Donald Trump vislumbrou nas eleições legislativas de meio de mandato a oportunidade para se legitimar como candidato a retornar à Casa Branca em 2024. Faltou combinar com o eleitorado. A maré ainda favorece os republicanos contra os democratas daqui dois anos, mas sem necessariamente depender do ex-presidente, o qual tende a enfrentar desafiantes dentro de seu partido. Em particular, um nome merece atenção: o governador conservador da Florida, Ron DeSantis, reeleito por ampla margem e apoiador de candidatos a deputado que venceram em distritos dominados por latinos, grupo bastante cortejado por democratas.
Ainda que a contagem de votos não tenha terminado, está claro que, caso seja confirmada a expectativa por uma maioria republicana na Câmara dos Deputados, ela será menor que a esperada. No Senado, cuja composição será apenas definida após a realização de um segundo turno em 6 dezembro para definir um dos representantes da Georgia, é provável que se mantenha o equilíbrio entre democratas e republicanos, o que favorece os primeiros por deterem o voto de minerva de Kamala Harris, a vice-presidente que, constitucionalmente, preside a casa.
O que se passou em 8 de novembro nos EUA talvez seja reflexo da notável ameaça que a extrema direita trumpista representa à democracia americana. Tudo indica que o comparecimento às urnas deve ter sido maior que a média histórica, em particular entre a população de até 30 anos e minorias étnico-raciais.
Esses estratos sociais não necessariamente votam à esquerda, mas são menos seduzidos pela retórica de “fazer a América grande novamente” que outras faixas etárias e os brancos que não chegaram à universidade. O slogan Make America Great Again tem alcance restrito, pois ecoa os EUA dos anos 1950, dominados por uma classe média branca e sem oferecer às minorias a garantia de direitos civis e políticos em escala nacional.
Tal retórica é insustentável numa América cada vez menos branca. Segundo dados do Pew Research Center, os latinos corresponderam a 62% do crescimento da quantidade de pessoas em idade de votar desde 2018, totalizando aproximadamente 15% do eleitorado em potencial. Trata-se, sem dúvida, de um grupo bastante heterogêneo: as experiências de um latino branco não são as mesmas de um de pele mais escura, sujeito ao escrutínio mais rígido da polícia, em particular nas grandes cidades que já são democratas. Ademais, muitos do grupo são bastante religiosos, o que os leva a ficar do lado dos republicanos nas restrições ao aborto.
No entanto, DeSantis, que já se aproximou do eleitorado latino de seu Estado, tem tudo para repetir a dose nacionalmente. Algumas de suas políticas aproximam-se do trumpismo, como no caso das medidas que na prática cerceiam a liberdade de cátedra dos professores de universidades estaduais sob seu comando. No entanto, Ron —diminutivo de Ronald— assemelha-se em outros aspectos a seu xará Ronald Reagan. De orientação conservadora —que não é o mesmo que ser de extrema direita—, ele foi presidente republicano mais popular do pós-guerra.
Trump sabe que DeSantis representa um perigo a seus planos e já ameaça divulgar supostos segredos sobre seu rival dentro do Partido Republicano. Afinal, o governador pode representar o retorno dos republicanos ao conservadorismo ao mesclar elementos do reacionarismo trumpista em posturas anti-establishment sem, por exemplo, chegar a ser isolacionista em matéria de política externa.
Descendente de italianos pobres, DeSantis pode, portanto, romper um tabu e ser o primeiro presidente com ancestrais no Sul da Europa num país ainda dominado por uma elite WASP—branca, anglo-saxã e protestante. O governador pode fazê-lo ao reter o voto da classe trabalhadora branca sem amedrontar as minorias raciais. Nesse cenário, Trump tende a morrer na praia—ou, melhor dizendo, curtir sua aposentadoria da política em Mar-a-Lago. O mundo agradece.
*Professor na FAAP e FGV, doutor em Relações Internacionais por Oxford.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.