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Rússia reduz celebrações da vitória sobre o nazismo por temer ataques e sabotagens da Ucrânia

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Por Neil MacFarquhar

A Rússia reduziu as celebrações anuais do Dia da Vitória, o feriado nacional que relembra a vitória soviética sobre a Alemanha nazista na 2.ª Guerra, por questões de segurança relacionadas à invasão na Ucrânia. Mais de 20 cidades cancelaram os desfiles militares e a marcha para homenagear veteranos da guerra, revelando os temores russos de ataques ucranianos e de protestos nacionais contra o conflito em curso.

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A maioria das cidades que cancelaram as celebrações alegaram questões de segurança, mas analistas sugerem que o risco de protestos domésticos também pesa na decisão. Independente dos motivos, é um fato sem precedentes na Rússia, onde os desfiles do dia 9 de maio se tornaram um evento emblemático para o presidente Vladimir Putin.

Ao longo dos anos, Putin transformou a data em uma propaganda da necessidade da Rússia frustrar o Ocidente que, segundo ele, ainda tenta destruí-la. Mais recentemente, Putin envolveu a Ucrânia nessa narrativa, descrevendo-a como reduto nazista.

Soldados russos marcham durante a parada que celebra o dia da vitória, em imagem desta segunda-feira, 8 Foto: Stringer/AFP

O maior desfile da data, do lado de fora do Kremlin, na Praça Vermelha, ainda deve ser a habitual demonstração de força militar bruta, com fileiras de soldados marchando em meio a armas que vão de tanques antigos a mísseis balísticos intercontinentais. Putin também deve discursar.

Mas fora de Moscou, uma recente onda de ataques de drones contra alvos militares ou de infraestrutura em cidades como Sebastopol, na Crimeia, e outros ataques nas regiões fronteiriças com a Ucrânia, fizeram as autoridades terem cautela. Nem mesmo o Kremlin ficou imune de ataques, com dois drones destruídos sobre o escritório de Putin na semana passada.

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, também aproveitou a data para realizar um discurso nesta segunda-feira, traçando um paralelo entre a 2.ª Guerra e a invasão russa no país. No discurso, Zelenski afirmou que o dia 9 será chamado de “Dia da Europa” para comemorar “a unidade de todos os europeus que destruíram o nazismo e derrotarão o ‘ruscismo’”, um termo que combina “russo” e “fascismo”. “Lutamos antes e lutamos agora para que ninguém nunca mais escravize outras nações e destrua outros países”, disse.

Na Rússia, vários governadores regionais citaram preocupações de segurança ao cancelar eventos do Dia da Vitória. Na maioria dos casos, os governadores não entraram em detalhes, mas em Belgorod, uma região que faz fronteira com a Ucrânia, o governador sugeriu que veículos militares em movimento lento e soldados em marcha podem ser alvos fáceis.

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“Não haverá desfile para não provocar o inimigo com uma grande quantidade de equipamentos e soldados lotados no centro de Belgorod”, disse o governador, Viacheslav Gladkov. “A recusa em realizar o desfile está relacionada à segurança dos moradores da região.”

Muitas áreas proibiram voos de drones durante as celebrações desta terça-feira, e o veículo de notícias Readovka no Telegram informou que unidades da Guarda Nacional receberam armas antidrones.

Apoiadores russos seguram bandeiras vermelhas diante para relembrar vitória soviética sobre os nazistas na 2.ª Guerra Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Igor Artamonov, governador da região de Lipetsk, que também fica perto da Ucrânia, disse que sua decisão não deve ser mal interpretada. “Não temos medo, não estamos levantando as mãos”, escreveu no Telegram. “Nenhuma escória neonazista será capaz de macular o grande Dia da Vitória. Mas também não temos o direito de colocar as pessoas em risco. É claro para todos que os desfiles são realizados em praças estritamente definidas e em horários estritamente definidos.”

O cancelamento da marcha nacional do “Regimento Imortal”, quando civis saem às ruas para exibir fotos de seus antepassados veteranos, talvez seja a mudança mais marcante. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que a marcha foi cancelada como uma “medida de precaução” contra possíveis ataques.

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Alguns governadores disseram que não queriam reunir um grande número de pessoas em meio à guerra. Entretanto, alguns analistas sugerem que o Kremlin pode temer colocar grandes multidões de russos nas ruas em um momento tão difícil poderia levar a distúrbios civis, mesmo com as leis de guerra da Rússia contra protestos.

Pode ser especialmente volátil, segundo analistas, se milhares de pessoas aparecerem com fotos dos recém-mortos na guerra, revelando a extensão de um número que o governo tentou esconder. Alguns retratos de soldados mortos na Ucrânia foram carregados durante as celebrações do ano passado, mas os números eram muito menores naquela época, apenas dois meses após os combates.

“As pessoas não sairão com retratos de seus bisavôs”, escreveu Elvira Vikhareva, ativista política, no Facebook. “As pessoas vão sair com retratos de seus pais, filhos e irmãos. O regimento não será ‘imortal’, mas muito mortal, e a escala será visível.”

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Seja qual for o motivo, as autoridades russas têm tentado promover uma alternativa, sugerindo que as pessoas carreguem os retratos em um site especial ou afixem retratos de seus antepassados veteranos em seus veículos e janelas de apartamentos.

Alguns líderes locais longe da Ucrânia disseram que estavam cancelando seus desfiles em solidariedade às regiões da linha de frente. Na região de Pskov, lar de uma famosa divisão paraquedista que foi devastada pelos combates e implicada em potenciais crimes de guerra, o governador Mikhail Vedernikov disse que o som dos fogos de artifício incomodaria os soldados recuperados e que o dinheiro seria melhor gasto em suas necessidades.

Outras regiões planejavam avançar com as festividades, mas em menor escala. Em São Petersburgo, não haverá sobrevoo da Força Aérea, por exemplo.

Alguns blogueiros pró-guerra alegaram que os homens e equipamentos tradicionalmente apresentados em muitos desfiles seriam mais úteis no front, reforçando o conturbado esforço de guerra.

O governador Vedernikov sugeriu uma reviravolta, dizendo: “Não devemos comemorar a vitória, mas fazer todo o possível para aproximá-la”.

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