Sem reservas líquidas em dólares e também devendo a investidores privados, a Argentina negociou com o Fundo Monetário Internacional (FMI) o pagamento de todas as suas parcelas de julho apenas no fim do mês. Uma nova parcela venceria esta sexta-feira, 7, e haveria mais duas previstas. A medida é prevista nos acordos com o FMI e por isso não é considerado um atraso, mas aponta a dificuldade do governo em obter mais dinheiro em meio à crise econômica.
O adiamento do pagamento este mês ocorre em meio a negociações do ministro da Economia e agora candidato presidencial, Sergio Massa, com o fundo internacional em busca de mais dinheiro. Uma delegação argentina viajou para Washington essa semana, mas não obteve sucesso, segundo jornais argentinos. O ministro corre para obter um acordo de revisão com o FMI antes das primárias eleitorais de agosto.
Com suas reservas líquidas - o montante em dólar disponível imediatamente - negativas em mais de 5 bilhões, o governo argentino se via com a corda no pescoço para pagar US$ 1,3 bilhão (R$ 6,3 bilhões) ao fundo até esta sexta mais quase US$ 1 bilhão (R$ 4,8 bilhões) a fundos privados até domingo, 9. Com isso, consultorias econômicas previam que os cofres do Banco Central argentino (BCRA) ficariam com US$ -7 bilhões (R$ -34 bilhões), um valor negativo recorde. O pagamento aos títulos privados está mantido para domingo.
Com o acordo desta quarta, o governo conseguiu adiar três pagamentos: US$ 1,3 bilhão com vencimento em 7 de julho; US$ 654 milhões (R$ 3,1 bilhões) com vencimento em 14 de julho; e em 28 de julho, US$ 687 milhões (R$ 3,3 bilhões). Assim, o governo poderá pagar cerca de US$ 2,6 bilhões (R$ 12, 6 bilhões) até o fim do mês. Mas consultorias lembram que há um outro pagamento previsto já no dia 1º de agosto no valor de US$ 736 milhões (R$ 3,5 bilhões).
O governo já havia pedido o adiamento de pagamentos no mês anterior, tendo saldado sua dívida do mês em 30 de junho. Sem ativos, a pasta de Sergio Massa utilizou passivos da chamada reserva bruta para pagar o montante: cerca de US$ 1 bilhão foi pago com yuan chinês, em uma técnica de swap que a Argentina negociou com a China para utilizar a moeda chinesa em pagamentos de dívidas. O restante foi pago com Direitos Especiais de Saque, uma espécie de moeda do FMI.
Para entender
Ao adiar o pagamento, o governo demonstra esperança de obter mais dólares até a data. “Eles [membros do governo] param de pagar os outros para pagar o FMI até receberem o dinheiro [que negociam]” explica Juan Carlos Rosiello, professor e pesquisador do Centro de Análise Econômica da Universidade Católica Argentina (UCA). “Pagamentos de importações não são autorizados, afetando a produção e muitos insumos que já faltam.”
Com isso, observa o economista, os argentinos sentem a piora na crise econômica que já os afeta com uma inflação acima de 110%, com a falta de medicamentos, peças para automóveis e outras ausências.
Segundo o jornal argentino La Nación, o governo já teria adquirido mais dólares por meio de yuans, uma informação que o Banco Central não confirmou para não entregar “estratégia de caixa”. O ministério, ressalta o jornal, não divulga os custos de utilizar o swap com a China, alegando confidencialidade.
As negociações para a revisão do acordo com o FMI são uma das prioridades de Sergio Massa que tenta equilibrar as contas até as eleições nacionais, em que ele foi apontado como o candidato pela coalizão de governo União pela Pátria. O governo argumenta que necessita de uma revisão devido à seca histórica que afeta o país e retirou US$ 20 bilhões de sua produção agrícola.
Entenda a dívida argentina
A Argentina fechou um acordo com o FMI ainda no governo de Mauricio Macri, em 2018, no valor de US$ 50 bilhões (R$ 242 bilhões), em razão de dificuldades fiscais. Em março de 2022, o presidente Alberto Fernández fez uma renegociação deste acordo com o fundo, no valor de US$ 45 bilhões (R$ 218 bilhões).
O país tenta uma mudança nas metas acordadas em março de 2022 para refinanciar a dívida e busca pela liberação de mais dólares previstos entre junho e dezembro na intenção de controlar a crise econômica. Embora um acordo final de revisão ainda não tenha saído, o FMI tem sido flexível com os pagamentos e deve liberar novos valores pela previsão de analistas.
“Ninguém quer que a Argentina caia em falência faltando tão pouco para o governo mudar, então o FMI meio que olha pro outro lado e se faz de bobo, e vão acabar emprestando o dinheiro [para pagar a própria dívida] porque o contrário é mais custoso”, explica Juan Carlos Rosiello.
“É improvável que o FMI deixe a Argentina sem soluções”, concorda María Lourdes Puente, cientista política Diretora da Escola de Política e Governo da UCA. “Seria de alto custo institucional e político. Estamos em meio a uma negociação naturalmente tensa, isso não quer dizer que ela não será resolvida. De uma forma ou de outra, o FMI permitirá que a economia argentina enfrente o processo eleitoral, sem melhoras, mas sem surto de hiperinflação.”
A bola de neve que cresce na dívida argentina, explica o economista, tende a ser empurrada pelo FMI até dezembro, quando se acredita que um novo governo tomará posse no país. “O que o FMI espera é ter um interlocutor mais razoável que tenha um plano econômico que permita a promoção de exportações que gerem dólares para que com esses dólares no futuro se pague a dívida e se proponha um plano de mais longo prazo”, explica Rosiello.
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