Putin anuncia anexação de regiões da Ucrânia e fala em ‘precedente’ para uso de armas nucleares

Presidente russo acusou EUA de criar precedente por ser único país a usar armas atômicas em uma guerra; Em comunicado, UE disse que ameaças nucleares não impedirão auxílio à Ucrânia

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Por Redação
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O presidente da Rússia, Vladimir Putin, reconheceu a anexação de províncias ao leste e ao sul da Ucrânia como partes do território russo nesta sexta-feira, 30, e elevou o tom contra o Ocidente, acusando os Estados Unidos criaram o “precedente” para o uso de armas nucleares, sendo o único país a utilizá-las em combate. Há semanas, autoridades americanas e europeias apontam que o reconhecimento das regiões implicaria no aumento das ameaças nucleares do Kremlin, uma vez que a doutrina militar do país autoriza o uso de armas atômicas em caso de violação do território russo.

“Nós vamos proteger nossa terra com todos os meios que tivermos para prover uma vida segura para o nosso povo”, disse Putin à cúpula política reunida no Georgievski Hall, no Kremlin. Em um aparte, em outro momento do discurso quando criticava potências ocidentais, o presidente afirmou que os EUA foram o único país a utilizar armas nucleares em batalha: “A propósito, eles criaram um precedente”.

Vladimir Putin discursa em Moscou após assinar decretos reconhecendo a anexação de províncias ucranianas ao território russo. Foto: Gavriil Grigorov/ Sputnik via REUTERS

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Embora a confirmação formal da anexação de Donetsk, Luhansk, Zaporizhzhia e Kherson não seja reconhecida pela comunidade internacional, ela já é a maior apropriação de parte de um país por outro desde a 2ª. Guerra. Putin afirmou que a medida é irreversível e os habitantes delas se tornaram cidadãos russos “para sempre”.

“A escolha das pessoas em Donetsk, Luhansk, Zaporizhzhia e Kherson não será discutida, ela já foi feita e Rússia não vai traí-la”, disse Putin à cúpula política reunida no Georgievski Hall, no Kremlin. ”Essa é a vontade de milhões de pessoas. Esse é seu direito, seu direito inalienável”, afirmou em outro trecho do pronunciamento.

Os decretos assinados por Putin e líderes pró-Rússia das regiões ucranianas são parte de um processo orquestrado para fornecer um verniz de legalidade para a anexação das quatro províncias após os contestados referendos entre a semana passada e o começo desta semana. Os pleitos foram marcados por denúncias de fraude e coação, e sem a presença de milhões de pessoas que deixaram suas casas ao fugir da frente de conflito. Autoridades ocidentais anunciaram antecipadamente que não vão reconhecer a anexação.

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Em um comunicado divulgado pelo Conselho Europeu, líderes dos 27 países da União Europeia rejeitaram e condenaram “de forma inequívoca” a “anexação ilegal”, que consideram uma “violação flagrante” dos direitos da Ucrânia. “Não reconhecemos e nunca reconheceremos os referendos ilegais que a Rússia criou como pretexto para esta nova violação da independência, soberania e integridade territorial da Ucrânia”, diz o texto.

O comunicado também afirma que “as ameaças nucleares formuladas pelo Kremlin (...) não quebrarão nossa determinação” de apoiar a Ucrânia.

O presidente Vladimir Putin (centro) e os líderes pró-Rússia de Zaporizhzhia, Kherson, Luhansk e Donetsk. Foto: Mikhail Metzel/ Sputinik/ Kremilin via EFE

Nos EUA, o governo Joe Biden propôs uma rodada de sanções contra a Rússia, com foco em atingir os setores de defesa, tecnologia e outras indústrias. Os Departamentos do Tesouro e Comércio vão impor sanções e controles de exportação a quaisquer empresas, instituições ou pessoas que “fornecerem apoio político ou econômico à Rússia” e à anexação dos territórios ucranianos, disseram funcionários da Casa Branca.

O Departamento do Tesouro americano também está decretando sanções contra 14 empresas internacionais por apoiar as cadeias de suprimentos das forças armadas russas e colocando cerca de 300 membros do Parlamento em uma lista de sanções, disseram autoridades.

Durante o pronunciamento que durou cerca de 37 minutos, Putin direcionou suas críticas às “elites ocidentais”, apontando-as como “o inimigo” que quer destruir a Rússia. Eles “querem nos ver como uma colônia”, disse Putin. “É extremamente importante para eles que todos os países desistam de sua soberania em favor dos Estados Unidos.”

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“Não apenas as elites ocidentais negam a soberania nacional e a lei internacional. Sua hegemonia tem um caráter pronunciado de totalitarismo, despotismo e apartheid”, acrescentou.

Pressão na Ucrânia

Pouco antes da cerimônia, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, afirmou que a Rússia ainda precisa “esclarecer” se vai anexar a totalidade das regiões ucranianas de Kherson e Zaporizhzhia ou apenas as partes que ocupa. Segundo o ISW (sigla em inglês para Instituto para o Estudo da Guerra), a Rússia controla 72% da região de Zaporizhzhia e 88% de Kherson.

As regiões de Donetsk e Luhansk serão anexadas em sua totalidade, depois que Moscou reconheceu a soberania dos regimes separatistas pró-Rússia em fevereiro, pouco antes da ofensiva na Ucrânia. Somadas, as províncias reivindicadas pela Rússia correspondem a 15% do território ucraniano, com uma área comparável ao tamanho de Portugal e ao Estado de Santa Catarina.

O reconhecimento da anexação já havia sido anunciado na quinta-feira, 29, mas não impediu que a Rússia continuasse os bombardeios no campo de batalha. Autoridades ucranianas denunciaram que um ataque russo com 16 mísseis realizado entre a noite de quinta e a manhã desta sexta-feira deixou ao menos 23 mortos em Zaporizhzhia - incluindo pessoas de um comboio humanitário que prestava atendimento a um grupo que se dirigia para um território ocupado pela Rússia para resgatar parentes na região.

No discurso desta sexta-feira, em contrapartida, Putin pediu ao “regime de Kiev” que “cessasse imediatamente os disparos, todas as hostilidades e voltasse às mesas de negociação”.

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Manifestantes caminham em direção à Praça Vermelha para evento em comemoração à anexação das províncias ucranianas. Foto: REUTERS

Por que a comunidade internacional se opõe à anexação?

Os Estados Unidos, seus aliados da Otan e muitos outros países se opõem às ameaças nucleares da Rússia e dizem que permitir que um país capture um novo território militarmente estabelece um precedente desestabilizador, além de considerarem o processo dos referendos como uma fraude.

De acordo com o resultado apresentado pelas autoridades russas durante a semana, o “Sim” pela anexação à Rússia teria vencido com 97% dos votos - mas relatos de coação surgem de todas as partes dos territórios em disputa.

A estratégia foi comparada às votações realizadas pelos russos na Crimeia, em 2014, quando Moscou anexou a península ao território russo. O maior problema é que. no contexto atual, a Rússia não controla totalmente nenhuma das quatro regiões, militar ou politicamente. No Donbas, apesar da ocupação militar russa ser antiga, 40% do território ainda estava sob domínio de forças ucranianas.

Após a invasão da Ucrânia fevereiro, um artigo publicado pelo Conselho de Relações Exteriores observou que a Rússia, membro das Nações Unidas, estava violando a Carta das Nações Unidas, que exige que os Estados membros da ONU se abstenham do “uso da força contra o integridade territorial ou independência política de qualquer Estado”.

Aliados ocidentais da Ucrânia dizem que os supostos referendos mostrando apoio à união com a Rússia foram uma farsa, já que alguns moradores de áreas ocupadas foram forçados a votar sob a mira de armas e uma grande parte da população fugiu como deslocados internos ou refugiados nos últimos meses. As contas finais também poderiam ter sido facilmente falsificadas.

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Russos acompanham pronunciamento de Putin e comemoram anexação de regiões da Ucrânia na Praça Vermelha. Foto: Dmitry Serebryakov/ AP

Fuga da Rússia

A anexação é parte da escalada projetada por Moscou para o conflito da Ucrânia. Na semana passada, Putn há havia anunciado uma mobilização nacional, convocando cerca de 300 mil reservistas para servir no conflito, provocando um êxodo de homens russos em idade de combate que forçou o Kremlin a despachar forças de segurança para vários pontos da fronteira com a Geórgia e a Mongólia para entregar aos homens russos em fuga suas cartas de convocação. O Kremlin também parou de emitir, na quarta-feira, 28, passaportes para pessoas que foram convocados.

O êxodo russo também tem sido motivo de preocupação para os vizinhos de fronteira. Ainda na semana passada, a Finlândia (único país da União Europeia a aberta a turistas russos com visto) defendeu suspender a entrada de cidadãos russos no país em meio à corrida para a fronteira. Na Geórgia, o ministro de Assuntos Internos Vakhtang Gomelauri disse que cerca de 10.000 russos chegam ao país todos os dias, quase o dobro em comparação ao período anterior a mobilização dos reservistas russos. O país anunciou um aumento no número de guardas no posto de controle, mas disse “não ver motivo” para fechar a fronteira.

Russos tentam atravessar a fronteira com a Geórgia para fugir da convocação para a guerra, e são recebidos por manifestantes contrários ao conflito provocado pela Rússia.  Foto: Irakli Gedenidze / Reuters

No Casaquistão, outro país vizinho que permite a entrada sem visto para portadores de passaporte russo, os moradores da cidade fronteiriça de Uralsk transformaram um cinema em um abrigo temporário para russos que não conseguiam encontrar um quarto de hotel ou apartamento para alugar. O presidente Kassym-Jomart Tokayev disse que o país tem a obrigação de ajudar os russos que chegam.

“Nos últimos dias, muitas pessoas da Rússia têm vindo até nós”, disse Tokayev. “A maioria deles é forçada a sair por causa da atual situação desesperadora. Devemos cuidar deles e garantir sua segurança. Esta é uma questão política e humanitária”.

Uma imagem de satélite disponibilizada pela Maxar Technologies mostra o engarrafamento perto da fronteira da Rússia com a Geórgia, 25 de setembro de 2022. Foto: Maxar Technologies via EFE

Ressaltando uma crescente rixa com o Kremlin sobre a invasão da Ucrânia, o líder casaque também pediu respeito pela integridade territorial, aludindo aos referendos de anexação. E ele alfinetou Putin, que está no poder desde 2000, dizendo que se apenas uma pessoa governa um país por anos, “isso não honra nem este país, nem seu líder”.

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Do lado russo da fronteira, a pressão também mobiliza as autoridades. Na região da Ossétia do Norte, na fronteira com a Geórgia, que tem sido um dos principais centros de trânsito para russos que fogem da mobilização militar, autoridades disseram na terça-feira que estavam considerando declarar estado de emergência enquanto milhares de carros faziam fila para cruzar o posto de controle de Verkhni Lars.

“O influxo é enorme, ninguém esperava que fosse tão grande”, disse o chefe da região, Sergei Meniailo. “Não podemos fechar a passagem para a República, mas a questão é muito complicada e teremos de introduzir um estado de emergência parcial”, acrescentou.

Grupos de direitos humanos relataram que alguns russos foram expulsos de postos de fronteira, citando decisões transmitidas por seus comissariados militares locais que proíbem as saídas do país./ NYT, AFP e WPOST