As forças russas intensificam a pressão sobre a cidade de Bakhmut, no leste da Ucrânia, com ataques de pelotões de soldados para romper a resistência ucraniana e foco nas linhas de abastecimento — em uma campanha sangrenta destinada a garantir à Rússia sua primeira vitória significativa em batalha em meses.
Onze meses após Moscou lançar sua invasão, Bakhmut e suas imediações se tornaram centro de intensos combates e adquire crescente importância à medida que ambos os lados adicionam forças aos combates. A Rússia intensificou sua tentativa de capturar Bakhmut, que pode ser crucial para a conquista de toda a região do Donbas meses após os bombardeios iniciados no verão terem rendido poucos ganhos.
“A situação é muito dura”, afirmou recentemente o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, em um discurso noturno, depois de se encontrar com comandantes militares. “Há tentativas constantes de romper nossa defesa”, afirmou ele.
Ao longo da guerra, o poder de fogo se provou um elemento crítico para os ganhos russos, mas a batalha por Bakhmut tem sido diferente. Cada vez mais, afirmam combatentes ucranianos e analistas, Moscou tem se fiado em uma tática mais crua: tentar derrubar a cidade e acrescentá-la à sua coluna vitoriosa por meio da superioridade em contingente. Como resultado, afirmam os ucranianos, as baixas entre os russos nas batalhas recentes em Bakhmut têm sido mais altas do que em meses anteriores.
Parte da estratégia russa em evolução parece ser sobrepujar as defesas ucranianas com ondas de soldados, muitos vindos da conscrição convocada pelo presidente Vladimir Putin, de 300 mil homens, em setembro. Isso seria um afastamento da estratégia de verão de Moscou em outros pontos do Donbas, quando sua artilharia castigou cidades por semanas antes que os russos lançassem uma ofensiva terrestre consistente.
A Ucrânia também tem sofrido baixas pesadas em Bakhmut. Mas o cálculo para cada lado não é o mesmo.
Guerra na Ucrânia
Michael Kofman, diretor de estudos de Rússia no instituto de pesquisas CNA, em Arlington, Virgínia, afirmou que os combates em Bakhmut custaram mais vidas à Rússia porque seus combatentes com frequência lutaram a pé e sem apoio de veículos blindados. Mas ainda que as baixas ucranianas possam ser menores em quantidade, afirmou ele em um episódio recente do podcast de assuntos militares War on the Rocks, elas podem ser mais dolorosas.
Muitos dos soldados lutando pela Rússia em torno de Bakhmut foram recrutados em penitenciárias e são menos treinados do que os soldados com que a Rússia iniciou a guerra. A Ucrânia empregou principalmente a guarda nacional e outras forças para manter sua linha defensiva em Bakhmut, com unidades de infantaria mais bem treinadas socorrendo-as quando seus combatentes sofriam ataques ou batiam em retirada.
“A Ucrânia foi forçada a trocar de posição soldados de maior qualidade para manter Bakhmut contra o ataque de forças russas descartáveis”, afirmou Kofman no podcast. Isso, disse ele, poderia “impedir planos ucranianos para uma futura ofensiva”.
O valor estratégico de Bakhmut, afirmam analistas militares, decorre de sua posição como cruzamento de algumas das principais estradas da região. Capturar a cidade, que fica na Província de Donetsk, não garantirá a Moscou avanços maiores no leste, mas colocaria as forças russas em melhor posição para obtê-los.
Apesar de ter sofrido derrotas em outras regiões no leste e sul da Ucrânia desde o outono do Hemisfério Norte passado, as tropas russas que avançam do leste na direção de Bakhmut têm intensificado a pressão contra a cidade gradualmente. No mês passado, os russos tomaram uma mina de sal na cidade de Soledar, 10 quilômetros a nordeste.
Ao sul, soldados ucranianos que passaram recentemente pela linha de frente afirmaram que uma estrada pavimentada que tinha sido sua principal rota de abastecimento até Bakhmut entrou no alcance do fogo de artilharia e dos tanques russos, apesar de ainda permanecer sob controle ucraniano. Isso faz com que a Ucrânia dependa de uma estrada a oeste da cidade de Chasiv Yar, também alvo frequente de ataques russos e mais difícil de atravessar.
Mudanças de estratégia
Em batalhas passadas no Donbas, as forças russas com frequência buscaram primeiro cercar as cidades, deixando à Ucrânia a decisão de empregar recursos custosos para defendê-las. A batalha lançada sobre Bakhmut sugere que a Ucrânia superou suas hesitações em se envolver diretamente em uma luta total por uma cidade e está preparada para suportar baixas na esperança de que é capaz de desgastar as forças de seu inimigo ainda mais. Na terça-feira, combates também ocorriam em outra região de Donetsk, na cidade de Vuhledar.
Moscou mudou sua estratégia de ataques em pequena escala em torno da cidade para um ataque mais concentrado, afirmou o Ministério da Defesa do Reino Unido na terça-feira, dois dias depois de Zelenski descrever Vuhledar entre as áreas “sob constante ataque russo”.
A cidade, que antes da guerra tinha cerca de 14 mil habitantes, foi destruída quase completamente, mas uma autoridade militar ucraniana enfatizou na terça-feira que ela ainda está sob controle de Kiev.
Analistas militares afirmam que as forças ucranianas têm usado suas posições dentro e no entorno de Vuhledar para lançar ataques ao maior polo ferroviário da região, na cidade ocupada de Volnovakha, a menos de 16 quilômetros de lá, em uma tentativa de enfraquecer os esforços de reabastecimento da Rússia. O diretor da administração regional militar da Ucrânia, Pavlo Kirilenko, afirmou na terça-feira que houve “fogo intenso” na área.
Nas semanas e meses adiante, conforme ambos os lados se preparam para as antecipadas ofensivas após o inverno, a Ucrânia será fortalecida por novos armamentos, incluindo tanques e sistemas de foguetes enviados pelos Estados Unidos e outros aliados.
Na terça-feira, o ministro da Defesa francês anunciou que seu país enviará outros 12 obuses Caesar para a Ucrânia e intensificará esforços para treinar soldados ucranianos, um aumento significativo na ajuda militar de um país que recentemente mostrou relutância em se desfazer de sua artilharia mais avançada.
E na semana passada EUA e Alemanha concordaram, depois de uma prolongada campanha da Ucrânia, em fornecer tanques a Kiev, entre outras ajudas militares. Os ucranianos também pressionam seus aliados por caças de combate, mas o presidente Joe Biden tem relutado em enviar F-16s.
Por agora, os numerosos novos soldados convocados no outono dão vantagem a Moscou. /TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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