Enquanto a ONG venezuelana Instituto Prensa y Sociedad (Ipys) denuncia a venda dos grandes meios de comunicação do país para setores com alguma conexão com o chavismo, jornalistas lançam plataformas independentes para denunciar casos de censura do governo e a crise econômica que assola o país produtor de petróleo.
"Os meios tradicionais estão comprometidos. Os 25 grandes veículos do país têm vinculação com o chavismo e o conteúdo editorial é favorável ao governo", afirma o jornalista membro do Ipys e editor do site Poderopedia - especializado em perfis - e da rede El Pitazo, César Batiz, citando a Globovisión e a Cadena Capriles - onde trabalhava - e se referindo ao levantamento realizado pelo instituto.
Com a busca pela informação além da mídia tradicional, surgem muitos blogs e twitters que acabam fazendo apenas uma propaganda contrária ao governo. Para se distanciar disso, algumas iniciativas conseguiram fazer parcerias com empresas que lhes permitem replicar material de agências internacionais e passar mais credibilidade ao povo. O Poderopedia e a rede El Pitazo são financiados pela ONG Transparencia Venezuela.
"As pessoas estão conscientes de que precisam de informação. Estão cada dia mais certas de que recebem uma informação incompleta, muita coisa é propaganda. Por isso, aqui temos o lema 'somos poucos, não podemos cobrir tudo, mas o que você encontra, pode ter certeza de que foi checado'", explica a jornalista Laura Weffer, uma das criadoras do site Efecto Cocuyo (espécie de vaga-lume), que em dois meses alcançou 36 mil seguidores.
O projeto é financiado por uma empresa que apoia empreendedores com um plano de negócio e por meio de doações. "Usamos os serviços pagos da France Presse porque são publicações que explicam o contexto internacional e achamos prudente ter os serviços de uma agência", explica a também jornalista e criadora do site Luz Mely Reyes.
Governos.
Se a forma de financiamento difere, o motivo da criação dessas plataformas é o mesmo: driblar a censura imposta pelo presidente Nicolás Maduro. "A forma de atacar a imprensa mudou (de Hugo Chávez para Maduro), agora é uma ação mais direta. Maduro compra os grandes meios", afirma Batiz.
Weffer trabalhava em uma editoria investigativa no jornal Últimas Noticias, da rede Cadena Capriles, e viu o setor ser desintegrado. Foi quando decidiu colocar em prática o projeto de um jornalismo independente. "A Cadena Capriles foi comprada e a linha editorial mudou, censuraram um de meus trabalhos e, depois disso, a unidade acabou", conta.
A opinião de Reyes não é diferente. "Esse governo é mais coercitivo e com uma forte tendência de controlar, mas sem muita tolerância à dissidência."
Na época em que era presidente, Hugo Chávez também criticava jornalistas que seguiam uma linha mais crítica ao governo, mas, segundo Weffes, deixava claro que aquela era a visão do presidente e "não uma crítica velada". A jornalista afirma que, atualmente, membros do governo leem críticas aos jornalistas, que não sabem de quem partiram e isso "cria um clima de medo e insegurança".
Um fator que pode explicar a diferença na forma de conter a imprensa, segundo os jornalistas, é a falta de liderança de Maduro em relação a seu antecessor. "Maduro nunca teve a popularidade de Chávez e precisa de um discurso mais duro, usa termos graves como a criminalização do uso do Twitter", diz Batiz, que passou a atuar com os projetos independentes no ano passado.
"Chávez era um líder inquestionável, ganhou o carinho do povo com sua personalidade. Maduro não. Ele é herdeiro da liderança de Chávez, isso faz uma diferença no estilo de governo", afirma Weffer, acrescentando que isso leva ao extremo de as decisões presidenciais serem tomadas sem segurança. "É uma situação sem controle."
Dados.
Em seu site, o Ipys organizou uma lista de atos governamentais que prejudicaram a imprensa no país. Realizando uma busca a partir da data em que Maduro assumiu o poder, foram registradas, segundo a ONG, 24 "normas que dificultaram a liberdade de expressão".
Entre elas, estão a falta de papel jornal, agressões a jornalistas durante manifestações contrárias ao governo e acusações contra diretores de jornais, que foram intimados a depor. Além disso, foram registrados oito casos de censura prévia.
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