Macron usa decreto para aumentar à força idade de aposentadoria e provoca crise na França

Artigo que permitiu ao governo francês aprovar a reforma sem passar pelo Parlamento é considerada antidemocrática, raramente é usado em votações importantes, e provoca crise com Congresso

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Por Redação
Atualização:

FRANÇA - Em uma medida polêmica, o presidente da França, Emmanuel Macron, invocou nesta quinta-feira, 16, um artigo da Constituição francesa que lhe permitirá aprovar o aumento da idade para a aposentadoria no país sem a aprovação do Parlamento.

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Em retaliação, deputados franceses anunciaram uma moção de censura - medida parlamentar que pode destituir o chefe do governo, a primeira-ministra Élisabeht Borne, do cargo. Nos últimos dez dias, milhares de franceses foram às ruas e fizeram greve contra a reforma, que propõe aumentar a idade de aposentadoria na França de 62 para 64 anos.

A impopular reforma da Previdência do presidente francês seria submetida à votação dos deputados após ser aprovada no Senado. O resultado era incerto, porque Macron não tem amplo apoio na Assembleia Nacional da França, onde estão os deputados.

Deputados de esquerda protestam na Assembleia Nacional contra o uso de um artigo da constituição para aprovar a reforma da previdência de Macron  Foto: Alain Jocard / AFP

A reforma da Previdência eleva a idade mínima para aposentadoria de 62 para 64 anos até 2030 e prolonga os anos de contribuição dos franceses para acesso à pensão integral, de 42 para 43 anos, já a partir de 2027.

A reformulação também mexe nos chamados regimes especiais —aqueles dedicados a atividades consideradas mais penosas, como as de garis, bombeiros, policiais e enfermeiros, que podem se aposentar antes das demais categorias, teriam a idade mínima elevada de 57 para 59 anos.

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A proposta havia sido aprovada na íntegra na manhã desta quinta-feira pelo Senado, de maioria de centro-direita. O Artigo 49.3 da Constituição da França permite aprovação de projetos de lei apresentados pelo governo mesmo sem a chancela parlamentar.

Trata-se de um artigo controvertido. Desde a revisão constitucional de 2008, o uso do 49.3 é limitado a um único texto de lei por sessão parlamentar, com exceção de projetos de lei de finanças (PLF) e de financiamento da seguridade social (PLFSS), para os quais o governo pode usá-lo sem limitação .

Desde 1958, o Artigo 49.3 foi acionado 100 vezes: 33 vezes por um chefe de governo de direita, 56 vezes pela esquerda. O recorde absoluto vai para o socialista Michel Rocard, que o invocou 28 vezes, numa época em que o uso não era limitado, segundo o jornal Le Monde. Elisabeth Borne, a atual primeira-ministra, já usou o artigo 11 vezes, sempre diante de impasses nas votações de projetos de lei no campo das finanças públicas, nunca em uma reforma tão grande quanto esta.

De acordo com as regras de uso do artigo, foram imediatamente cancelados os trabalhos de debate parlamentar sobre o projeto na Assembleia, e Borne deixou o plenário sob novas vaias e gritos de “democracia”.

No lugar, a primeira-ministra da França, Élisabeht Borne foi à Assembleia para fazer um pronunciamento. Ela confirmou que o artigo será usado e disse que o governo utilizou a medida polêmica por estar convencido de que a reforma é a única solução para que a França não tenha que recorrer ao financiamento estrangeiro.

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Questionada sobre uma possível queda da administração Borne, Marie Le Pen declarou ao canal de notícias BFM: “Isso me parece evidente. Trata-se de um fracasso total desse governo”.

Desde quarta-feira, Macron participa de várias reuniões de crise para assegurar a maioria no Parlamento, o que evitaria ativar um polêmico procedimento parlamentar: o Artigo 49.3 da Constituição, que permitiria a adoção da reforma pelo Executivo sem a votação dos deputados.

Em protesto, deputados, principalmente da esquerda, protestaram cantando o hino nacional do país durante o pronunciamento de Borne. O deputado comunista Fabien Rous/sel indicou que “a moção de censura está pronta”.

Apenas 23% dos franceses avaliam as propostas da reforma da Previdência como “aceitáveis”, segundo o instituto de pesquisa Ifop, um dos principais do país. Em 2010, quando a última reformulação previdenciária foi aprovada, esse índice era de 53%.

“Macron não percebe o que está atacando”, disse Marc Mouty, de 61 anos, ex-trabalhador ferroviário e manifestante dos Coletes Amarelos, em uma marcha em Paris na semana passada. “Este progresso social é caro aos franceses.”

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Mulher segura cartaz onde se lê '64: não é não', em uma manifestação contra a reforma da previdência em Lille  Foto: Michel Spingler/AP Photo
Manifestantes protestam em marcha contra a reforma da previdência de Macron em Lille, no norte da França  Foto: Michel Spingler/AP Photo

Macron e seu governo dizem que precisam mudar o sistema previdenciário da França agora para colocá-lo em uma base financeira mais firme para o futuro, à medida que a expectativa de vida aumenta e a proporção de trabalhadores para aposentados diminui.

Os oponentes, incluindo uma frente unida de sindicatos, contestam a urgência da necessidade de uma reforma. Eles dizem que Macron está atacando um direito acalentado à aposentadoria e sobrecarregando injustamente os operários por causa de sua recusa em aumentar os impostos sobre os ricos. Nenhum dos lados mostrou qualquer sinal de recuo.

Contrários às propostas da reforma, trabalhadores da França manifestaram sua opinião em onda de greves e protestos Foto: Aurelien Morissard/AP

Protestos e greves intermitentes de trabalhadores em escolas, transporte público, refinarias de combustível e usinas de energia deixaram claro o descontentamento generalizado, mas as interrupções gerais foram limitadas. No entanto, a pressão aumenta à medida que o projeto de lei das pensões chega a debate na Câmara Baixa do Parlamento, onde o partido de Macron tem uma maioria tênue, poucos aliados e oponentes que estão se preparando para um confronto legislativo.

Por que os protestos?

A reforma da previdência tem sido um fator determinante da política francesa, provocando grandes protestos em 1995 e 2010, muito antes de Macron assumir o cargo. Esta é a segunda vez que os planos de pensão de Macron encontram forte resistência.

Em 2019, durante seu primeiro mandato, o esforço de Macron para reformar o generoso sistema previdenciário da França levou a grandes protestos de rua e greves opressivas, incluindo uma das mais longas greves de transporte da história do país. O governo arquivou esses planos com a chegada da pandemia de coronavírus.

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Há uma diferença fundamental entre o que Macron fez naquela época e o que está fazendo agora: o projeto inicial de Macron não envolvia aumentar a idade legal de aposentadoria. Em vez disso, ele almejava uma revisão geral da estrutura complexa do sistema previdenciário. O objetivo era fundir 42 programas de previdência diferentes no que ele disse ser um sistema unificado e mais justo, usando pontos que os trabalhadores acumulariam e descontariam na aposentadoria. Mas os planos deixaram muitos franceses confusos e preocupados com a diminuição de suas pensões.

Qual o plano atual de Macron?

Os planos mais recentes são uma tentativa muito mais direta de equilibrar as finanças do sistema, fazendo com que os franceses trabalhem por mais tempo, um esforço que o governo reconhece que será difícil para alguns, mas insiste que é necessário.

O sistema previdenciário da França depende de uma estrutura de repartição em que trabalhadores e empregadores recebem impostos obrigatórios sobre a folha de pagamento que são usados para financiar pensões de aposentados. Esse sistema, que permitiu que gerações se aposentassem com uma pensão garantida pelo Estado, não mudará.

A França tem uma das taxas mais baixas de aposentados em risco de pobreza na Europa e uma taxa líquida de substituição de pensões - uma medida de quão efetivamente a renda da aposentadoria substitui os rendimentos anteriores - de 74%, de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, superior as médias da OCDE e da União Europeia.

Mas o governo argumenta que o aumento da expectativa de vida deixou o sistema em um estado cada vez mais precário. Em 2000, havia 2,1 trabalhadores contribuindo para o sistema para cada aposentado; em 2020 essa relação havia caído para 1,7, e em 2070 deve cair para 1,2, segundo projeções oficiais.

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Greve dos garis contra a Reforma da previdência de Macron lota as ruas de Paris com toneladas de lixo  Foto: Lewis Joly/AP Photo

Para manter o sistema financeiramente viável sem dinheiro adicional do contribuinte, o governo quer aumentar gradualmente a idade legal de aposentadoria em três meses a cada ano, até atingir 64 anos em 2030. Também quer acelerar uma mudança anterior que aumentou o número de anos que os trabalhadores devem pagar no sistema para obter uma pensão completa.

“Esta reforma é indispensável”, disse Macron na noite de segunda-feira durante uma visita à Holanda.

Por que o plano é tão impopular?

Os opositores dizem que Macron exagera na projeção dos déficits e se recusa a considerar outras maneiras de equilibrar o sistema, como aumentar os impostos sobre a folha de pagamento dos trabalhadores, dissociar as pensões da inflação ou aumentar os impostos sobre os ricos.

Fazer as pessoas trabalharem por mais tempo, argumentam os oponentes, afetará injustamente os trabalhadores de colarinho azul, que muitas vezes começam suas carreiras mais cedo e têm uma expectativa de vida menor, em média, do que os de colarinho branco.

Trabalhadores franceses foram às ruas de Paris nesta terça-feira, 31, para protestar contra proposta de reforma da previdência. Opositores de Macron afirmam que presidente exagera na projeção do déficit Foto: Thibault Camus / AP

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“Sessenta e quatro não é possível”, disse Philippe Martinez, chefe do sindicato trabalhista CGT, o segundo maior da França, ao canal de notícias BFM TV na terça-feira. “Deixe-os visitar o chão de uma fábrica têxtil, ou um matadouro, ou a indústria de processamento de alimentos, e eles verão como são as condições de trabalho.”

Alguns temem ser forçados a se aposentar mais tarde, porque os idosos que querem trabalhar, mas que perdem seus empregos, muitas vezes lidam com a discriminação por idade no mercado de trabalho.

A impopularidade do plano também tem muito a ver com a raiva preexistente contra Macron, que tem lutado para se livrar da imagem de um distante “presidente dos ricos”./ NYT e AP

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