A vitória de Kamala Harris em 2024 representaria uma escolha pela estabilidade e a preservação das normas institucionais dos Estados Unidos em um momento global de incertezas. Para os democratas, Kamala significa continuidade — a tentativa de restaurar uma política externa multilateral e um compromisso renovado com as alianças históricas.
No entanto, a trajetória de Kamala até essa vitória foi repleta de ajustes e concessões. Vinda de uma campanha apagada nas primárias de 2019, Kamala precisou se reposicionar ideologicamente, moderando seu discurso para atrair eleitores centristas.
Essa transformação ilustra não só a complexidade do cenário político americano, mas também os limites de sua própria influência em um contexto de profundas divisões internas.
Internamente, uma presidência de Kamala provavelmente será marcada pelo desafio de reconciliar um país fragmentado. Mesmo com a vitória, a sombra do trumpismo continuará presente, alimentada por uma base republicana fortalecida e ideologicamente comprometida com valores como o protecionismo e o nacionalismo.
Para Kamala, qualquer tentativa de promover reformas amplas enfrentará uma oposição determinada, resistente às mudanças propostas e desconfiada das instituições tradicionais. Esse ambiente exige de Kamala uma habilidade ímpar de mediação e diálogo, ao mesmo tempo em que limita o escopo de suas ações.
No cenário internacional, a vitória de Kamala deve tranquilizar aliados históricos dos Estados Unidos, especialmente na Europa e na Ásia. Sua política externa deverá se alinhar mais de perto ao modelo tradicional americano, reforçando compromissos com a OTAN, as Nações Unidas e outras instituições multilaterais.
Entretanto, a incerteza permanece: os parceiros estrangeiros entenderam, ao longo dos anos Trump, que a política americana pode oscilar drasticamente em função de uma eleição. Kamala pode buscar restaurar a imagem dos Estados Unidos como líder global, mas a realidade é que o trumpismo expôs fissuras nas fundações da política externa americana. Líderes internacionais poderão continuar questionando se o retorno ao multilateralismo é uma tendência permanente ou apenas uma pausa temporária até o próximo ciclo eleitoral.
Além disso, Kamala enfrentará o desafio de equilibrar a postura de diálogo com o aumento das tensões geopolíticas, especialmente em relação à China e à Rússia. Ao mesmo tempo em que busca reforçar as alianças, ela precisará lidar com a pressão doméstica para proteger a economia americana de práticas comerciais desleais e ameaças à segurança cibernética. A abordagem de Kamala provavelmente será uma de contenção e cooperação, evitando confrontos diretos, mas sem negligenciar a necessidade de proteger os interesses estratégicos dos Estados Unidos.
Estadão na eleição dos EUA
A vitória de Kamala representa uma tentativa de restaurar a ordem e a previsibilidade que caracterizaram a política americana no pós-guerra. No entanto, o legado de Trump e a força das ideias que ele trouxe à superfície não desaparecerão.
A nova administração poderá buscar a reconstrução do compromisso americano com a estabilidade global, mas terá que lidar com um país e um mundo que agora sabem que os Estados Unidos podem facilmente se afastar de seus compromissos. A vitória de Kamala pode ser um sinal de continuidade para o presente, mas a incerteza permanece como uma característica central do futuro da política americana.
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