O chanceler alemão, Olaf Scholz, anunciou neste domingo, 27, uma ampliação radical no gasto em Defesa de seu país, potencialmente marcando uma nas mais significativas mudanças em décadas na abordagem alemã no pós-2.ª Guerra em relação à segurança internacional – o que poderá aprumar a política de defesa europeia. Acompanhe a guerra na Ucrânia em tempo real (conteúdo aberto a não assinantes)
A Alemanha, maior economia da Europa e nação mais populosa da União Europeia (UE), frustrava havia muito tempo os Estados Unidos e seus aliados no continente com sua hesitação em investir mais em suas forças militares. Sua posição obstruiu numerosas tentativas de formulação de uma estratégia de segurança mais ambiciosa na Europa, incluindo repetidos esforços do presidente francês, Emmanuel Macron, de constituir um Exército europeu.
Falando ao Parlamento alemão, Scholz qualificou neste domingo o ataque da Rússia à Ucrânia como “um ponto de inflexão na história do continente” e anunciou uma série de novas medidas. Os militares alemães receberão um financiamento extraordinário de mais de US$ 110 bilhões, afirmou ele – o que corresponde a cerca de duas vezes o orçamento de Defesa alemão no ano passado. “Equipamentos melhores e mais modernos, mais pessoal, isso custa muito dinheiro”, disse Scholz aos parlamentares na sessão especial.
Scholz também se comprometeu a ultrapassar a meta de gasto em defesa estabelecida pela Otan, de 2% do PIB, “de agora adiante, ano a ano”. Em 2021, a Alemanha gastou estimado 1,53% de sua produção econômica anual em defesa, bem abaixo da meta da Otan.
“Não estamos almejando essa meta porque nos comprometemos com nossos amigos e aliados que aumentaríamos nosso gasto com defesa a 2% do nosso PIB até 2024, estamos fazendo isso por nós, também, para nossa própria segurança”, afirmou Scholz.
Os planos ainda precisam ser aprovados pelos parlamentares, mas parecia haver apoio amplo ao projeto. A maré de mudança na política de Defesa alemã ocorre em meio ao choque generalizado em relação à invasão russa da Ucrânia. “Houve um despertar não apenas por parte da classe política, mas também entre os eleitores comuns”, afirmou o cientista político alemão Marcel Dirsus, pesquisador do Instituto para Política de Segurança da Universidade de Kiel.
Durante crises anteriores, incluindo a anexação da Crimeia, em 2014, pela Rússia, a Alemanha hesitou em embarcar num confronto mais direto contra um país que ajudou a derrotar os nazistas. A profunda relação econômica com a Rússia vem de décadas e, afirmam muitos críticos, levou a uma ortodoxia em política externa que afastou a Europa de criticar mais duramente o Kremlin por muito tempo.
O tenente-general Alfons Mais, comandante do Exército alemão, afirmou na semana passada que o Exército que ele tem a permissão de liderar é “mais ou menos impotente” para afrontar a Rússia em meio à atual crise. Associações de defesa alertaram que os militares alemães são subfinanciados e mal equipados.
A defasagem nos gastos de Defesa da Alemanha é defendida há muito por todos os campos políticos representados no país, mesmo que aliados internacionais tenham expressado descontentamento em relação à posição. O Partido Social-Democrata da Alemanha, de Scholz, era um dos principais opositores a um grande aumento nos gastos com Defesa.
Armas
Os primeiros sinais de um rompimento substancial com essa tradição vieram no sábado, quando a Alemanha anunciou que enviaria uma grande quantidade de armas à Ucrânia e adotou amplas restrições contra bancos russos que havia previamente rejeitado. Scholz anunciou o envio de mil armas antitanque e 500 mísseis terra-ar à Ucrânia.
A manobra abriu para a Ucrânia as portas dos arsenais europeus, já que Berlim detém poder de veto sobre a maneira como armamentos de fabricação alemã são usados e até sobre a sua venda no exterior.
Berlim deu sinal verde ao envio de 400 lançadores de granadas dos Países Baixos (de fabricação alemã) e inúmeros morteiros da Estônia para a Ucrânia, afirmaram três autoridades europeias. As autoridades falaram sob condição de anonimato para discutir acordos de transferências de armas que não foram tornados públicos e ainda estavam recebendo suas aprovações finais. Isso ocorreu poucos dias após Scholz congelar o projeto do gasoduto Nord Stream 2, que levaria gás russo à Europa Ocidental – outra medida que semanas atrás parecia inconcebível. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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