KIEV - Soldados ucranianos desafiaram um ultimato russo de abaixar as armas até este domingo, 17, no porto cercado de Mariupol, cidade que a Rússia diz ter tomado quase completamente no que seria sua maior conquista nos quase dois meses de guerra na Ucrânia. Apesar de menor em número, força ucraniana resiste em esconderijo de uma siderúrgica, e premiê garante que não haverá rendição.
A Rússia deu um prazo para que os ucranianos cercados em na siderúrgica Azovstal se rendessem até 6h locais (0h de Brasília) e deixassem o prédio até às 13h (7h de Brasília). “Todos aqueles que abandonarem suas armas terão a garantia de salvar suas vidas. É sua única chance”, disse o Ministério da Defesa russo no Telegram.
Mas horas após o fim do prazo, não havia sinais de rendição dos combatentes escondidos em Azovstal, fábrica com vista para o Mar de Azov. Em entrevista à imprensa americana, o primeiro-ministro da Ucrânia, Denis Shmigal, disse que as forças ucranianas em Mariupol lutarão “até o final”.
“A cidade não caiu. Nossas forças militares, nossos soldados ainda estão lá. Eles vão lutar até o fim”, assegurou Shmigal em entrevista ao programa “This Week” da rede ABC, horas depois do ultimato russo para entregar as armas.
Os militares russos estimaram que cerca de 2.500 combatentes ucranianos resistem na enorme usina siderúrgica, que possui um labirinto de passagens subterrâneas e forneceram o último bolsão de resistência em Mariupol.
O presidente ucraniano Volodmir Zelenski reconheceu no sábado, 16, que as forças ucranianas que ainda defendem Mariupol controlam apenas uma pequena parte da cidade e enfrentam uma força mais bem equipada que é seis vezes maior que a sua.
Citando interceptações de rádio, o Ministério da Defesa da Rússia disse que os defensores cercados, incluindo 400 “mercenários estrangeiros”, tinham ordens para atirar em qualquer um que quisesse desistir. Não houve nenhum comentário sobre isso do governo da Ucrânia.
Tendo falhado em superar a resistência ucraniana no norte, os militares russos reorientaram sua ofensiva terrestre na região leste de Donbas, mantendo ataques de longa distância em outros lugares, incluindo a capital, Kiev.
O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmitri Kuleba, em entrevista à CBS News também no domingo, disse que não houve comunicações recentes entre a Rússia e a Ucrânia em nível de Ministério das Relações Exteriores, e que a situação em Mariupol pode ser uma “linha vermelha” para as negociações.
Mariupol como primeiro sucesso russo
O cerco em curso e o bombardeio implacável de Mariupol tiveram um custo terrível, com autoridades estimando que os russos mataram pelo menos 21.000 pessoas. Apenas 120.000 pessoas permanecem na cidade, de uma população de 450.000 antes da guerra.
A captura de Mariupol liberaria as forças russas para enfraquecer e cercar as forças ucraniano no leste, onde a Rússia concentrou seus objetivos de guerra por enquanto e está enviando pessoal e equipamentos retirados do norte após uma tentativa fracassada de tomar Kiev.
A vice-ministra da Defesa ucraniana, Hanna Maliar, descreveu Mariupol como um “escudo defendendo a Ucrânia”, enquanto as tropas russas se preparam para uma ofensiva em grande escala em Donbas, o centro industrial do leste do país, onde separatistas apoiados por Moscou já controlam parte do território.
Maliar disse que os russos continuam a atingir Mariupol com ataques aéreos e podem estar se preparando para um pouso anfíbio para reforçar suas forças terrestres.
Capturar a cidade com uma área de terra com cerca de metade do tamanho de Hong Kong marcaria o primeiro sucesso palpável da Rússia após dois meses de combates e ajudaria a tranquilizar o público russo em meio ao agravamento da situação econômica das sanções ocidentais.
Isso permitiria à Rússia garantir um corredor terrestre para a Península da Crimeia, que o país anexou da Ucrânia em 2014, e privaria os ucraniano de um importante porto e ativos industriais valiosos.
A apreensão de Mariupol também deixaria mais tropas disponíveis para uma nova ofensiva no leste, que, se bem-sucedida, daria ao presidente russo Vladimir Putin uma posição de força para pressionar a Ucrânia a fazer concessões.
Até agora, os túneis da siderúrgica Azovstal, que cobre uma área de mais de 11 Km², permitiram que os defensores se escondessem e resistissem até ficarem sem munição.
Com a Rússia aparentemente pronta para declarar vitória, o presidente Zelenski reforçou a declaração de seu chanceler ao dizer que a queda da cidade pode atrapalhar qualquer tentativa de uma paz negociada. “A destruição de todos os nossos homens em Mariupol – o que eles estão fazendo agora – pode acabar com qualquer formato de negociação”, disse Zelenski em entrevista a jornalistas ucranianos.
Em seu discurso à nação, Zelenski pediu ao Ocidente que envie mais armas pesadas imediatamente se houver alguma chance de salvar a cidade, acrescentando que a Rússia “está deliberadamente tentando destruir todos que estão lá”.
Ataques em Kiev e arredores
Em um lembrete de que nenhuma parte da Ucrânia estava imune até o fim da guerra, as forças russas realizaram novos ataques com mísseis neste domingo perto de Kiev e em outros lugares, em um aparente esforço para enfraquecer a capacidade militar da Ucrânia antes do ataque antecipado no leste.
Após o naufrágio humilhante de seu principal navio de guerra da Frota do Mar Negro, no que os ucranianos se gabavam de um ataque com mísseis, o Kremlin prometeu intensificar os ataques à capital.
O prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, disse que um ataque no sábado contra o que o Ministério da Defesa da Rússia identificou como uma fábrica de veículos blindados matou uma pessoa e feriu várias. Ele aconselhou os moradores que fugiram da cidade no início da guerra a não retornarem.
A mídia local relatou uma explosão em Kiev, embora o vice-prefeito Mikola Povoroznik tenha dito que os sistemas de defesa aérea frustraram os ataques russos. O prefeito da cidade de Brovari, perto de Kiev, disse que um ataque com mísseis danificou a infraestrutura.
Os militares russos também afirmaram no domingo ter destruído radares de defesa aérea ucranianos no leste, perto de Sievierodonetsk, em Luhansk, bem como vários depósitos de munição em outros lugares. Explosões foram relatadas durante a noite em Kramatorsk, uma cidade do leste onde foguetes mataram pelo menos 57 pessoas em uma estação de trem lotada de civis tentando fugir antes da esperada ofensiva russa.
Como Mariupol, a cidade de Kharkiv, no nordeste do país, tem sido um alvo contínuo da agressão russa desde os primeiros dias da invasão e viu as condições se deteriorarem antes da ofensiva no leste.
Pelo menos cinco pessoas foram mortas por bombardeios russos em Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia, disseram autoridades regionais. A barragem atingiu prédios de apartamentos e deixou as ruas repletas de cacos de vidro e outros detritos, incluindo parte de pelo menos um foguete.
A Rússia também disse que suas forças derrubaram dois caças MiG-29 ucranianos na região de Kharkiv e destruíram dois postos de comando ucranianos e um sistema de radar para mísseis terra-ar S-300 na cidade de Avdiivka, ao norte da cidade de Donetsk. As autoridades ucranianas não confirmaram imediatamente as perdas alegadas.
O Papa Francisco convocou neste domingo a “ouvir o grito de paz” nesta “Páscoa de guerra”, e mencionou uma “Ucrânia martirizada”, em sua bênção “urbi et orbi” diante de 50.000 fiéis na Praça de São Pedro, em Roma.
A criação de corredores humanitários em algumas áreas permanece um quebra-cabeça. As autoridades ucranianas informaram neste domingo que, na ausência de um acordo com os russos para um cessar-fogo, suspenderão a retirada de civis do leste do país por um dia./AP, AFP, REUTERS e NYT
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