KYEV - O Kremlin despachou ainda mais forças para seu esforço de guerra. As unidades, no entanto, não estão indo para a Ucrânia, mas para as fronteiras da Rússia com outros países, onde desde o começo da semana eles enfrentaram jovens russos tentando fugir do país em meio a um êxodo do país provocado pela convocação de 300 mil reservistas.
À medida que os caminhos para os russos escaparem da ordem de convocação diminuem, o Serviço de Segurança Federal enviou veículos blindados para as fronteiras, onde alguns homens que esperavam para fugir recebiam papéis de convocação militar, informou a mídia estatal.
As forças do Serviço Federal de Segurança da Rússia, a principal agência sucessora do KGB, foram mobilizadas nas passagens de fronteira para garantir que os reservistas não deixem o país “sem cumprir as formalidades de fronteira”, disse o serviço em comunicado.
Muitos continuaram na fila mesmo tendo recebido a notificação, alguns deles desistiram de fugir, segundo a mídia estatal russa.
Na semana passada, Vladimir Putin assinou uma lei que endurece a pena para soldados que se recusarem a combater e fugirem da convocação obrigatória. As mudanças introduzem pela primeira vez no Código Penal do país conceitos como “mobilização, lei marcial e tempo de guerra”.
Pela nova lei, a rendição voluntária é agora punível com 15 anos de prisão, já o soldado que desertar durante o período de mobilização ou de guerra (caso dos convocados agora), pode ser punido com até 10 anos de prisão.
Segundo ONGs, manifestantes detidos em Moscou são obrigados a escolher entre ir para a guerra ou a cumprir a pena de prisão.
Entenda a fuga dos russos
A corrida para as fronteiras começou horas depois do anúncio do presidente Vladimir Putin, na semana passada, de uma convocação militar afetando centenas de milhares de russos, e o fluxo só aumentou desde então.
Embora o Kremlin tenha rejeitado relatos de que em breve poderá proibir quase todos os homens em idade militar de deixar o país, muitos russos não se arriscaram.
Na terça-feira, nas fronteiras da Geórgia, Casaquistão e até Mongólia, seus números continuaram a aumentar, atingindo quilômetros de fronteira.
No Casaquistão, respondendo aos pedidos de fechamento da fronteira de quase 8 mil quilômetros com a Rússia, o presidente Kassim-Jomart Tokaiev pediu “humanidade, paciência e organização”, dizendo que os russos foram “forçados a sair por causa da atual situação desesperadora”.
Com carros alinhados por quilômetros em sua fronteira e esperas de mais de 48 horas, a Geórgia disse que permitiria que os visitantes entrassem a pé. O número de pedidos de entrada quase dobrou na semana passada, para cerca de 10.000 por dia, disse o ministro do Interior do país.
Filas na fronteira
Imagens feitas por satélite pela empresa Maxar Technologies mostram que longas filas de carros se formaram nas fronteiras da Rússia com a Geórgia e com a Mongólia.
Homens russos estão fugindo para países vizinhos para evitar a convocação para lutar na guerra da Ucrânia. O plano do presidente Vladimir Putin é convocar 300 mil reservistas para reforçar as tropas russas na guerra na Ucrânia. A mobilização foi anunciada no dia 21 de setembro. Não há dados precisos a respeito do tamanho do êxodo para outros países.
Cenas como as da fronteira da Rússia com a Geórgia e com a Mongólia também ocorreram nas divisas com o Casaquistão e a Finlândia. A Rússia não fechou suas fronteiras, e os guardas, aparentemente, deixam as pessoas saírem do país.
A fila de carros e caminhões tentando sair se formou em um ponto de passagem no lado russo da fronteira, segundo a empresa norte-americana Maxar Technologies, que divulgou as fotos na segunda-feira.
“O engarrafamento provavelmente continuou mais ao norte da área fotografada”, disse a empresa com sede nos EUA. Fotos aéreas da empresa mostram veículos serpenteando em outra longa fila perto da fronteira da Rússia com a Mongólia.
Os carros também estão alinhados nas fronteiras da Rússia com a Finlândia e o Casaquistão desde a semana passada, quando Putin anunciou a convocação de pelo menos 300 mil reservistas para lutar na guerra na Ucrânia. Foi a primeira mobilização de reservistas da Rússia desde a 2ª Guerra.
A confusão sobre quem poderia ser convocado também levou milhares de pessoas a fugir, juntamente com o medo de que as fronteiras da Rússia pudessem ser fechadas para homens em idade militar.
Eles não têm muitas opções se não quiserem se deslocar para a Ucrânia. As nações bálticas fecharam suas fronteiras terrestres. Nos últimos dias, pilhas de bicicletas abandonadas perto de postos de fronteira apareceram em imagens de mídia social.
Rússia vai parar de emitir passaportes para convocados
A Rússia não emitirá mais passaportes para pessoas convocadas para o Exército, informou o portal de informações do governo nesta quarta-feira, em um momento em que dezenas de milhares de pessoas já deixaram o país fugindo da mobilização parcial anunciada pelo presidente Vladimir Putin na semana passada.
“Se um cidadão já foi convocado para cumprir o serviço militar ou se recebeu intimação (para mobilização ou alistamento), o seu passaporte internacional será rejeitado”, diz o portal de informação. Nesse caso, “será entregue uma nota ao cidadão para explicar o motivo da rejeição e o prazo de validade da medida”.
Cidadãos russos precisam de um passaporte internacional para viajar para a maioria dos países estrangeiros, com exceção de Armênia, Bielorrússia, Casaquistão e Quirguistão para onde podem ir com o passaporte interno, equivalente a um documento de identidade. Apesar disso, encontrar voos para sair da Rússia ainda é uma tarefa complicada e extremamente cara: um voo de Moscou para Baku, no Azerbaijão, podia ser encontrado por até 665 mil rublos (R$ 61,6 mil).
Nos últimos dias, no entanto, países como a Noruega e a Turquia registraram um aumento de chegadas de cidadãos russos.
Depois de anunciar a mobilização parcial de 300 mil reservistas, o governo estabeleceu uma série de restrições a quem poderia ser chamado, como homens com mais de quatro filhos menores de idade, pessoas acima de determinada idade, além de determinados profissionais, como professores e do setor de Tecnologia da Informação.
No começo da semana, no entanto, o governo russo admitiu “erros” na convocação de reservistas, após uma série de denúncias vindas de todas as partes do país, e de críticas vindas até mesmo de aliados.
Vários estudantes disseram à AFP que foram convocados, apesar de as autoridades terem prometido que seriam excluídos na campanha de mobilização. No sábado, Putin assinou um decreto confirmando que os estudantes de centros de formação profissional e de ensino superior ficarão isentos.
Outra situação que criou polêmica é o caso de manifestantes contra a ofensiva na Ucrânia que receberam ordens de mobilização durante sua custódia. O Kremlin disse que, nesses casos, “não havia nada ilegal”.
Em meio às convocações, que em algumas áreas ocorrem no meio da noite, as redes sociais foram inundadas de denúncias de violações das próprias regras do Kremlin. Sob pressão, alguns aliados, como a chefe da rede RT, Margarita Simonyan, estão expondo certos casos — cabe ressaltar que Simonyan, uma das principais propagandistas do Kremlin, defende ferrenhamente a chamada “operação militar especial”.
A presidente da Câmara Alta do Parlamento, Valentina Matviyenko, também pediu no domingo atenção dos governadores, que supervisionam as campanhas de mobilização. Um dia antes, a Rússia anunciou a substituição de seu general de mais alta patente a cargo da logística, em plena campanha de mobilização./ W.POST, NYT e AP
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