LONDRES — Nos dias que se seguiram à morte da rainha Elizabeth II, no ano passado, Charles Haslett, de 66 anos, assim como muitos outros britânicos, rendeu-se à tristeza. Mas não teve muito tempo para remoer esses sentimentos. “Eu senti o peso da responsabilidade”, afirmou Haslett. “Tinha chegado a hora.”
Haslett, imitador de longa data do primogênito da rainha, Charles, gastou mais de 5 mil libras (cerca de US$ 6,2 mil) “me aprontando para ficar mais parecido com um rei do que eu era”, afirmou ele. Isso envolveu comprar uma peruca grisalha feita sob medida, ternos transpassados e um anel-sinete de ouro no mesmo estilo da joia usada pelo novo monarca, o rei Charles III. Haslett também encomendou massa de modelar para fazer suas orelhas saltarem para fora da mesma maneira que as do rei.
Conforme o monarca, de 74 anos, se acostuma com sua nova função, o mesmo ocorre com aqueles que possuem forte semelhança com Sua Majestade e o imitam em eventos de caridade, celebrações da coroação e festas de empresas. Após anos de dificuldades para conseguir trabalho, os sósias de Charles dizem estar adorando sua recém-descoberta popularidade.
Guy Ingle, de 62 anos, outro imitador de Charles de longa data, afirmou que desempenhava papéis secundários, ao lado das sósias de Elizabeth, dando-lhes suporte durante eventos. “Nenhuma dessas rainhas tinha nenhum talento”, afirmou ele. “Era muito frustrante.”
Para piorar as coisas, acrescentou Ingle, imitadores do príncipe William e sua esposa, Kate, sempre conseguiam muito mais trabalhos do que os sósias de Charles.
Nestes dias, contudo, Ingle afirmou que não consegue atender todos os clientes que o procuram. “Eu fiquei surpreso de ter tanto trabalho logo depois que Sua Majestade faleceu”, afirmou ele, conforme entrava no pub Queen’s Head (Cabeça da rainha), em sua cidade-natal, Ampthill, cerca de 80 quilômetros a noroeste de Londres. “É difícil escolher quem a gente atende.”
Ingle tem 12 eventos reservados nesta primavera e afirmou que seu cachê dobrou desde que Charles ascendeu ao trono, em setembro. (Ele se recusou a informar quanto ganha, mas disse que chegou a recebem 800 libras (cerca de US$ 980) para comparecer a uma festa que celebrava a inauguração de um novo terminal no Aeroporto de Heathrow.)
Outro sósia de Charles, o designer de interiores aposentado Ian Lieber, contratou um agente recentemente. Após décadas sendo abordado por estranhos pensando que ele era Charles, Lieber, de 81 anos, chegou à conclusão, segundo relatou, que poderia se profissionalizar. “Isso simplesmente eleva a gente a um mundo de fantasia, realmente”, afirmou ele, notando que tem reservada uma aparição em um almoço corporativo e outras potenciais oportunidades, incluindo um bar mitzvá.
Nos anos recentes, mesmo enquanto imitadores de outros membros da família real eram bastante procurados, havia pouca demanda para os imitadores de Charles, afirmou Susan Scott, que agencia sósias de celebridades. “Eles esperaram muito tempo por isso”, afirmou ela.
Haslett atribuiu a baixa demanda por Charles não ser “tão absolutamente impoluto” como sua mãe, em referência ao seu turbulento casamento com Diana, a princesa de Gales, e sua infidelidade. Mais recentemente, uma reportagem revelou que uma de suas entidades de caridade aceitou uma doação e 1 milhão de libras (US$ 1,2 milhão) da família de Osama bin Laden.
Charles, que foi o primeiro na linha de sucessão do trono por mais tempo do que qualquer outra pessoa na história da monarquia britânica, não alcança a mesma popularidade que a amada rainha. Pouco mais da metade dos britânicos tem opinião favorável a Charles, que é menos popular que sua irmã, a princesa Anne, e seu filho e sua nora, William e Kate, de acordo com uma pesquisa Ipsos de janeiro que entrevistou mil adultos britânicos.
O irmão mais novo do rei, o príncipe Andrew, caído em desgraça, seu caçula, o príncipe Harry e a mulher, Meghan, a duquesa de Sussex, são os membros da família real menos populares, de acordo com a pesquisa, que foi realizada após a publicação do revelador livro de memórias de Harry, “O que sobra”.
Scott, a agente de imitadores, afirmou que a publicidade negativa em torno de Harry poderia beneficiar o rei Charles — e, portanto, seus imitadores. “Quando você olha para os outros, ele seria a melhor aposta.”
A coroação de Charles ocorrerá na Abadia de Westminster, em 6 de maio. Assim como ocorreu na coroação da rainha, 70 anos atrás, centenas de milhares de pessoas deverão ocupar as ruas de Londres. O evento em 1953 foi “um espetáculo de tirar o fôlego em sua magnitude e esplendor”, de acordo com a matéria de primeira página no New York Times. Antes da coroação, as autoridades de transportes montaram um serviço de ônibus especial que levava os fãs da realeza em um tour pelas decorações espalhadas pela cidade por 1 shilling e 6 pence, ou 21 centavos de dólar na época.
Conforme Charles e seus sósias se preparam para a coroação, as imitadoras da rainha têm percebido que a demanda por seus serviços pode ter acabado — em contraste com os aparentemente eternos imitadores de Elvis Presley, que continuam trabalhando décadas depois da morte do cantor.
Uma sósia da rainha, Jeanette Vane, ainda está disponível para trabalhar, afirmou Scott, sua agente. “Ela sente uma falta enorme”, afirmou Scott.
Outra sósia da rainha, Mary Reynolds, está se aposentando por respeito à monarca, depois de 50 anos vestindo a personagem. (Seu último evento foi em Zurique, poucas semanas antes da rainha morrer.) Reynolds, de 89 anos, disse que recusou uma aparição na Fortnum & Mason, a loja de departamentos especializada em chás em Londres, poucos meses após a morte de Elizabeth. Em vez dela, o empório contratou Ingle para personificar Charles.
Reynolds afirmou que tem colocado foco em auxiliar a transição real e dar dicas de vestuário para uma mulher que imita Camilla, a mulher do rei Charles. “Mesmo entre os sósias, nós parecemos uma família”, afirmou Reynolds.
Simon Watkinson, imitador do príncipe William, afirmou que, assim que soube da morte da rainha, telefonou para Reynolds para expressar suas condolências. “Nós somos bastante próximos, a ‘família-sósia real’, porque trabalhamos juntos em muitas ocasiões”, afirmou ele.
Watkinson, formado em engenharia e nascido na Austrália, afirmou que virou imitador profissional depois que as pessoas passaram a pará-lo constantemente nas ruas de Londres pensando que ele é o príncipe William.
Um aspecto potencialmente constrangedor de ser imitador é se deparar com a personalidade real. Para Haslett, isso aconteceu 24 anos atrás, em um evento em um teatro de Londres em celebração ao 50.º aniversário de Charles. Haslett for contratado para atuar como dublê de Charles na plateia enquanto o então príncipe preparava uma aparição surpresa no palco. Nos bastidores, depois do evento, Haslett se aproximou do príncipe verdadeiro, que lhe disse: “Você está aqui só para pegar informações sobre o personagem, não é?”. Haslett respondeu: “Sim, senhor, exatamente”./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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