Passar uma semana recentemente no Egito me fez perceber o que está desesperadamente em falta no conflito israelo-palestino: um pacificador nos moldes de Anwar Sadat.
O presidente egípcio foi laureado com o Prêmio Nobel da Paz e tornou-se um dos maiores líderes na história moderna por arriscar tudo — incluindo, conforme se verificou, sua própria vida — pela paz. Mesmo aqueles de nós jovens demais para se lembrar dos acontecimentos daquela época ainda podem vibrar com a dramática visita de Sadat a Israel, em 1977, após quatro grandes guerras entre os dois países. Isso preparou o caminho para os Acordos de Camp David de 1978 e o tratado de paz firmado por Egito e Israel em 1979. Foi a primeira vez que um Estado árabe reconheceu o Estado judaico.
O ex-primeiro-ministro conservador de Israel e laureado ao lado de Sadat com o Nobel da Paz, Menachem Begin, foi um parceiro essencial para a paz, e o ex-presidente Jimmy Carter, um mediador crucial, mas foi Sadat que colocou o processo em marcha. Em 1981, Sadat foi assassinado por terroristas islamistas, mas quase meio século depois de seus esforços pioneiros Egito e Israel seguem em paz.
Em contraste, conforme a guerra em Gaza se aproxima de seu marco de seis meses, não há nenhuma paz à vista entre israelenses e palestinos — apenas a certeza de mais sofrimento e derramamento de sangue. Isso ocorre porque nenhum dos lados produziu um Sadat. Israel chegou perto, nos anos 90, com o primeiro-ministro Yitzhak Rabin, mas assim como Sadat ele foi assassinado por um extremista de seu próprio país — nesse caso por negociar os Acordos de Oslo, que criaram a Autoridade Palestina e abriram um caminho para a criação do Estado palestino.
Esse caminho terminou num beco sem saída em parte porque a contraparte de Rabin, o presidente da Organização pela Libertação da Palestina, Yasser Arafat, nunca aceitou desistir do “direito de retorno” dos palestinos e assim arriscar-se a perder o status de “combatente pela liberdade” de seu povo. Desde a morte de Arafat, em 2004, a Autoridade Palestina tem sido governada por seu fastidioso subcomandante, Mahmoud Abbas.
Aproximando-se dos 90 anos, Abbas foi eleito em 2005 para um mandato de 4 anos que já dura quase 19. Livre da pressão de ter que ganhar eleições, ele preside um regime corrupto e ineficaz, aparentemente sem nenhum objetivo maior que permanecer na função enquanto ainda respirar. Abbas é considerado pela maioria dos palestinos um colaborador de Israel na ocupação que rouba suas terras e lhes nega dignidade. Em uma pesquisa recente, 90% dos palestinos afirmaram que Abbas deveria renunciar, mas ele não sinaliza nenhuma intenção de deixar o cargo.
Enquanto Abbas marcou o compasso, o Hamas buscou conquistar o apoio dos palestinos matando e sequestrando israelenses. No mês passado, uma das pesquisas mais deprimentes na memória recente constatou que 71% dos palestinos apoiam o ataque brutal praticado pelo Hamas em 7 de outubro e que 59% querem que o Hamas controle a Faixa de Gaza quando a guerra acabar.
Apesar de profundamente desconcertante para defensores de uma solução de dois Estados, o apoio generalizado dos palestinos a uma organização terrorista pode ser boa notícia para o primeiro-ministro linha-dura de Israel, Binyamin Netanyahu. “Bibi”, que domina a política israelense há quase três décadas, prometeu repetidamente bloquear o estabelecimento de um Estado palestino — e chegou ao ponto de apoiar o Hamas secretamente para dissipar pressão para fazer concessões aos palestinos.
Especial conflito árabe-israelense
Como Abbas, Netanyahu é um líder desacreditado e impopular (somente 15% dos israelenses querem que ele siga na função depois da guerra) que se recusa a deixar o cargo. Após fracassar em evitar o ataque de 7 de outubro do Hamas, Netanyahu está agora transformando Israel em pária internacional com um ataque contra a Faixa de Gaza que, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, matou mais de 32 mil palestinos. Israel afirma que mais de um terço dos mortos era de combatentes do Hamas; mas mesmo se esse número for correto dificilmente a ofensiva israelense destruirá verdadeiramente a organização terrorista. Os soldados israelenses continuam tendo que retornar a áreas das quais os militantes supostamente tinham sido extirpados. A destruição de Gaza — mais da metade dos edifícios foi danificada ou destruída — pode engendrar facilmente uma nova geração de extremistas violentos.
As Nações Unidas alertam que uma crise alimentar é iminente no norte de Gaza, cujo índice de habitantes já acometidos por níveis catastróficos de fome chega a 70%. A ajuda de Israel é inadequada, o que força os Estados Unidos, o Reino Unido e outros países a enviar mantimentos por via aérea, e não há nenhuma maneira de distribuir alimentos e medicamentos com segurança para as pessoas que mais necessitam. Isso ocorre porque Israel perturbou a capacidade do Hamas de governar Gaza mas não criou nenhum tipo de administração, nem civil nem militar, para assumir o lugar do grupo. O resultado é uma terra sem lei e caótica incrustada em Israel — uma Mogadíscio do Mediterrâneo.
É fácil e correto culpar Netanyahu por esse fracasso, mas a verdade mais dolorosa é que, apesar do primeiro-ministro ser extremamente impopular, suas políticas têm apoio generalizado em Israel. Outra pesquisa recente constatou que 68% dos judeus israelenses são contrários à distribuição de qualquer tipo de ajuda humanitária a Gaza, mesmo “de organismos internacionais não ligados ao Hamas ou à UNRWA”. (UNRWA é a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina, na qual operadores do Hamas se infiltraram.)
Apesar da terrível magnitude dos efeitos colaterais, há pouca crítica dentro de Israel em relação à ofensiva do país em Gaza porque os israelenses ficaram extremamente traumatizados com o ataque de outubro do Hamas. Apesar de ter havido em Gaza recentemente um aumento dramático de apoio a uma solução de dois Estados, muitos israelenses e palestinos perderam a fé nesse objetivo. Ainda assim esse é o único caminho concebível para uma paz duradoura que não envolva limpeza étnica nem de palestinos (conforme deseja a extrema direita israelense) nem de judeus (conforme deseja o Hamas).
O fracasso do processo de paz abriu caminho para o Hamas perpetrar seu ataque niilista contra Israel usando o povo de Gaza como escudo humano. Os cruéis líderes do Hamas poderiam pressionar Israel a pôr fim em sua ofensiva devolvendo os 130 reféns remanescentes (nem todos estão vivos), mas exigiram demais nas negociações por um cessar-fogo.
O líder do Hamas em Gaza, Yahya Sinwar, está aparentemente convencido de que o sofrimento infligido sobre seus irmãos palestinos é um preço pequeno a se pagar para prejudicar a posição global de Israel e atrapalhar seus esforços para estabelecer relações diplomáticas com mais Estados árabes. Enquanto fica seguro dentro de algum túnel, certamente cercado de reféns apavorados, Sinwar não sinaliza de nenhuma maneira se importar com o que acontece com os pobres civis que tentam sobreviver na superfície.
Isso é suficiente para deixar um observador desesperado. Os israelenses e os palestinos estão presos em uma espiral de morte. A única maneira de apartar esse impasse mortífero é pelo menos um líder de visão emergir disposto a buscar uma alternativa a essa guerra sem fim. Em outras palavras, outro Anwar Sadat. Mas uma figura desse nível, infelizmente, não se vê em lugar nenhum. Em vez disso, temos dois servos do tempo — Netanyahu e Abbas — e os homens fanáticos do Hamas.
Mas ainda há uma nesga de esperança. O poder do Hamas foi muito reduzido pela ofensiva israelense, e Netanyahu e Abbas não ocuparão suas funções eternamente. Pode ser, apenas pode ser, que seus sucessores estejam dispostos a ressuscitar a busca há muito adormecida por uma solução de dois Estados.
Isso não parece provável no atual momento. Mas também ninguém poderia ter imaginado, quando Sadat assumiu depois da morte de Gamal Abdel Nasser, em 1970, que aquele oficial militar de carreira se tornaria uma figura transformadora. É impressionante o que líderes corajosos e com princípios são capazes de realizar — e desalentador o tamanho do sofrimento que sua ausência pode infligir. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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