Opinião | Se Kamala Harris vencer as eleições nos EUA como ficará a ‘nova ordem’ global?

A vitória da democrata em 2024 representaria uma escolha pela estabilidade e a preservação das normas institucionais dos Estados Unidos em um momento global de incertezas

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Por Carlos Gustavo Poggio
Atualização:

A vitória de Kamala Harris em 2024 representaria uma escolha pela estabilidade e a preservação das normas institucionais dos Estados Unidos em um momento global de incertezas. Para os democratas, Kamala significa continuidade — a tentativa de restaurar uma política externa multilateral e um compromisso renovado com as alianças históricas.

No entanto, a trajetória de Kamala até essa vitória foi repleta de ajustes e concessões. Vinda de uma campanha apagada nas primárias de 2019, Kamala precisou se reposicionar ideologicamente, moderando seu discurso para atrair eleitores centristas.

Essa transformação ilustra não só a complexidade do cenário político americano, mas também os limites de sua própria influência em um contexto de profundas divisões internas.

A candidata democrata, Kamala Harris (à direita), ao lado da ex-primeira-dama dos EUA, Michelle Obama, em um evento de campanha em Kalamazoo, no Michigan, no sábado  Foto: Demetrius Freeman/The Washington Post

Internamente, uma presidência de Kamala provavelmente será marcada pelo desafio de reconciliar um país fragmentado. Mesmo com a vitória, a sombra do trumpismo continuará presente, alimentada por uma base republicana fortalecida e ideologicamente comprometida com valores como o protecionismo e o nacionalismo.

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Para Kamala, qualquer tentativa de promover reformas amplas enfrentará uma oposição determinada, resistente às mudanças propostas e desconfiada das instituições tradicionais. Esse ambiente exige de Kamala uma habilidade ímpar de mediação e diálogo, ao mesmo tempo em que limita o escopo de suas ações.

No cenário internacional, a vitória de Kamala deve tranquilizar aliados históricos dos Estados Unidos, especialmente na Europa e na Ásia. Sua política externa deverá se alinhar mais de perto ao modelo tradicional americano, reforçando compromissos com a OTAN, as Nações Unidas e outras instituições multilaterais.

Entretanto, a incerteza permanece: os parceiros estrangeiros entenderam, ao longo dos anos Trump, que a política americana pode oscilar drasticamente em função de uma eleição. Kamala pode buscar restaurar a imagem dos Estados Unidos como líder global, mas a realidade é que o trumpismo expôs fissuras nas fundações da política externa americana. Líderes internacionais poderão continuar questionando se o retorno ao multilateralismo é uma tendência permanente ou apenas uma pausa temporária até o próximo ciclo eleitoral.

Além disso, Kamala enfrentará o desafio de equilibrar a postura de diálogo com o aumento das tensões geopolíticas, especialmente em relação à China e à Rússia. Ao mesmo tempo em que busca reforçar as alianças, ela precisará lidar com a pressão doméstica para proteger a economia americana de práticas comerciais desleais e ameaças à segurança cibernética. A abordagem de Kamala provavelmente será uma de contenção e cooperação, evitando confrontos diretos, mas sem negligenciar a necessidade de proteger os interesses estratégicos dos Estados Unidos.

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A vitória de Kamala representa uma tentativa de restaurar a ordem e a previsibilidade que caracterizaram a política americana no pós-guerra. No entanto, o legado de Trump e a força das ideias que ele trouxe à superfície não desaparecerão.

A nova administração poderá buscar a reconstrução do compromisso americano com a estabilidade global, mas terá que lidar com um país e um mundo que agora sabem que os Estados Unidos podem facilmente se afastar de seus compromissos. A vitória de Kamala pode ser um sinal de continuidade para o presente, mas a incerteza permanece como uma característica central do futuro da política americana.

Opinião por Carlos Gustavo Poggio

Doutor em Relações Internacionais e especialista em política dos Estados Unidos, professor de ciência política do Berea College e autor de 'O Pensamento Neoconservador em Política Externa nos Estados Unidos' e 'Brazil, the United States, and the South American Subsystem: Regional Politics and the Absent Empire'

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