A Voz da América entrou no ar oito semanas após Pearl Harbor. “Nós trazemos a vocês vozes da América,” disse o jornalista William Harlan Hale em alemão, em 1º de fevereiro de 1942, na primeira transmissão. “Hoje, e diariamente a partir de agora, falaremos com vocês sobre a América e a guerra. As notícias podem ser boas para nós. As notícias podem ser ruins. Mas diremos a vocês a verdade.”
Nos 83 anos desde então, a Voice of America (VOA) tem sido a voz da liberdade pelo globo, uma força constante combatendo o totalitarismo durante a 2ª Guerra Mundial, a Guerra Fria, e as décadas seguintes.
Adolf Hitler não conseguiu silenciá-la. Joseph Stalin e seus sucessores, até Vladimir Putin, não conseguiram silenciá-la. Mao Tsé-Tung e seus sucessores, até Xi Jinping não conseguiram silenciá-la. Ruhollah Khomeini e os aiatolás não conseguiram silenciá-la.

Mas Donald Trump acaba de silenciar a voz da liberdade. Pela primeira vez desde 1942, a Voice of America foi retirada do ar, depois que Trump colocou praticamente todos os seus 1.300 funcionários em licença. O governo também fechou os veículos irmãos da VOA, a Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade e a Rádio Ásia Livre.
Os autocratas do mundo estão pulando de alegria. “O assim chamado ‘farol da liberdade’, a Voice of America, agora foi descartada pelo seu próprio governo como um pano sujo,” escreveu a mídia internacional do Partido Comunista Chinês, Global Times, na segunda-feira sobre o fim do que chama de “fábrica de mentiras”.
Ela celebrou o silenciamento desta voz única da verdade na China: “Desde difamar os direitos humanos no Xinjiang da China até inflamar disputas no Mar do Sul da China, desde apoiar forças de ‘independência de Taiwan’ até respaldar arruaceiros de Hong Kong, desde fabricar a narrativa do chamado vírus chinês até promover a alegação da ‘superprodução’ da China, quase todas as falsidades maliciosas sobre a China têm as impressões digitais da VOA por toda parte”. E concordou com a visão de Elon Musk de que a Voice of America é “apenas um bando de pessoas radicais de esquerda falando consigo mesmas”.
O propagandista do PCC, Hu Xijin, ex-editor do Global Times, chamou o fechamento da VOA de “ótima notícia”, explicando que “quase todos na China conhecem a Voz da América porque ela é um símbolo icônico da infiltração ideológica americana no país.”
No Irã, onde a VOA é oficialmente proibida como uma “emissora inimiga”, a agência de notícias Tabnak, alinhada ao Estado, comemorou: “O governo Trump fecha o meio de comunicação anti-iraniano Voice of America”. A VOA, com uma redação de cerca de 100 falantes de farsi, alcançou um total de 9,5 milhões de seguidores nas mídias sociais no Irã, frustrando o regime com notícias 24 horas por dia, 7 dias por semana, transmitidas via satélite e VPNs.
A Rússia também pode comemorar o fim de um veículo de notícias que, no ano passado, foi classificado como uma “organização indesejável” e uma ameaça à sua segurança nacional. Na África e na América Latina, os veículos de propaganda russos e chineses, que têm se expandido, não terão mais suas mentiras contestadas por uma alternativa americana baseada em fatos.
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Combinado com o cancelamento da maior parte da ajuda externa pelo governo Trump, o silenciamento da VOA, que contava com uma audiência semanal de cerca de 360 milhões de pessoas em quase 50 idiomas, sinaliza a rendição completa do “soft power” dos EUA, influência conquistada ao longo de décadas usando outros meios que não a guerra.
Os triunfos da VOA durante esse período foram muitos. Locutores lendários, como Edward R. Murrow e John Chancellor, juntaram-se ao esforço. Willis Conover espalhou o amor pela liberdade americana com suas transmissões de jazz por trás da Cortina de Ferro. A VOA desempenhou um papel fundamental ao manter os estudantes chineses informados durante a revolta da Praça Tiananmen (Praça da Paz Celestial).

Hoje, figuras célebres dos direitos humanos da China, Mianmar, Tibete, Rússia e outros países trabalham para a VOA porque os jornalistas não podem exercer a profissão livremente em seus países de origem. Na semana passada, dois homens acusados de serem “pistoleiros contratados pelo governo do Irã” foram a julgamento em Nova York por uma suposta conspiração para assassinar a jornalista Masih Alinejad, nascida no Irã, jornalista da VOA que tem sido uma defensora declarada dos direitos das mulheres no Irã. “Talvez você ache difícil de acreditar - mas por simplesmente postar vídeos meus mostrando meu cabelo e incentivando as mulheres no Irã a fazer o mesmo, o regime enviou um homem com uma AK-47 à minha casa no Brooklyn para me matar”, publicou Alinejad nas mídias sociais em 11 de março.
Esse é o tipo de herói que Trump está silenciando.
Os conservadores têm se queixado do suposto viés progressista e de esquerda da VOA - embora, como explicou meu colega Max Boot, os casos sejam relativamente insignificantes. Sob o comando de seu atual diretor, Michael Abramowitz, ex-chefe do grupo pró-democracia Freedom House, a VOA vem reestruturando suas operações e combatendo a parcialidade. É possível argumentar que a organização matriz da VOA, a Agência dos EUA para a Mídia Global, é redundante e deve ser reduzida. Mas a própria VOA custa aos contribuintes apenas US$ 270 milhões por ano, uma maneira excepcionalmente eficiente de promover a liberdade e a influência americana no mundo.

Acredita-se que a China esteja gastando bilhões de dólares somente na África por meio de seus veículos de propaganda CGTN, Xinhua e China Daily. O Irã está supostamente gastando centenas de milhões de dólares por ano em sua propaganda estatal. A Rússia, por meio de veículos de propaganda como RT e Sputnik, faz o mesmo. Eles competem com a VOA em países repressivos como a Venezuela e o Sudão do Sul - ou pelo menos competiam até que Trump fechou a VOA com uma ordem executiva na sexta-feira. A Xinhua tem dezenas de repórteres em Washington; agora, a VOA não tem nenhum.
Na África, onde os Estados Unidos estão competindo econômica e politicamente por influência, a VOA alcança - ou alcançava - 48 países e é - ou era - uma fonte amplamente confiável, combatendo o extremismo islâmico expresso por grupos terroristas como al-Shabab, Boko Haram e Estado Islâmico. No Irã, a Voice of America conseguiu dobrar seu público on-line e aumentar em oito vezes a visualização de vídeos. Na China, a Voice of America informou sobre as tentativas do governo de interferir nas eleições dos EUA, rebateu seus esforços para ocultar as origens da pandemia do coronavírus e combateu outras desinformações chinesas, como a alegação de que os judeus controlam o governo dos EUA.
Mas agora a queridinha do MAGA, Kari Lake, a fracassada candidata ao governo do Arizona e ao Senado dos EUA, nomeada por Trump como “conselheira sênior” da Agência dos EUA para a Mídia Global (ele não pode nomeá-la diretora da Voice of America porque demitiu o conselho que nomeia o diretor), diz que a agência é “corrupta”, “uma podridão gigante”, um “risco à segurança nacional” que está “irremediavelmente quebrada” e “não pode ser recuperada”.

Desde sua nomeação no mês passado, Lake tem dado entrevistas para veículos de extrema direita, como Epoch Times e Newsmax, e para os podcasts de Steve Bannon e Matt Gaetz. Suas postagens no X têm sido um fluxo de ataques partidários e xingamentos - tudo isso enquanto reclama que a Voice of America é partidária e condena constantemente a “mídia tradicional”.
Nisso, suas opiniões ecoam as do Partido Comunista Chinês. “Na era da informação, o monopólio detido por alguns meios de comunicação ocidentais tradicionais está sendo quebrado”, comemorou o Global Times na segunda-feira ao celebrar o fim da Voice of America. “À medida que mais americanos começarem a romper seus casulos de informação e verem um mundo real e uma China multidimensional, as narrativas demonizadoras propagadas pela VOA acabarão se tornando motivo de chacota da época.”
Os propagandistas chineses têm muito a ganhar ao silenciar as vozes da verdade e da liberdade. Aparentemente, o mesmo acontece com o governo Trump.