Sonho da casa própria cada vez mais distante amplia insatisfação do eleitor americano com a economia

Após crise de 2008, crédito para mercado imobiliário ficou mais difícil; situação piorou com alta dos juros

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Foto do author Luciana Dyniewicz
Atualização:

GRAND MARAIS, Minnesota, EUA - Quase na divisa dos Estados Unidos com o Canadá, a empresária Sarah Hamilton vem tentando resolver como pode os problemas econômicos de Grand Marais, uma cidade turística no estado de Minnesota, cercada por lagos e com apenas 1,3 mil habitantes. Com a irmã Anna, ela criou uma organização sem fins lucrativos que constrói e vende casas a preço de custo. É uma tentativa local de remediar a crise habitacional que afeta não só Grand Marais, mas todo o país.

Com a baixa oferta de casas, o preço do imóvel tem sido pressionado. Nos últimos 12 meses até agosto, enquanto a inflação média americana ficou em 2,5%, o indicador que mede a variação no preço da moradia (incluindo aluguéis e casas próprias) subiu 5,4%.

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Em uma eleição marcada pela insatisfação do americano com a economia, a alta dos preços no mercado imobiliário ajuda a entender o descontentamento da população mesmo quando a atividade do país registra uma recuperação persistente após a pandemia e a inflação está em queda. O sonho da casa própria, antes próximo dos americanos, parece agora impossível para uma geração.

A falta de imóveis – estimada em ao menos três milhões de unidades – é ainda consequência da crise de 2008. Após a implosão da bolha imobiliária, a concessão de crédito ficou mais difícil. Empresas sofrem para conseguir recursos para construir e consumidores, para comprar. Restrições das leis de zoneamento das cidades também dificultam a construção de novos prédios.

A situação ficou mais delicada quando o Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano) começou a elevar a taxa básica de juros em 2022. Elas passaram gradualmente de 0,5% para 5,5% – patamar registrado até o mês passado, quando o Fed anunciou um primeiro corte.

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Com a taxa básica elevada, o juro cobrado nos financiamentos ficou caro para o padrão americano, chegando a quase 8% no ano passado. Hoje, está ao redor de 6,5%, ainda longe dos 2,5% registrados em 2021. Como resultado, quem tem uma casa, paga financiamento e queria trocar de imóvel acabou desistindo. A falta de oferta piorou, e as negociações no mercado imobiliário travaram.

Sara Hamilton, em sua loja em Grand Marais, criou organização que vende casas a preço de custo Foto: Luciana Dyniewicz/Estadão

Em Grand Marais, a escassez de casas e a consequente elevação do preço da moradia é tão grave que resultou na falta de trabalhadores. Americanos desempregados em outras localidades simplesmente não querem se mudar para lá porque não terão condições de pagar um local para morar.

Diante de mais esse entrave, Sarah Hamilton criou um programa em que conecta empregadores com jovens que estão procurando uma vaga de trabalho. O programa exige que as empresas ofereçam moradia para os empregados.

Foi por meio desse programa que Hamilton contratou a garçonete Laney Thunder Bull. A jovem viajou da reserva indígena Pine Ridge, em South Dakota, até Grand Marais para trabalhar no restaurante de Hamilton. Quem pagou os custos da viagem foi Hamilton.

“Essa é a terceira temporada que venho para cá e agora estou pensando em ficar definitivamente. Em South Dakota, é difícil conseguir um lugar para morar. E aqui, o programa providencia casa”, diz Thunder Bull.

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Questionada sobre o desempenho da economia nos últimos quatro anos, durante o governo de Joe Biden, ela diz que a situação piorou. Alguns segundos depois, volta atrás e destaca que “a vida sempre foi difícil”.

Thunder Bull afirma que os preços dos alimentos nos supermercados estão altos e também fizeram com que quisesse deixar Pine Ridge. A inflação nos EUA ganhou força após a pandemia, quando interrupções nas cadeias logísticas reduziram as ofertas de mercadorias. Por outro lado, a política de estímulo econômico adotada por Biden elevou a demanda, pressionado preços.

Hoje, o Fundo Monetário Internacional (FMI) calcula que os EUA encerrarão o ano com uma inflação de 2,9%. Em 2021, no entanto, ela chegou a 7% – patamar que não se via no país desde 1981, quando atingiu 8,9%.

Nos últimos cinco anos, a inflação avançou 22,7%. Quando se analisam separadamente os preços dos alimentos e de moradia, o aumento foi, respectivamente, de 27% e de 26%.

“Aqui (em Grand Marais), pelo menos as coisas são tão caras como em South Dakota e consigo economizar um pouco”, diz Thunder Bull.

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Colega de Thunder Bull, Tayah Running Hawk também se mudou para Grand Marais com a ajuda do programa criado por Hamilton. Sobre o panorama econômico, ela diz que “as coisas poderiam estar melhor”. Também frisa que na cidade em que está os preços são um pouco mais baixos, mas lembra que ir ao mercado ainda pesa. Hawk afirma não saber ainda em quem vai votar, mas está inclinada a apoiar a democrata Kamala Harris.

Tayah Running Hawk diz que a situação econômica dos EUA poderia "estar melhor" e ainda não saber em quem vai votar Foto: Luciana Dyniewicz/Estadão

Condado cria órgão para lidar com problema habitacional

O condado onde fica Grand Marais criou um órgão em 2021 para tentar resolver o problema da escassez de moradia. A Cook County Housing Redevelopment Authority (HRA) – ou Autoridade de Reurbanização Habitacional do Condado de Cook, em português – calcula que Grand Marais precisará de 550 novas casas nos próximos cinco anos para atender a demanda. O número equivale a 20% da oferta atual da cidade.

“Esse problema existe há 20 anos, mas foi piorando gradualmente. A indústria de turismo aumentou, o que é bom, mas pressiona os preços e a demanda por trabalhadores. Aí veio o aumento da taxa de juros, que fez as transações imobiliárias ficarem mais caras”, diz Chris O’Brien, membro do conselho da HRA.

Chris O'Brien diante de obra em terreno doado pela prefeitura de Grand Marais; 51 apartamentos serão construídos no local Foto: Luciana Dyniewicz/Estadão

A Autoridade de Reurbanização tem tentado atrair construtoras para Grand Marais e conseguir financiamentos. Hoje, seis projetos estão em desenvolvimento. O mais avançado é um edifício com 51 apartamentos que está em obra em uma área doada pela prefeitura.

“É difícil trazer uma construtora para cá, porque a cidade está em um local remoto, e as empresas costumam preferir trabalhar em lugares mais convenientes”, diz O’Brien. Para ele, o problema do mercado imobiliário tem afetado como os americanos veem a economia. “Tem categorias de gastos que cresceram desproporcionalmente desde a crise da pandemia. Uma delas é a de moradia. As pessoas percebem que tudo está mais caro, ainda que os salários também estejam aumentando.”

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A repórter viajou como bolsista do World Press Institute (WPI)

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