MOSCOU - Como muitos da classe média alta da Rússia, Rita Guerman, que trabalha em publicidade, se opôs por anos ao presidente Vladimir Putin. As sanções ocidentais em retaliação à invasão militar na Ucrânia a fizeram mudar de ideia.
“Abri meus olhos”, disse Guerman, de 42 anos, que elogia o presidente russo por defender o país “contra a Otan”.
Os países ocidentais adotaram sanções sem precedentes contra a Rússia para penalizar Putin por sua campanha militar na Ucrânia, que deixou milhares de mortos, incluindo civis, e fez com que mais de 11 milhões de pessoas deixassem suas casas.
Potências ocidentais esperavam que as sanções enfraquecessem o apoio ao Kremlin, mas observadores dizem que estão tendo o efeito oposto.
Após o choque inicial e a descrença, muitos na classe média em grande parte pró-Ocidente, como Guerman, sentem-se tratados injustamente pelo Ocidente e agora apoiam o presidente.
As últimas sanções afetaram os russos indiscriminadamente, privando-os de contratos com empresas estrangeiras, férias na Europa, cartões de crédito Visa e Mastercard ou acesso a remédios ocidentais.
Quando Putin enviou as tropas para a Ucrânia em 24 de fevereiro, Guerman estava finalizando um contrato de propaganda de uma empresa ucraniana.
A princípio comovida, quis fazer uma doação ao Exército do país vizinho. Mas depois de duas semanas de reflexão ouvindo “historiadores e especialistas em geopolítica”, ela se tornou uma defensora de Putin.
“Uma pessoa normal não pode aceitar a guerra. Ela me destrói. Mas estamos falando da soberania da Rússia”, disse Guerman à AFP. “A sorte está lançada: Putin não teve escolha a não ser entrar na Ucrânia para nos proteger dos anglo-saxões.”
Como resultado das sanções, ela afirma ter perdido todos os seus clientes estrangeiros enquanto o trabalho na Rússia diminuiu bastante.
“Estamos sob cerco”, disse ela, dizendo que reconsiderou seus valores. “Há a Coca-Cola e os iPhones. E há também os valores existenciais.”
De acordo com uma pesquisa de março do instituto independente Levada, 83% dos entrevistados aprovam o trabalho de Putin, em comparação com 65% em dezembro do ano passado.
Muitos sociólogos dizem que as pesquisas não podem oferecer um retrato objetivo durante um conflito militar, já que é praticamente proibido criticar as autoridades.
Após o início da campanha militar na Ucrânia, as autoridades impuseram penas de prisão de até 15 anos para quem divulgar “notícias falsas” sobre os militares russos.
Natalia Tikhonova, pesquisadora-chefe do Instituto de Sociologia da Academia Russa de Ciências, aponta que muitos membros da classe média não entendem por que deveriam compartilhar a responsabilidade pelas ações de Putin na Ucrânia quando nunca votaram nele.
“A demonização dos russos como nação na Europa apenas os leva a se unirem em torno de sua bandeira”, disse Tikhonova.
Mais de 15 mil pessoas foram presas em protestos na Rússia após o início do conflito, mas essas manifestações desapareceram rapidamente.
“Independentemente de sua oposição à operação na Ucrânia, a classe média se mobilizou em apoio a Putin e contra o Ocidente”, disse Tikhonova, observando que cerca de 60% dessas pessoas costumavam se considerar “próximas aos europeus”.
De acordo com Alexander Nikonov, um moscovita de 37 anos, a “histeria anti-russa” está se espalhando pelo mundo, e ele acredita que os russos deveriam cerrar fileiras.
“Este não é o momento para disputas”, disse Nikonov em uma livraria no centro de Moscou, onde comprou uma coleção de contos russos. “Até meus colegas, que costumavam criticar abertamente as autoridades, agora falam menos.”
O analista político Georgy Bovt acredita que, ao destruir os meios de subsistência dos russos pró-ocidentais, o Ocidente está fortalecendo o regime de Putin.
“A guerra econômica que o Ocidente declarou aos russos, independentemente de suas convicções políticas, os mobilizou mais do que toda a propaganda do Kremlin nos últimos anos”, diz. / AFP
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