BRASÍLIA - A audiência pública do ex-chanceler Celso Amorim, chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, no Senado começou na manhã desta quinta-feira, 15. Amorim foi chamado ao Senado para explicar a sua atuação como representante do governo Luiz Inácio Lula da Silva na mediação da crise política na Venezuela. Por iniciativa da oposição, Amorim terá de dar satisfações aos senadores sobre a condução de negociações após a suspeita de fraude eleitoral para manter no poder o ditador Nicolás Maduro e a ideia de que o país promova novas eleições.
Amorim deve ser cobrado a detalhar sua recente viagem Caracas como observador eleitoral em nome de Lula, a última das 22 missões que realizou no exterior, como revelou o Estadão.
Os senadores cobram detalhes da agenda que Amorim cumpriu e de sua conversa privada com o ditador Maduro e próceres do regime chavista, além do candidato da oposição, Edmundo González, recebido na embaixada brasileira.
Leia também
Objetivos
Um dos focos dos senadores será entender detalhes da iniciativa diplomática do governo Lula, com apoio da Colômbia - e agora sem o México - para tentar mediar um entendimento entre o ditador Maduro, aliado histórico de Lula, e a oposição. E as condições em que se cogita um “segundo turno” entre Maduro e González, o que a oposição rejeita.
O ex-chanceler encontrou um ambiente hostil no Senado, tendo sido convocado por iniciativa da oposição, conduzida por ex-ministros do governo Jair Bolsonaro. A audiência está ocorrendo na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), presidida pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), aliado do governo Lula.
A autora do requerimento de audiência com Amorim é a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura. “É fundamental que o representante do governo preste contas sobre sua missão oficial, garantindo que as ações tomadas em nome do Brasil estejam alinhadas com os interesses nacionais e com os princípios democráticos e de respeito à soberania dos países vizinhos”, justificou a senadora.
Contradições
Ambiguidades e contradições da política externa na condução de temas como a Venezuela, sob influência direta de Amorim via Palácio do Planalto, têm exposto o governo a críticas reservadas de países aliados e a cobranças ostensivas da oposição, sobretudo no Congresso, onde o governo não tem base sólida de apoio.
Celso Amorim foi o primeiro alvo do governo a atender ao chamado dos senadores, que também esperam explicações do ministro Mauro Vieira, titular do Itamaraty, sobre a posição do Brasil. Os senadores bolsonaristas também conseguiram apoio para que o ministro retorne à comissão.
O autor, neste caso, é o senado Ciro Nogueira (PP-PI). Quando os requerimentos foram aprovados, há uma semana, ele disse querer explicações sobre a “postura inaceitável do governo brasileiro diante dos absurdos praticados pelo ditador Maduro na Venezuela”.
Leia também
Um acordo entre os senadores selou a presença de Amorim e Vieira, mas evitou que fosse convocada de Caracas a embaixadora do Brasil na Venezuela, Glivânia Maria de Oliveira. Ela assumiu o cargo em fevereiro, quando Lula concretizava sua política de distensão com o regime e de reatar laços diplomáticos.
A embaixadora recebeu o ex-chanceler em Caracas, entre 26 e 30 de julho, e o acompanhou em conversas reservadas. Também participaram da comitiva palaciana membros da equipe de Amorim, como o embaixador Audo Faleiro, e os diplomatas Frederico Assis e Juliana Benedetti. Do gabinete de Vieira, participou o assessor e diplomata Luiz Feldman.
O Estadão apurou que Amorim se reuniu, em Caracas, com cabeças do regime chavista como o próprio Maduro, no Palácio Miraflores, o chefe da Assembleia Nacional, Jorge Rodríguez, e o chanceler Yván Gil, além de especialistas no sistema eleitoral venezuelano e o Centro Carter.
Amorim abriu as portas residência oficial, parte do complexo da embaixada brasileira, ao candidato opositor Edmundo González. E voltou a manter contato com o advogado e ex-deputado Gerardo Blyde, representante da oposição nos Acordos de Barbados e interlocutor frequente do ex-ministro.
Também encontrou outros líderes políticos latinos que estavam no país para acompanhar o pleito e possuem o beneplácito do regime, como o ex-premiê espanhol José Luis Zapatero, e os ex-presidentes da Colômbia, Ernesto Samper, e da República Dominicana, Leonel Fernández.
Como mostrou o Estadão, Celso Amorim também entrou na mira da Câmara dos Deputados. A Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (Creden), no entanto, protelou a realização de uma reunião reservada cuja data vinha sendo negociada com o assessor de Lula, destinada a tratar de sua última viagem à Rússia e da posição do governo brasileiro na guerra com a Ucrânia. A Câmara se viu atropelada pela iniciativa do Senado.
Agora, a exigência de sua presença vai ganhar novo fôlego por causa do protagonismo também na crise da Venezuela. Há vinte requerimentos relacionados ao assunto na pauta da comissão. Os deputados pedem desde a convocação da dupla Amorim e Vieira, além de moções de repúdio a Maduro e de uma audiência pública com os opositores Edmundo González e María Corina Machado.
Amorim vem sendo blindado pela base de apoio de Lula no Congresso, e espera-se também presença de lideranças petista nesta quinta-feira no Senado, assim como ocorreu nas sessões da Câmara. Os parlamentares trabalham para diluir os temas que embasam a convocação, já conseguiram deixar a data em aberto, mudando-a para convite, e até mesmo transformar audiência pública em reunião reservada.
Celso Amorim é figura central na definição de estragégia da política externa lulista. Há anos, desempenha como o principal conselheiro do presidente, despacha ao lado dele e foi escolhido por Lula como o enviado preferencial para missões sensíveis. Ele muitas vezes antecipa posições que o presidente vai defender ou decisões que depois se confirmam.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.