Sob cerco russo há semanas, a cidade de Mariupol, no sudeste da Ucrânia, vive um cenário de pesadelo, dizem relatos de moradores, autoridades e jornalistas. Militares russos cortaram o abastecimento de alimentos, eletricidade, suprimentos médicos e redes de comunicação da cidade, que sofre com bombardeios constantes que atingem desde casas até escolas e hospitais. “A situação humanitária em Mariupol é apocalíptica”, afirma Stephen Ryan, porta-voz ucraniano do Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Confira a entrevista completa:
Quais as necessidades dos civis?
No leste da Ucrânia, onde os combates são muito fortes, as pessoas precisam de assistência direta. Precisamos estar ali para fornecer comida, água, medicamentos e assistência médica. No oeste, para onde muitos fugiram, temos de agilizar os programas de ajuda porque muitos fugiram apenas com uma mala e a roupa do corpo. Tente imaginar que de repente você precisa deixar sua casa para poder ter segurança. Você pega sua família e o que coloca nessa mala? Não é possível levar sua vida inteira nela, você não carrega fotos que são memórias importantes para a sua vida, não é possível nem levar casacos e comida suficiente para durarem dias para seus filhos.
Como está a retirada de civis das áreas de risco?
Nosso papel é atuar como um intermediário neutro, com garantia de segurança. Para isso, as partes do conflito precisam garantir que os acordos estão em vigor, são de conhecimento das tropas no local, e os soldados entendam que os integrantes do CICV vão transitar pelas linhas de combate para fornecer assistência. Isso é difícil no atual contexto. Nos últimos dez dias, temos tentado entrar em Mariupol, mas é difícil passar pelos postos de segurança. Chegamos a 20 quilômetros da cidade, mas a segurança no terreno não permitiu que entrássemos. Infelizmente, não foi possível entrar na cidade, fornecer assistência. No entanto, conseguimos auxiliar 500 pessoas que já haviam saído da cidade e pudemos levá-las a uma parte segura da Ucrânia.
Como está Mariupol?
Os que saíram relatam que a situação humanitária é apocalíptica, que a cidade está morta. As pessoas não têm acesso a comida, água, energia e aquecimento e estão literalmente sem conexão com o mundo externo. A Cruz Vermelha continua pedindo acesso à cidade para fornecer ajuda aos civis.
Como vocês dialogam com as partes envolvidas?
O CICV tem um longo histórico em conflitos e sempre nos envolvemos com as duas partes de forma objetiva, para garantir que os civis sejam poupados. Conversamos com os dois lados. As guerras têm regras e a lei humanitária internacional deve ser respeitada.
Como está a situação das crianças?
Um colega que esteve perto de Mariupol me contou sobre uma menina de 14 anos, cujos pais estavam presos na cidade. Ela viajou no comboio da Cruz Vermelha para encontrar o irmão em Zaporizhia. Isso ilustra os desafios das crianças no conflito. Zaporitcha. Acho que isso ilustra para mim os muitos desafios das crianças neste conflito. Crianças que fugiram com suas famílias do leste para o oeste da Ucrânia estão longe de seus amigos, de sua cidade, até de suas escolas. O conflito afeta a todos, mas temos uma preocupação maior com as crianças, com o impacto emocional. Estamos lutando para dar assistência psicológica a elas.
E dos idosos?
Em muitos locais tomados pelos combates, eles não conseguiram fugir. Muitos escolheram ficar na cidade ou não conseguiram deixar o local. Essa é mais uma preocupação nossa.
É possível descrever o que de pior vocês viram?
A cada dia que estou aqui com meus colegas temos novos desafios. Escutamos histórias devastadoras sobre o impacto do conflito nas cidades, nas famílias, que não têm ideia de como será seu futuro. A cada dia vemos a devastação que um conflito tem no futuro das pessoas. O mais difícil é ver a esperança se acabando para as pessoas que assistem à destruição.
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