Em um primeiro momento, houve um estranho barulho de batidas do lado de fora do avião. Depois, enquanto um comissário de bordo estava em pé na cabine, algo atingiu seu braço, cortando-o. Os passageiros, sentindo que algo estava terrivelmente errado, ficaram em pânico. Alguns começaram a rezar.
Um passageiro recordou ter pensado que seria a última oração da sua vida. Depois, silêncio.
A cena caótica a bordo do voo 8243 da Azerbaijan Airlines Flight 8243 foi descrita por dois comissários de bordo — Zulfugar Asadov e Aydan Rahimli — e um passageiro, Subhonkul Rakhimov, em entrevistas para o The New York Times nesta sexta-feira, 27, com uma emissora de TV do Azerbaijão.
Eles estavam entre os 29 sobreviventes do avião que caiu na quarta-feira com 67 pessoas a bordo de Baku, Azerbaijão, a caminho de Grozny, Rússia, e provocou bola de fumaça preta e chamas laranja nas margens do Mar Cáspio, no Cazaquistão. O piloto estava entre os que não sobreviveram.
Autoridades de três países — Azerbaijão, Cazaquistão e Rússia — abriram investigações sobre a causa do acidente.
De sua cama de hospital em Baku, relembrando o terror do voo, Asadov, um dos comissários, disse em uma entrevista por telefone: “graças a Deus estou vivo”.
Ele e outros sobreviveram disseram que o avião teve problemas perto de Grozny. A aeronave, um Embraer 190, já havia feito três tentativas de pouso na cidade, na república russa da Chechênia, de acordo com Asadov. E então começou a agir de forma esquisita.
Dados recebidos do avião mostraram que sua velocidade vertical oscilou mais de 100 vezes durante os últimos 74 minutos de voo, de acordo com o Flightradar24.
Depois de ouvir o som peculiar vindo da fuselagem externa do avião e seu braço ter sido cortado — pelo que ele não sabe o que foi — Asadov disse que ele pegou uma toalha e o enfaixou seu braço firmemente.
Aydan, a outra comissária que sobreviveu, ajudou Asadov a tratar seu braço, ele contou. Ela disse à rede de televisão azerbaijana Xezer Xeber que ouviu dois estrondos do lado de fora do avião e que fragmentos penetraram na cabine.
Nesta sexta-feira, 27, a Azerbaijan Airlines disse que os resultados preliminares da investigação do Azerbaijão mostraram que o avião havia sofrido “interferência externa física e técnica”.
Embora as agências de inteligência dos Estados Unidos ainda não tenham informações definitivas, autoridades americanas disseram que existem indícios preliminares de que o avião foi abatido por um sistema antiaéreo russo, provavelmente um míssil terra-ar.
Chocados com o impacto no avião, alguns passageiros se levantaram em pânico, disseram testemunhas.
Rakhimov, o passageiro, disse em uma entrevista à agência Reuters de um hospital em Baku que ele também ouviu um estrondo. Depois que ele viu que a fuselagem do avião estava danificada, ele disse que esperava que a aeronave colapsasse. Ele começou a rezar. “Eu achei que era a minha última oração”, disse.
Milagrosamente, o avião seguiu voando.
Aydan e Asadov estavam sentados na parte de trás do avião, eles contam, falando com outros comissários de bordo pelo telefone. Então, o avião caiu.
Rakhimov, descrevendo o impacto, disse que ele foi atingido e seu corpo se torceu repetidamente. De repente, houve silêncio, ele disse, até que as pessoas ao redor dele começaram a gemer, presumivelmente com dor devido aos ferimentos.
“Eu percebi que nós estávamos no chão”, disse. “Eu não sabia o que fazer — se ria ou chorava.”
Nesta sexta-feira, a Azerbaijan Airlines disse que havia suspendido voos regulares para oito cidades russas. A empresa também interrompeu voos para Makhachkala, no vizinho Daguestão.
Investigadores do Azerbaijão, Cazaquistão e Rússia estão investigando o acidente. No Azerbaijão, os investigadores disseram que acreditam que um sistema de defesa aérea russo Pantsir-S1 danificou o avião, de acordo com duas pessoas em Baku que foram informadas sobre o inquérito e falaram sob condição de anonimato.
Em um comunicado, a Rosaviatsia, agência de aviação russa, disse que ofereceu cooperação total na investigação.
A filha de Asadov, Konul, disse em uma entrevista por telefone que soube da tragédia quando o marido dela a ligou e disse para voltar do trabalho. “Ele me disse: ‘Não se preocupe, seu pai está vivo, mas o avião em que ele estava caiu’”, ela conta. Sua mãe já estava ciente do que tinha acontecido, e na casa de Asadov, seu filho e vizinhos já estavam reunidos.
Ela disse que começou a assistir vídeos do acidente na internet e não conseguia acreditar que alguém pudesse ter sobrevivido à queda. Ela só conseguiu falar com o pai no dia seguinte ao desastre.
“Quando ouvi a voz dele”, ela conta, “pensei que estava sendo enganada, que ele não poderia ter sobrevivido a algo assim, que alguém estava fingindo sua voz para me confortar”.
Quando ela e sua família chegaram ao hospital, parentes de Aydan, a outra comissária de bordo que sobreviveu e prestou os primeiros socorros ao pai dela no avião, também estavam lá.
A filha de Asadov disse que ela e sua família nunca se acostumaram com o trabalho do pai. “Eu ligo para ele toda vez antes do voo se o tempo estiver ruim, e depois do voo eu ligo para minha mãe e pergunto se ela falou com ele”, ela disse.
No dia em que o avião caiu, ela disse que não ligou para o pai porque o tempo estava bom em Baku, e ela não pensou no fato de que o clima poderia ser ruim onde ele estava voando.
Depois da queda, Rakhimov disse que teve sorte: ele estava sentado na parte de trás do avião. A parte da frente da aeronave recebeu a maior parte do impacto, mas a parte da cauda foi cortada, mostram vídeos e imagens do acidente.
Quanto à Aydan, ela disse na entrevista para a TV: “Abri meus olhos e vi trabalhadores. Eu perguntei onde eu estava, e eles disseram que estávamos em Aktau”, a cidade no Cazaquistão.
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