Sob Trump, novo acordo de paz para a Ucrânia esbarra no risco de repetir os mesmos erros de Minsk

Acordos feitos há uma década não puniram Rússia e pecaram na ausência de ferramentas de fiscalização do cessar-fogo, permitindo que Moscou iniciasse uma nova guerra anos depois

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Foto do author Isabel Gomes

Em fevereiro de 2015, a cidade de Minsk, capital de Belarus, foi a sede de negociações entre a Rússia e a Ucrânia, com a participação de países europeus, sobre um cessar-fogo no leste da Ucrânia. Quase como um deja-vú, passados 10 anos, o cenário se repete: líderes internacionais tentam encontrar uma fórmula da paz para região. Mas caminhos parecidos aos de Minsk podem estar sendo seguidos nas conversas atuais — incluindo brechas que permitam à Rússia se reorganizar e planejar uma nova invasão anos depois.

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Os Acordos de Minsk foram assinados em 2014 (Minsk I) e 2015 (Minsk II) com o objetivo de acabar com um conflito entre o governo da Ucrânia e grupos separatistas apoiados pela Rússia que tomaram cidades nas regiões de Donetsk e Luhansk. Embora a guerra fosse em território ucraniano, a Rússia fomentou os conflitos, financiando e articulando os grupos, após protestos de rua deporem um presidente pró-Rússia em uma insurreição ocorrida em 2014 em Kiev.

O primeiro acordo falhou em conter os combates, levando à assinatura do Minsk II, estabelecendo um cessar-fogo, a retirada de armamentos pesados, maior autonomia para as regiões separatistas e eleições locais supervisionadas. Nos dois acordos, o então presidente ucraniano Petro Poroshenko aceitou termos considerados desfavoráveis ao seu país, diante de um objetivo apressado: salvar vidas de soldados ucranianos que estavam cercados.

Americanos, ucranianos e sauditas discutem plano de cessar-fogo em Jedah, na Arábia Saudita. Da esquerda para a direita: o assessor de Segurança Nacional dos EUA, Mike Waltz, o Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, o Ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, Príncipe Faisal bin Farhan, o Assessor de Segurança Nacional da Arábia Saudita, Mosaad bin Mohammad al-Aiban, o Ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Andrii Sibiha, o Chefe do Gabinete Presidencial da Ucrânia, Andriyi Yermak, e o Ministro da Defesa da Ucrânia, Rustem Umerovto Foto: Saul Loeb/AP

Na época, a Rússia, a Ucrânia, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), França e Alemanha participaram das negociações. No entanto, a falta de um mecanismo de fiscalização efetivo e as divergências sobre a autonomia das regiões separatistas impediram o cumprimento pleno do acordo. Com a invasão da Ucrânia em 2022, o fim desses tratados foi oficialmente selado.

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Diferentemente de 2015, a Rússia agora se coloca abertamente como parte do conflito e cobra o reconhecimento formal dos territórios ocupados. Além disso, as negociações agora têm os Estados Unidos na liderança, e a presidência de Trump adiciona um elemento de imprevisibilidade no meio de todo o processo.

Antes mesmo dos Acordos de Minsk, a Ucrânia já havia vivenciado promessas de segurança que não se tornaram reais. O Memorando de Budapeste de 1994, assinado pelos EUA, Reino Unido e Rússia, garantiu a soberania e a integridade territorial da Ucrânia em troca da renúncia às armas nucleares herdadas da União Soviética. Mas quando a Rússia anexou a Crimeia em 2014 e fomentou o conflito em Donbass, os signatários ocidentais não intervieram militarmente.

Soldados ucranianos seguram um cartaz agradecendo aos EUA pelo apoio na linha de frente, perto de Toretsk, na região de Donetsk, Ucrânia, em 11 de março de 2025 Foto: Roman Chop/AP

Por que Minsk falhou e por que um novo acordo pode falhar?

Para Angelo Segrillo, professor de História Contemporânea da USP e especialista em Rússia, o fracasso de Minsk II não se deveu à estrutura do acordo em si, mas às interpretações divergentes e à falta de compromisso das partes envolvidas.

“O acordo era razoável no papel, prevendo um cessar-fogo e maior autonomia para as regiões separatistas, mas as partes tinham visões completamente distintas sobre sua implementação. Cada lado acusava o outro de violações, o que tornou inviável sua execução”, explica.

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As divergências se concentraram principalmente na ordem de implementação do acordo. A Rússia exigia que a Ucrânia priorizasse os compromissos políticos, incluindo emendas constitucionais para reconhecer o status especial de Donetsk e Luhansk. Já a Ucrânia argumentava que as medidas de segurança deveriam vir primeiro, com a restauração do cessar-fogo e a retomada do controle sobre seu território antes de qualquer mudança política.

Nataliya Bugayova, pesquisadora da Rússia no Instituto para Estudos da Guerra, escreveu em um artigo publicado pelo think thank em fevereiro que o acordo falhou ao absolver Moscou. “O acordo permitiu que a Rússia se apresentasse como mediadora em um conflito que ela iniciou e prolongou”, avalia.

Embora as tratativas de Minsk II tenham firmado no acordo a retirada de armamentos pesados, o mesmo não foi feito para a retirada de tropas. O acordo também não impôs obrigações à Rússia, apenas fazendo referência “formações armadas estrangeiras” não especificadas, eximindo, portanto, Moscou de qualquer relação com o conflito.

“O acordo Minsk II não nomeou, muito menos puniu, o invasor e, portanto, reforçou a mentalidade do Kremlin que buscava controlar a Ucrânia e levou a Rússia a invadir a Ucrânia em primeiro lugar, escreveu Nataliya, afirmando que qualquer absolvição parecida nas novas negociações devem ser evitadas.

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Outro ponto crítico foi a ausência de mecanismos eficazes para garantir a implementação de um cessar-fogo. A OSCE monitorava as violações do cessar-fogo, mas com capacidade limitada e sob influência da Rúsia, que é um Estado-membro da organização. Sem instrumentos de pressão internacional, o tratado pode enfrentar o mesmo destino de Minsk II, sendo desrespeitado sem consequências significativas.

Mykhailo Soldatenko, advogado na Ucrânia e em Nova York e candidato doutorado na Escola de Direito de Harvard, afirmou que em qualquer nova negociação, Kiev e seus aliados “devem se concentrar em duas questões: compromissos de segurança e um quadro de gestão do cessar-fogo”, em um artigo publicado pelo Fundo Carnegie para a Paz Internacional.

Autoridades ucranianas têm defendido que aliados apresentem garantias de segurança que possam dissuadir a Rússia. Países como França e Reino Unido já se mostraram dispostas a enviar tropas de paz para região. Os Estados Unidos, por sua vez, negaram esse tipo de participação.

“Não vou oferecer garantias de segurança que vão além do estritamente necessário”, disse Trump em uma reunião de gabinete. “Vamos deixar que a Europa faça isso porque (...) a Europa é vizinha deles.”

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Mesmo que um novo tratado inclua garantias de segurança para a Ucrânia, sua efetividade ainda dependerá da disposição real dos países envolvidos em agir caso a Rússia viole o acordo. A hesitação de algumas nações da Otan em aceitar a entrada da Ucrânia na aliança indica um receio de envolvimento direto em um conflito com Moscou.

Donald Trump e Zelenski discutiram na Casa Branca no dia 28 de fevereiro. Foto: Saul Loeb/AFP

Se um novo acordo não resolver as questões fundamentais do conflito, há o risco de que a guerra se torne mais um “conflito congelado” no espaço pós-soviético, semelhante ao que ocorre na Transnístria, na Moldávia, ou nas regiões ocupadas da Geórgia. A Rússia poderia manter um impasse militar de baixa intensidade para impedir a integração plena da Ucrânia à Otan e à União Europeia, minando a estabilidade política do país a longo prazo.

Para Segrillo, enquanto não houver clareza sobre os passos concretos que Trump tomará e como as eleições europeias afetarão a posição dos aliados, qualquer acordo estará sujeito à instabilidade e ao risco de fracasso.

“Medidas internacionais efetivas só serão conseguidas uma vez que a situação fique mais clara com os futuros passos concretos tomados por Trump e como as eleições que ocorrem na Europa afetarão a posição desses países em relação ao conflito da Ucrânia. Sem isso corremos o risco de ver fracassos e instabilidades na Europa como vimos na Ucrânia com o fracasso dos Acordos de Minsk.

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