Perfil: ‘Showman’, Trump coloca seu populismo à prova nas urnas

Bilionário e apresentador de TV tomou de assalto o Partido Republicano e luta por sua sobrevivência política

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Por Beatriz Bulla/ Correspondente

WASHINGTON - “Não será da forma como tem sido, acredite em mim”, disse Donald Trump em entrevista à jornalista Oprah Winfrey, em 1988, ao falar sobre uma eventual candidatura à presidência. Ele avisou, mas demorou para que os institutos de pesquisa, a imprensa e até os aliados entendessem o significado da mensagem ao ser eleito à Casa Branca 26 anos depois. 

Para o time de política externa dos EUA, foram necessários três meses. Diariamente, os assessores do Conselho de Segurança Nacional enviam ao presidente o relatório com o resumo do que ele precisa saber sobre o que acontece no mundo. As informações são discutidas na manhã seguinte. São três páginas e mais alguns documentos por tópico. Eram três páginas, até Trump. Pouco interessado, ele deixava de lado os relatórios, perguntava de assuntos não relacionados, normalmente com dúvidas sobre o saldo comercial dos EUA com o país em discussão, sua obsessão. 

Trumptomou de assalto o Partido Republicano e luta por sua sobrevivência política Foto: Brendan Smialowski/AFP

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Em abril de 2017, o time de assessores decidiu mudar a estratégia. Os relatórios viraram cartões de notas, com três tópicos. Às vezes, vídeos ou gráficos coloridos. Era o jeito de conseguir a atenção do presidente por poucos minutos, relatou um ex-assessor ao Estadão.

O cartão informativo sobre a Rússia, no dia 20 de março de 2018, tinha só um tópico e três palavras escritas em letras maiúsculas, imitando o padrão que o presidente usa para publicações no Twitter. O pedido era para que Trump não felicitasse Vladimir Putin pela eleição na Rússia, o que jogaria no lixo o esforço de pressão sobre o país em meio às acusações de que os russos interferiram na disputa americana. Trump telefonou para Putin e o parabenizou três vezes.

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A essa altura, os assessores já tinham entendido que Trump age no calor do momento, conforme sua intuição, e não segue recomendações. Ele fora eleito contra todas as previsões e sob uma chuva de críticas – de republicanos e democratas – e confia em suas decisões, calculadas pela lógica eleitoral. 

Em 2017, ele não escondeu a satisfação ao ver os assessores errarem. Boa parte dos aliados tentou convencê-lo a não mudar a embaixada em Israel para Jerusalém. Nos briefings, assessores e generais traçaram perspectivas sombrias de conflitos locais, chegando a dizer que os EUA seriam alvo de um ataque como que ocorreu em Benghazi, na Líbia. Trump seguiu em frente com a decisão e, na ausência de ataques terroristas após o anúncio, teve certeza de que só ele estava certo. 

Por ao menos duas décadas antes de ser eleito, ele repetiu em entrevistas a fórmula que o fez chegar ao topo: a de que não era um político, que os EUA sofriam com acordos comerciais ruins com países que se aproveitavam da “generosidade” americana, que a classe média gostava dele, o bilionário. O empresário já havia flertado antes com a candidatura e ganhou a presidência na primeira tentativa.

Trump nasceu em 14 de junho de 1946, no Queens, em Nova York. Foi em Manhattan, a uma ponte de distância, que ele se tornou famoso ao expandir o império imobiliário do pai. Estudou administração na Universidade da Pensilvânia. Como magnata, virou a caricatura da alta sociedade nova-iorquina. 

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“Nada é mais Nova York do que isso”, narra a personagem do seriado Sex and The City, na cena em que Trump está no mesmo bar do que ela. Em filmes, programas de TV e capas de revistas, ele estava sempre presente. Comprou as marcas Miss Universo e Miss USA e se consagrou como apresentador do reality show O Aprendiz, no qual sua função era demitir pessoas. 

Trump se acostumou com manchetes nem sempre positivas. Em 1977, ele se casou com Ivanka, ex-modelo da Checoslováquia, com quem teve três filhos: Ivanka, Eric e Donald Jr. A família esquiava em Aspen quando uma amante de Trump, a também modelo Marla Maples, procurou Ivana e contou sobre a traição. A separação, no início dos anos 90, foi tema dos tabloides nova-iorquinos. 

Na época, o império financeiro de Trump dava sinais de fraqueza e ele passou a ser questionado pelo fato de boa parte do seu dinheiro vir de empréstimos obscuros – assim como acontece até hoje. Em 1993, casou com Marla e teve sua quarta filha, Tiffany. O casal se divorciou em 1997.  Um ano depois, ele conheceu a ex-modelo eslovena Melania, atual mulher e mãe do caçula, Baron. Trump sempre esteve associado a mulheres, não de uma maneira positiva. Várias o acusam de assédio sexual. Ele nega. 

Em 2015, Trump lançou uma campanha que não o alinhava ao tradicional Partido Republicano, com críticas a George W. Bush pela Guerra do Iraque – algo reservado aos democratas. “Trump não é um conservador”, diz seu ex-assessor de Segurança Nacional John Bolton. Após derrotar os caciques do partido, o senador Ted Cruz fundou sua própria ala de apoiadores: os “trumpistas, que reproduzem fielmente o discurso do presidente e o idolatram. 

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O lançamento da candidatura foi na Trump Tower, o arranha-céu de 58 andares na Quinta Avenida de Manhattan. Ali, associou os mexicanos a estupradores e deu início à sua plataforma anti-imigração. Recebeu críticas do papa Francisco, que afirmou que o republicano não era cristão por defender um muro na fronteira com o México, mas isso não abalou a força do candidato. 

À frente do país, mesclou uma pauta tipicamente republicana, com uma reforma tributária que reduziu impostos dos mais ricos e medidas de desregulamentação, com outras de cunho populista, conforme prometido. Em meio à recessão que veio com a pandemia, Trump insistiu no tema da imigração para tentar mudar o foco. Quando os dados de desemprego ficaram ruins nos Estados-chave, ele anunciou medidas para limitar a entrada de trabalhadores estrangeiros. 

Trump tem uma obsessão por desfazer o legado de seu antecessor, Barack Obama: ele saiu do Acordo de Paris e voltou a distanciar os EUA de Cuba. Mas nem sempre conseguiu, como no caso do fracasso da tentativa de derrubar o Obamacare.

O presidente dos EUA, Donald Trump, e a primeira-dama, Melania Trump Foto: Brendan Smialowski / AFP

O presidente sabe entreter. Na Casa Branca, usou seu estilo showman para pautar o noticiário com coletivas de imprensa frequentes e declarações bombásticas nas redes sociais, muitas vezes em desacordo com seus conselheiros. Quando alguém do time o incomodava demais, ele o demitia, como se estivesse em O Aprendiz.

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Uma profusão de livros de ex-assessores surgiu nos últimos quatro anos, sempre traçando a imagem de um presidente errático e interessado apenas na reeleição. Mesmo assim, o momento mais difícil de sua presidência ocorreu quando a Câmara abriu e aprovou um processo de impeachment. A maioria republicana no Senado, no entanto, barrou sua destituição.

Recentemente, ele mudou sua residência para Palm Beach, na Flórida, onde passa fins de semana no resort de Mar-a-Lago com endinheirados jogando golfe – única atividade física da qual é adepto. É na Flórida, um dos mais importantes Estados da disputa, que Trump vota. “Eu não entro em nada para perder”, disse o presidente na mesma entrevista de 1988. Nesta terça-feira, essa certeza será colocada à prova.

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