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Sem água para a descarga e bombeiros: colapso de sistema deixa capital do Mississippi na seca

Mais de 150 mil pessoas em Jackson estão sem acesso à água potável depois que estação de tratamento parou de funcionar

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Por Rick Rojas
Atualização:

Mais de 150 mil pessoas em Jackson, capital do Estado americano de Mississippi, estão sem acesso à água potável desde esta terça-feira, 30, devido a um colapso do sistema de abastecimento. O desabastecimento força as autoridades locais a distribuir água engarrafada, tarefa descrita por eles como “complicada”, e a elaborar um plano para restaurar o serviço sem estimativa de quanto tempo isso levaria.

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O sistema de abastecimento de água em Jackson, a maior cidade do Estado, está em crise há anos, prejudicado pelo envelhecimento e infraestrutura inadequada - e muitos na cidade dizem que faltam recursos suficientes para consertá-lo. Os moradores há muito enfrentam interrupções no serviço e avisos frequentes de água insalubre – um destes estava em vigor há mais de um mês devido à problemas nas amostras de água.

A situação piorou dramaticamente nesta semana, quando as autoridades disseram que a maior estação de tratamento de água da cidade estava falhando, sobrecarregada por chuvas torrenciais. Residências e empresas ficaram com pouca ou nenhuma pressão de água, as escolas mudaram para o aprendizado virtual e os hospitais instalaram banheiros químicos devido ao colapso do sistema de abastecimento.

Garotos residentes de Jackson, no Mississipi, distribuem garrafas d'água para população em parque da cidade, em imagem desta terça-feira, 30 Foto: Edmund D. Fountain / NYT

“Até que seja consertado, significa que não temos água corrente confiável em escala”, disse o governador Tate Reeves, do Mississippi, durante uma reunião de emergência na noite de segunda-feira. “Isso significa que a cidade não pode produzir água suficiente para combater incêndios, dar descarga de maneira confiável e atender a outras necessidades críticas.”

E, acrescentou, não estava claro quanto tempo levaria para restaurar totalmente o serviço.

O problemático sistema de água é um entre vários desafios paralisantes que confrontam Jackson, uma cidade de maioria negra que tem lutado com pobreza crônica e alta criminalidade, bem como acesso aos serviços públicos mais básicos, incluindo coleta confiável de lixo e reparos regulares nas estradas.

“Estamos desmoronando”, disse Anna Hart, 36, que cresceu na cidade, enquanto estava sentada em seu carro do lado de fora de um centro comunitário que foi sua última parada em uma tarde tentando sem sucesso conseguir água para ela e seus quatro filhos. “É um caos!”.

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Inundação cobriu trecho da estrada de Westbrook, no nordeste de Jackson, Mississipi, na segunda-feira, 29. Embora nível d'água tenha baixado, inundações permanecem em alguns pontos da estrada Foto: Rogelio V. Solis / AP

Jackson pode ser a sede do poder do governo estadual, mas muitos na cidade afirmam que o sistema de água é um exemplo flagrante de como a comunidade está carente de investimento e atenção. Por décadas, a população da cidade vem encolhendo, através de um êxodo impulsionado em grande parte pela fuga de moradores brancos – junto com o dinheiro de seus impostos – para os subúrbios onde, em geral, a água chega sem problemas.

A crise da água alimentou as tensões entre o governo estadual liderado pelos republicanos e a liderança democrata da cidade. Na segunda-feira, quando o governador convocou uma coletiva de emergência, o prefeito de Jackson, Chokwe Antar Lumumba, não foi incluído.

Em uma entrevista coletiva na terça-feira, Lumumba expressou gratidão pelo apoio do Estado – embora, acrescentou, tenha sido uma ajuda que a cidade estava esperando há muito tempo. “Estamos fazendo isso sozinhos há quase dois anos”, disse Lumumba, acrescentando: “Estamos em constante estado de emergência”.

Muitos moradores mostraram pouco interesse nas disputas políticas e duvidaram que o governo, em qualquer nível, pudesse realmente corrigir os problemas de água da cidade.

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“Eles nem consertam buracos”, disse Frank Leggett enquanto estava em seu jardim da frente no lado norte de Jackson. “Como eles vão trazer água?”

Falhas anteriores

A situação é familiar para muitos em Jackson, já que a confiabilidade do sistema de água da cidade foi prejudicada por repetidas falhas nos últimos anos. Em 2021, o sistema foi interrompido por semanas depois que uma poderosa tempestade de inverno bombardeou o Mississippi com neve e gelo, causando o rompimento de canos e adutoras.

“Eles gostam de fazer reparos, e chega um momento em que os reparos não funcionam”, disse Deandra Coleman enquanto esperava em seu carro do lado de fora em um ponto de distribuição de água.

Na Jackson State University, uma instituição historicamente negra com um campus a menos de três quilômetros do Capitólio do Estado, os administradores mudaram para aulas virtuais, trouxeram banheiros portáteis e tinham um estoque considerável de água engarrafada disponível. “Infelizmente, nos tornamos veteranos disso”, disse Thomas K. Hudson, presidente da Jackson State, que cresceu na cidade. “Temos uma ideia exata do que precisamos fazer quase intuitivamente.”

Hudson disse que, na tarde de terça-feira, parecia que a pressão da água havia aumentado modestamente em alguns lugares do campus, o que reforçou seu otimismo. Mesmo assim, ele disse, isso não altera a necessidade de uma revisão intensiva do sistema de água. Ele disse que a infraestrutura frágil estava sufocando o potencial de Jackson. “Você está vendo em tempo real os resultados da negligência”, disse Hudson.

“Isso realmente atrapalha os esforços para elevar a cidade”, acrescentou, “porque você gasta tanto tempo e tantos recursos lidando com necessidades básicas e serviços básicos”.

Mesmo antes da turbulência mais recente, algumas empresas e moradores deixaram de depender da água da cidade. “Tenho cozinhado e lavado pratos com água engarrafada, mas não posso continuar fazendo isso”, disse Q.B. Benz, dono do Da Shak Grill, um local com serviço de entrega de comida em Byram, uma cidade próxima de 11.000 habitantes que também depende do sistema de água de Jackson.

Homem puxa balde d'água utilizado para dar descarga em escola de Jackson, em meio ao colapso de abastecimento da cidade. Outras escolas voltaram com o ensino remoto e enviaram os alunos para casa Foto: Carlos Barria/Reuters

No Walker’s Drive-In, no movimentado bairro de Fondren, em Jackson, o proprietário, Derek Emerson, transporta água filtrada em caminhões-pipa de 2.200 litros de água do vizinho Madison County para operar seu restaurante. “Temos pressão da água agora, mas tenho a sensação de que vai desaparecer”, disse Emerson durante a hora do almoço.

Ele observou as contas de água inconsistentes e muitas vezes incorretas que contribuíram para a frustração. “Estamos comprando gelo e gastando cerca de US$ 1.500 por semana com isso - e ainda recebendo nossas contas de água todos os meses”, disse Emerson. “Passei um ano sem receber uma conta, depois recebi uma de US$ 7.000.”

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A crise do sistema de água começou a piorar na segunda-feira, depois que dias de chuva forte aumentaram a ameaça de inundações do rio Pearl, que serpenteia por Jackson, e o reservatório Ross R. Barnett, um lago de 13 mil hectares a nordeste da cidade. O aumento da água não atingiu os níveis temidos, mas autoridades da cidade disseram que ela inundou as operações de tratamento de água. “A escassez de água deve durar os próximos dias”, disseram autoridades da cidade em um comunicado na segunda-feira.

No entanto, as autoridades estaduais ofereceram uma perspectiva pior, dizendo que o sistema de água da cidade parecia estar chegando a um ponto de ruptura mesmo antes das inundações. “Era quase certo que Jackson começaria a deixar de produzir água corrente em algum momento nas próximas semanas ou meses se algo não melhorasse”, disse Reeves, um republicano, na segunda-feira.

Na terça-feira, as autoridades estaduais de saúde declararam uma emergência de abastecimento público de água potável, citando a baixa pressão da água e a falha de várias bombas na maior estação de tratamento de água da cidade. Eles também disseram que o sistema de água potável em geral carece de um número suficiente de operadores e trabalhadores de manutenção.

Alguns legisladores estaduais instaram Reeves a convocar uma sessão especial do Legislativo com o propósito expresso de reforçar o sistema de água de Jackson. Eles observaram o nível de apoio que outras comunidades receberam do Estado e disseram acreditar que Jackson merecia algo semelhante.

“Esse problema vem se acumulando há uma década e já passou da hora de corrigi-lo”, disse David Blount, senador estadual que representa a área de Jackson. “A questão básica é: democratas e republicanos, negros e brancos podem se unir e encontrar uma solução e consertá-la?”

O Estado esteve em dificuldades financeiras no passado, disse Blount, um democrata, mas agora está cheio de fundos federais de estímulo. “O Estado tem US$ 2,5 bilhões no banco”, disse ele.

Para Hart, a busca por água engarrafada consumiu sua tarde. Ela esperou primeiro do lado de fora de um centro comunitário no lado norte da cidade. Ela se mudou para outro local de distribuição com uma fila incrivelmente longa e depois voltou para o centro comunitário e esperou mais um pouco.

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“É triste, é doloroso – é muito, muito doloroso”, disse Hart, fazendo uma pausa enquanto se esforçava para conter as lágrimas, sua filha de 4 anos ficando inquieta no banco do passageiro. “Essas coisas não deveriam estar acontecendo.”

Ela tinha apenas uma caixa de água em casa. Mas sua filha estava com fome. Ela precisava pegar seus outros filhos. Ela não podia esperar mais. “Eu tenho que me desdobrar”, disse ela com um encolher de ombros, sem saber como ela iria se virar.

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