para a Rússia caíram para zero. Autoridades dos EUA dizem que a Rússia já esgotou grande parte de seu suprimento de armas mais precisas e foi forçada a substituir peças de qualidade inferior ou falsificadas que tornam seu armamento menos preciso.

Mas os dados comerciais mostram que outros países apareceram para fornecer à Rússia parte do que ela precisa. Depois de cair drasticamente após a invasão ucraniana, as importações de chips da Rússia voltaram a subir, principalmente da China e Hong Kong. As importações entre outubro e janeiro foram 50% maiores que os níveis médios pré-guerra a cada mês, de acordo com o rastreamento do Silverado Policy Accelerator, um centro de estudos.

Sarah V. Stewart, executiva-chefe da Silverado, disse que os controles de exportação impostos à Rússia interromperam as cadeias de suprimentos pré-existentes, e isso foi “realmente positivo”. Mas ela disse que a Rússia “ainda continua recebendo uma quantidade substancial” de chips.

“É realmente uma cadeia de suprimentos muito, muito grande e muito complexa e não necessariamente transparente”, disse Stewart. “Chips são verdadeiramente onipresentes.”

Como a Rússia tentou contornar as restrições, as autoridades dos EUA impuseram sanções a dezenas de empresas e organizações na Rússia, Irã, China, Canadá e outros lugares. Os EUA também expandiram suas restrições comerciais para incluir torradeiras, secadores de cabelo e micro-ondas, todos contendo chips, e criaram uma força tarefa para “investigar e processar atores ilícitos que tentam adquirir tecnologia sensível”.

Mas reprimir o comércio ilícito de chips está se mostrando difícil, dada a onipresença dos semicondutores. As empresas enviaram 1,15 trilhão de chips para clientes em todo o mundo em 2021, aumentando o enorme estoque mundial. A China, que não faz parte do regime de sanções, está produzindo chips cada vez mais sofisticados.

A Associação da Indústria de Semicondutores, que representa as principais empresas de chips, disse que está se envolvendo com o governo dos EUA e outras partes para combater o comércio ilícito de semicondutores, mas que controlar seu fluxo é extremamente difícil.

“Temos protocolos rigorosos para remover maus atores de nossas cadeias de suprimentos, mas com cerca de um trilhão de chips vendidos globalmente a cada ano, não é tão simples quanto apertar um botão”, disse a associação em comunicado.

Até agora, os militares russos parecem ter contado com um grande estoque de eletrônicos e armamentos acumulados antes da invasão. Mas esse suprimento pode estar acabando, tornando mais urgente para a Rússia obter novos chips.

Estoque

Um relatório divulgado na terça-feira pela Conflict Armament Research, um grupo independente que examina o armamento russo recuperado do campo de batalha, revelou o primeiro exemplo conhecido da Rússia produzindo armas com chips fabricados após o início da invasão.

Três chips idênticos, feitos por uma empresa dos EUA em uma fábrica offshore, foram encontrados em drones Lancet recuperados de vários locais na Ucrânia em fevereiro e março passado, de acordo com Damien Spleeters, que liderou a investigação.

Spleeters disse que seu grupo não estava revelando o fabricante do chip enquanto trabalhava com a empresa para rastrear como o produto acabou na Rússia. Esses chips não eram necessariamente um exemplo de violação do controle de exportação, disse Spleeters, já que os EUA não impuseram restrições a esse tipo específico de chip até setembro. Os chips foram fabricados em agosto e podem ter sido enviados logo depois disso, disse ele.

Publicidade

Mas ele viu a presença deles como prova de que o grande estoque de eletrônicos da Rússia antes da guerra estava acabando. “Agora vamos começar a ver se os controles e sanções serão eficazes”, disse Spleeters.

Desafio

A controladora da empresa que projetou o drone, o Kalashnikov Group, um importante fabricante de armas russo, desafiou publicamente as restrições de tecnologia do Ocidente. “É impossível isolar a Rússia de toda a base global de componentes eletrônicos”, disse Alan Lushnikov, presidente do grupo, em uma entrevista em russo no ano passado, de acordo com a tradução de um relatório do Centro de Relações Estratégicas e Internacionais. “É uma fantasia pensar o contrário.”

Essa citação incluía “alguma arrogância”, disse Gregory Allen, um dos autores do relatório, em um evento em dezembro. Mas, acrescentou, “a Rússia vai tentar fazer o que for preciso para contornar esses controles de exportação.”

Como mostram os documentos da reunião de março, as autoridades americanas e europeias estão cada vez mais preocupadas com o fato de a Rússia estar obtendo mercadorias americanas e europeias ao redirecioná-las por Armênia, Casaquistão e outros países da Ásia Central.

Um documento marcado com o selo do Escritório de Indústria e Segurança dos EUA dizia que, em 2022, a Armênia importou 515% a mais de chips e processadores dos EUA e 212% a mais da União Europeia do que em 2021. A Armênia exportou 97% desses mesmos produtos para a Rússia, disse o documento.

Em outro documento, o órgão identificou oito categorias de chips e componentes considerados críticos para o desenvolvimento de armas russas, incluindo um chamado que foi encontrado em um modelo de míssil de cruzeiro russo, o KH-101.

Fumaça é vista em local atacado por míssil russo no complexo industrial de Sloviansk Foto: Daniel Berehulak/The New York Times - 10/3/2023

O compartilhamento de inteligência entre os EUA e a Europa faz parte de um esforço nascente, mas intensificado, para minimizar o vazamento de tais itens para a Rússia. Enquanto os americanos têm uma experiência mais profunda na aplicação de sanções, a União Europeia carece de inteligência centralizada, alfândega e recursos de aplicação da lei.

Publicidade

Os EUA e a União Europeia recentemente despacharam funcionários para países que estavam embarcando mais chips para a Rússia, para tentar reduzir esse comércio. Estevez disse que uma visita recente à Turquia convenceu o governo a interromper os envios para a Rússia por meio de sua zona de livre comércio, bem como a manutenção de aviões russos e belorussos nos aeroportos turcos.

Funcionários do governo Biden dizem que as remessas para a Rússia e Belarus dos equipamentos eletrônicos caíram 41% entre 2021 e 2022, à medida que os EUA e seus aliados expandiram suas restrições globalmente.

Matthew S. Axelrod, secretário adjunto de fiscalização de exportação do Escritório de Indústria e Segurança, disse que se tratava de uma “diminuição ampla”. “Mas ainda há certas áreas do mundo que estão sendo usadas para levar esses itens para a Rússia”, disse ele. “Esse é um problema no qual estamos focados.”

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.