Seis parentes meus são reféns em Gaza. Alguém se importa?

O sofrimento dos familiares de israelenses levados pelo Hamas está sendo ignorado por questões ideológicas

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Por Alana Zeitchik*

THE NEW YORK TIMES — Em 24 de outubro, meu irmão e eu fomos às Nações Unidas assistir a uma reunião do Conselho de Segurança em resposta à guerra de Israel em Gaza. Conforme o ministro de Relações Exteriores de Israel listava nomes de reféns e mostrava fotos de algumas das crianças israelenses sequestradas pelo Hamas, uma mulher branca, de mais ou menos 30 anos, levantou-se no recinto, próximo a nós, em protesto. Ela exibiu um cartaz com a mensagem “Palestina Livre” escrita a mão.

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Essa intervenção deveria chocar, mas neste momento da guerra eu já me acostumei a esse tipo de resposta de pessoas que no passado considerei companheiros progressistas. Vi com frequência demais pessoas sequestrando a causa da libertação palestina para colocar-se contra as vidas das crianças israelenses que estão em cativeiro há quatro semanas. Três delas são minhas primas.

Em 7 de outubro, eu passei o dia aguardando notícias de minha família em Israel. Minha prima Sharon Cunio; seu marido, David; e suas gêmeas de 3 anos, Emma e Yuli; minha prima Danielle Alony; e sua filha de 5 anos, Amelia, se esconderam em seu abrigo antibombas quando o Hamas iniciou o massacre no kibutz em que viviam. A última mensagem que minha família recebeu deles foi pelo WhatsApp, afirmando, “Socorro, estamos morrendo”. Naquela noite, minha tia confirmou nossos medos: meus seis parentes desapareceram do Kibutz Nir Oz, uma comunidade no sul de Israel, a cerca de 4 quilômetros de Gaza, que passou a ser conhecido pela brutalidade e a destruição.

Pessoas caminham do lado de fora das muralhas da cidade velha de Jerusalém, onde são projetadas imagens dos reféns sequestrados por militantes palestinos no ataque de 7 de outubro e atualmente mantidos na Faixa de Gaza, em 6 de novembro de 2023, em meio às contínuas batalhas entre Israel e o grupo terrorista Hamas.  Foto: AHMAD GHARABLI / AFP

Uma hora depois de saber de seu desaparecimento, eu vi alguns dos meus parentes em um vídeo no TikTok. Eles estavam sendo conduzidos sob a mira de metralhadoras de terroristas que gritavam “Allahu akbar”. A dor que eu senti naquele momento e em tantos outros depois tem sido profunda e aguda, me acompanha a cada respiração. Desde que desperto de manhã não sai da minha cabeça que minha família é refém de terroristas.

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Recentemente, meu irmão e eu penduramos cartazes de “sequestrados” com imagens dos nossos parentes em Williamsburg, no Brooklyn, uma comunidade famosamente progressista, em que vivo há mais de uma década. Um dia depois, quase todos tinham sido retirados ou rasgados. Alguns foram substituídos por cartazes dizendo, “Honra ao mártir”. Esse comportamento parece tão sem sentido, até de ódio, mas não são essas ações explícitas que me fazem sentir isolada.

Em vez disso, eu me sinto mais sozinha quando entro no Instagram e vejo amigos e conhecidos, judeus e não judeus, repostando imagens de um protesto pedindo um cessar-fogo, da Voz Judaica pela Paz, entre suas fotos de folhagens outonais. Essas mesmas pessoas assistem aos meus stories mas não postaram nenhuma vez as imagens das minhas primas de 3 anos nem exigiram a libertação dos reféns, apesar dos meus pedidos cada vez mais desesperados por ajuda e humanidade. O silêncio é sufocante. Eu daria tudo para não conhecer esta dor e ter no peito uma verdade diferente da que agora carrego.

Eu tenho testemunhado um silêncio tão enorme em volta de mim que parece cacofônico; vi ex-colegas de trabalho compartilharem tão agilmente notícias não verificadas alimentadas pelo Hamas e dizendo-me poucas palavras de simpatia privadamente. Poderia parecer que essas pessoas veem meu sofrimento como um tipo de dano colateral a serviço de alguma verdade universal que consideram maior. É realmente impossível sustentar duas verdades ao mesmo tempo? De que civis tanto israelenses quanto palestinos sofrem e enfrentam enormes dificuldades? Ou elas simplesmente não estão dispostas a expressar isso publicamente? Não sei o que é pior.

Familiares de reféns e pessoas desaparecidas sequestradas pelo Hamas se manifestam para exigir que o governo israelense aja pelo retorno de seus entes queridos no Knesset israelense em Jerusalém, em 06 de novembro de 2023.  Foto: ATEF SAFADI / EFE

Eu me senti perdida vendo amigos progressistas, ativistas defensoras dos direitos das mulheres, influenciadores e celebridades que admiro se enrolando para encontrar palavras para condenar as atrocidades cometidas pelo Hamas contra civis israelenses, entre eles seis dos seres humanos que eu mais amo neste mundo. Mesmo enquanto fico aqui pensando na minha família e nos outros cerca de 240 reféns israelenses, eu navego no meu feed de notícias e choro pelas crianças e as outras vidas palestinas inocentes perdidas em Gaza. E vejo na expressão de Mohammed Abujayyab, que vive em Los Angeles e tenta retirar sua avó de Gaza, a mesma dor que eu sinto refletida.

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Eu ouço consecutivamente que Israel é um país de colonizadores brancos e opressores. Portanto parte da minha perplexidade está na minha própria pele. Meus avós paternos, Avraham e Sara, cresceram em um minúsculo vilarejo rural na região central do Iêmen. Da mesma forma que outros judeus da Península Arábica, os judeus iemenitas sofriam perseguição, qualificados como cidadãos de segunda classe por legislações conhecidas como dhimmi — que determinavam discriminação de não muçulmanos perante a lei.

Em 1949, após pogroms contra judeus ocorrerem no Iêmen, eles saíram caminhando com um burro numa árdua jornada à capital, Sanaa. De lá, foram transportados de avião, pela Operação Tapete Mágico, para o recém-formado Estado de Israel. Como refugiados em fuga da opressão em seu país-natal, meus avós começaram suas vidas em Israel na pobreza. Gradualmente, construíram uma vida humilde mas confortável e criaram cinco filhos, entre eles minha mãe.

Então talvez você consiga imaginar minha surpresa ao ouvir pela primeira vez que minha família israelense era de “colonizadores brancos”. Quando nos tornamos brancos? E como uma família em fuga de perseguição pode ser percebida como colonizadora? Eu ouvi essa descrição por anos; talvez eu a tenha ignorado facilmente demais. Mas não são frases feitas nem as vozes mais ruidosas e inflamatórias que me fazem sentir traída. Em vez disso, foram as vozes que permaneceram caladas quando jamais se calariam, como as mulheres que levantaram comigo o movimento #MeToo e agora se recusam a denunciar até mesmo a violência contra as mulheres ou os estupros constatados pelas equipes forenses dos militares israelenses.

Galya David (esq.), Ilay Gosef David (2 esq.), Orit Meir (2 dir.) e Aviram Meir (dir.), membros da família dos reféns sequestrados Evyatar David e Almog Meir, participam do evento de apoio "Tragam-nos para casa" para os reféns israelenses sequestrados pelo Hamas no ataque de 7 de outubro, organizado pela Comunidade Israelense Grega na sala de concertos Athens Megaron em Atenas, Grécia, em 05 de novembro de 2023.  Foto: YANNIS KOLESIDIS / EFE

Novos relatos de crimes repugnantes cometidos pelo Hamas continuam a emergir em Israel, mas a esquerda parece colocar foco apenas sobre a resposta de Israel, que é inegavelmente devastadora. Eu nunca imaginei que a esquerda — meu próprio mundo — não seria capaz pelo menos de ter espaço para civis tanto israelenses quanto palestinos.

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Não tenho tido muita força para aceitar esse silêncio. Desde 7 de outubro, coloco toda minha energia em ações para pedir a libertação segura e imediata da minha família. Eu discursei na ONU, estive em programas de TV intermináveis e fui forçada a relatar a terrível última mensagem de voz do meu primo incontáveis vezes. E me submeti a isso tudo ao mesmo tempo que sinto uma dor quase indescritível. Fora da comunidade judaica, esta luta tem se provado solitária. Nenhum espaço apolítico foi criado para ajudar as famílias dos reféns a suportar o peso desta dor.

No início disso tudo, eu prometi que berraria ao mundo inteiro pela libertação da minha família, e é exatamente isso o que estou fazendo. Todos na minha grande família extensa se mobilizaram comigo exigindo o retorno seguro dos nossos amados parentes e de todos os outros reféns. Nós ouvimos das Forças de Defesa de Israel que nossa família está viva em Gaza e, por enquanto, isso nos dá um lampejo de esperança. Em Israel, minha tia Riki, cujo núcleo familiar de 10 reduziu-se para 4 em torno da mesa do Shabat, tenta não desabar enquanto enfrenta sua angústia materna. As pessoas trazem comida diariamente, como se a família estivesse guardando shivá.

Sou grata por ela estar recebendo ajuda de sua comunidade. Aqui onde moro, eu já não sei para quem posso deixar transparecer minha dor. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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