Sufocado pela inflação de agosto que promete ser a pior desde os anos 1990 na Argentina, a falta de reservas em dólares e um amargo terceiro lugar nas eleições primárias deste mês, o candidato da esquerda, o peronista Sergio Massa, veio ao Brasil pedir socorro ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Acumulando o trabalho de candidato com o de ministro da Economia - e há quem diga que também de presidente desde que Alberto Fernández desapareceu da cena pública - Massa utilizou do privilégio do cargo para posar ao lado do presidente brasileiro e do ministro Fernando Haddad e pedir duas coisas que necessita com urgência: dinheiro e votos.
A crise cambial tira o sono do ministro-candidato e seu maior temor é uma recessão em plena campanha eleitoral. Com a dívida bilionária no FMI, a Argentina se encontra atualmente com suas reservas líquidas negativas em cerca de US$ 7 bilhões (R$ 34 bilhões). Com isso, o país não tem como pagar por suas importações, e parte delas são cruciais para viabilizar as exportações agropecuárias argentinas, já que o país depende em muitos casos de insumos importados. O resultado dessa sinuca é uma bola de neve em que não há dinheiro a receber nem para gastar.
Em maio, Alberto Fernández já havia visitado Lula na intenção de pedir dólares, mas saiu com as mãos vazias. O próprio Lula disse na época que Fernández ia embora “sem dinheiro”, mas com a disposição política do Brasil para ajudar o vizinho.
Pressionado pelo péssimo resultado nas primárias deste mês, quando o peronismo ficou atrás do libertário Javier Milei e da direita macrista, Massa teve mais sucesso dessa vez. Ele saiu de Brasília com uma garantia de US$ 600 milhões (R$ 3,4 trilhões) para financiar exportações do Brasil para a Argentina, com o Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF) sendo este garantidor. A medida, porém, ainda precisa de aprovação do CAF, que reunirá seu conselho gestor em 14 de setembro. O objetivo do presidenciável, dizem analistas, é tentar manter a competitividade da esquerda nas urnas, em meio ao desastroso mandato de Alberto Fernández.
“Já faziam meses que não entrava um automóvel novo importado, e essa situação está causando uma série de inconvenientes [para o governo] e uma potencial recessão, que sabemos que vai vir assim que houver a troca de governo”, explica o economista da Universidade Católica Argentina (UCA), Juan Carlos Rosiello. “Então Massa foi ao Brasil em busca de dólares para poder continuar produzindo e não gerar uma recessão antecipada, assim chegaria melhor às eleições”, completa.
“O que o governo da Argentina vem pedindo nos últimos dois anos é dinheiro”, concorda Fabian Calle, professor de Ciência Política pela UCA. “Precisa de dinheiro para sobreviver e já pediu inclusive ao Catar, ao BID, ao CAF, aos Estados Unidos, só falta pedir para a Bolívia”.
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Em busca de votos
Por ser um ministro de governo, Massa dispõe de uma ferramenta que seus adversários, a centro-direita Patricia Bullrich e o libertário Javier Milei, não possuem que é o cargo como projeção para a campanha. Nesse sentido, a viagem também serve como uma forma de angariar votos e de cacifar as credenciais esquerdistas de um personagem que sempre foi visto como um estranho no ninho de seu partido e, muitas vezes, esteve rompido com Cristina e Néstor Kirchner. Por isso uma foto com Lula não lhe parece má ideia, para convencer o eleitorado que costuma votar na esquerda e demonstra estar insatisfeito com o governo Fernández.
“Massa foi exercer uma dupla função no Brasil”, explica o analista político Pablo Touzon. “Ele tenta que o Brasil seja um aliado nessa busca desesperada de dólares da Argentina e aparecer ao lado de uma figura de renome da esquerda latino-americana. Porque Massa não vem desse espaço político, é uma espécie de figura estranha dentro do peronismo, e com a figura de Lula ele tenta rubricar essa ideia de uma frente anti-ultradireita”.
“Massa não é um homem de esquerda. É um homem cujos vínculos históricos são com o empresariado e com os bancos. Para ele, tirar uma foto com Lula é se fazer mais digerível para o eleitor de esquerda argentino, que, na verdade, não está nem um pouco contente com ele”, afirma Calle.
Em termos de votos por coalizão, Massa terminou em terceiro, ainda que em questão de votos específicos aos candidatos ele tenha recebido mais apoio que Bullrich. O libertário Milei, da coalizão A Liberdade Avança (LLA), recebeu 30,04% dos votos, à frente da aliança do Juntos pela Mudança (JxC), de Bullrich que obteve 28,27%, e da peronista União Pela Pátria (UP), com seus 27,27%. Os números são considerados um empate técnico.
A ida de Milei para o segundo turno já é dada como certa, ainda que alguns analistas alertam para o risco de celebrar vitórias a dois meses do pleito nacional. O que procura Massa, então, é conseguir a última vaga para o segundo turno. Pesquisas recentes apontam que o cenário para o segundo turno, no momento, é entre ele e Milei.
“O que Massa necessita hoje é garantir a sua superioridade frente a Patricia”, afirma Touzon. “Ele precisa chegar ao segundo turno, porém, ele representa um governo que é um fracasso governamental. Fernández e Cristina praticamente fugiram de defender o governo e ele ficou sozinho para se defender e tentar se eleger”.
Na prática Massa tem pouco espaço de manobra, já que muitos dos votos recebidos por Milei, bem como os mais de 30% de brancos, nulos e ausentes, são interpretados por analistas como um “voto de descontento” contra o governo peronista. No fim, ele ainda pode herdar os votos do seu adversário de coalizão nas primárias, Juan Grabóis, que obteve 5,5% e é possível que receba um eleitorado mais moderado que preferiu Horario Rodríguez Larreta, perdedor da disputa no JxC.
“Com certeza o apoio de Lula também é importante, ainda que a perspectiva atual do eleitorado é de que Lula apenas reforce os votos que Massa já tem. Mas acredito que não ajuda a roubar voto de nenhum dos outros dois”, afirma Rosiello.
Preferência
No dia seguinte à visita de Massa ao Brasil, o jornal argentino La Nación publicou uma matéria com base em informações de bastidor que sugeria que Lula teria garantido apoio ao candidato peronista, chegando a prometer uma declaração pública em favor do União pela Pátria. A publicação ainda afirmava que, em conversas não publicadas, Lula teria chamado Milei de “louco” e Bullrich de “burra” por não apoiar a entrada da Argentina no Brics.
Ao Estadão, a Secretaria de Imprensa da Presidência da República (Secom) negou todas as informações. “Não procede nenhuma das manifestações publicadas pelo La Nación citadas pela reportagem sobre a reunião realizada no Palácio do Planalto, nesta segunda-feira (28), entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa”, afirmou por meio de nota. “Reiteramos que o jornal argentino jamais checou as supostas falas atribuídas ao presidente.”
Historicamente próximo do peronismo, em especial do kirchnerismo, Lula tem evitado demonstrar apoio explícito a um dos candidatos, como fez seu antecessor Jair Bolsonaro, que nas eleições de 2019 declarou apoio a Mauricio Macri contra Alberto Fernández.
“Obviamente é mais conveniente a Lula um governo da orientação de Massa, dado que somos parceiros econômicos muito importantes e a vitória de Milei seria muito inconveniente a ele”, afirma Rosiello. “Mas acredito que independentemente da orientação ideológica do Lula, ele tem histórico de ser bastante razoável em termos econômicos com a Argentina”.
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