Suprema Corte dos EUA derruba decisão que garante direito ao aborto em todo país

Com a revisão de jurisprudência que vigorava há quase 50 anos, Estados poderão adotar regras próprias sobre a prática

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Por Redação
Atualização:

WASHINGTON - A Suprema Corte dos Estados Unidos reviu nesta sexta-feira, 2, o precedente legal estabelecido pelo caso Roe versus Wade, que estava em vigor havia quase 50 anos, em uma decisão que, na prática, interrompe a nível federal o aborto regulamentado no país. Agora, a prerrogativa de legislar sobre a interrupção de gravidez passa a ser exclusiva dos Estados.

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Ao menos 13 deles, de maioria republicana, já têm legislações prontas para proibir o procedimento nos EUA. Outros Estados, de maioria democrata, manterão a prática legalizada. Um rascunho da decisão já tinha sido vazado à imprensa em maio e provocado polêmica nos EUA. Após a decisão, manifestantes contrários e favoráveis ao aborto se manifestaram em diversas cidades americanas.

Roe v Wade foi um caso levado à Suprema Corte em 1973 por duas advogadas do Texas que, para garantir o direito ao aborto de sua cliente Jane Roe, argumentaram que a 14ª emenda da Constituição americana, por meio da “cláusula do devido processo’, protege a privacidade da mulher que pretende terminar a gravidez. O argumento foi acatado por 7 votos a 2 na ocasião e, com isso, o aborto legal saiu da esfera estadual, nos EUA, e a passou a obter uma proteção constitucional, de nível federal.

Manifestantes antiaborto comemoram após a decisão da Suprema Corte de derrubar Roe v. Wade, direito ao aborto protegido pelo governo federal, em Washington Foto: Gemunu Amarasinghe/AP

Os juízes reviram hoje a jurisprudência de quase 50 anos ao julgar uma lei de 2018 do Estado do Mississipi que proibia abortos se “a idade gestacional provável do feto humano” fosse determinada em mais de 15 semanas. Tribunais federais de instâncias menores tinham bloqueadoa legislação, justamente com o argumento de que ela esbarrava na jurisprudência estabelecida em Roe v Wade e reafirmada em outros julgamentos da Corte.

Mas dessa vez, com uma maioria conservadoras de seis juízes dos nove que compõem a Corte, a jurisprudência foi revista.

Toda a mudança envolvendo o aborto nos EUA aconteceu em parte porque o direito americano deriva da common law inglesa, que se baseia no conceito de stare decisis (decisão por precedentes). Além disso, o caráter federalista da enxuta Constituição americana delega ao máximo aos Estados a maior parte das legislações sobre a vida comum e temas de escopo federal são bastante raros.

A decisão da Suprema Corte

“Roe estava flagrantemente errada desde o início. Seu raciocínio foi excepcionalmente fraco e a decisão teve consequências danosas. E longe de trazer um acordo nacional para a questão do aborto, a lei inflamou o debate e aprofundou a divisão”, escreveu o juiz Samuel Alito, cujo rascunho da decisão vazou mês passado. “É hora de prestar atenção à Constituição e devolver a questão do aborto aos representantes eleitos do povo.”

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O presidente da Suprema Corte, John Roberts, votou com a maioria, mas disse que teria tomado “um curso mais comedido”, parando antes de anular Roe completamente. Os três membros liberais do tribunal discordaram.

A decisão foi possivel depois de que o lado conservador da Corte que foi fortalecido por três indicados do ex-presidente Donald Trump. Isso, porém, coloca o tribunal em desacordo com a maioria dos americanos que eram a favor da preservação de Roe, de acordo com pesquisas de opinião.

Juntando-se a Alito estavam os juízes Clarence Thomas, Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett. Os três últimos juízes são nomeados por Trump. Os juízes Stephen Breyer, Sonia Sotomayor e Elena Kagan – a ala liberal em minoria do tribunal – votaram contra.

Mudanças em estados republicanos

Espera-se que a decisão afete desproporcionalmente mulheres de minorias que já enfrentam acesso limitado aos cuidados de saúde, de acordo com estatísticas analisadas pela agência Associated Press.

A única clínica de aborto do Mississippi, que está no centro do caso, continuava a atender pacientes nesta sexta-feira da decisão. Do lado de fora, os homens usavam um megafone para dizer às pessoas dentro da clínica que elas queimariam no inferno.

O Mississippi é um dos 13 estados, principalmente no Sul e Centro-Oeste, que já possuíam leis que proíbem o aborto no caso de Roe ser derrubado. Outra meia dúzia de estados têm restrições ou proibições quase totais após 6 semanas de gravidez, antes que muitas mulheres saibam que estão grávidas.

Em cerca de meia dúzia de outros estados, a luta será sobre proibições latentes de aborto que foram promulgadas antes de Roe ser decidida em 1973 ou novas propostas para limitar drasticamente quando os abortos podem ser realizados, de acordo com o Instituto Guttmacher, um grupo de pesquisa que apoia o direito ao aborto.

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Mais de 90% dos abortos ocorrem nas primeiras 13 semanas de gravidez, de acordo com dados compilados por Guttmacher.

A decisão veio contra um pano de fundo de pesquisas de opinião pública que mostram que a maioria dos americanos se opõe à derrubada de Roe e entrega a questão de permitir ou não o aborto inteiramente aos estados.

Pesquisas mostraram que 1 em cada 10 americanos quer que o aborto seja ilegal em todos os casos. A maioria é a favor de que o aborto seja legal em todas ou na maioria das circunstâncias, mas pesquisas indicam que muitos também apoiam restrições, especialmente mais tarde na gravidez.

O governo de Joe Biden, democrata, e outros defensores dos direitos ao aborto alertaram que uma decisão que anule Roe também ameaçaria outras decisões de tribunais superiores em favor dos direitos dos homossexuais e até mesmo da contracepção.

Reações

Em pronunciamento logo depois da decisão da Corte, o presidente Joe Biden disse que a anulação foi um erro trágico e resultado de uma ideologia extremista. “A saúde e a vida das mulheres deste país estão agora em perigo”, martelou o democrata, lamentando um “dia triste” para a América.

O presidente pediu para continuar a luta de forma pacífica e para defender nas urnas o direito ao aborto e todas as outras liberdades pessoais, já que se aproximam as eleições legislativas de meio de mandato que se anunciam complicadas para os democratas.

O ex-presidente Barack Obama também se pronunciou, utilizando as redes sociais. “Hoje, a Suprema Corte não apenas reverteu quase 50 anos de precedente histórico, mas relegou a mais pessoal decisão que alguém pode tomar aos caprichos de políticos e idealistas -atacando as liberdades fundamentais de milhões de americanos”, reagiu no Twitter.

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Já o ex-presidente Trump, responsável por garantir uma maioria conservadora na Corte, comemorou a decisão. Segundo ele, a anulação do direito ao aborto responde à “vontade de Deus”, declarou quando questionado pelo canal Fox News.

“A decisão segue a Constituição e traz tudo de volta ao nível estadual, o que sempre deveria ter sido o caso”, acrescentou.

“Ao devolver o tema do aborto aos estados e ao povo, a Suprema Corte corrigiu um erro histórico”, disse o ex-vice presidente de Trump, Mike Pence.

Ativistas contra a lei de aborto também comemoraram a histórica mudança. “Depois de 50 anos de pressão, construindo centros de esperança para atender as mulheres grávidas, rezando de joelhos e garantindo que a poderosa voz fosse escutada nessas eleições, chegamos a este dia (...) o primeiro de um brilhante futuro pró-vida para nossa nação”, manifestou Marjorie Dannenfelser, presidente da organização antiaborto Susan B. Anthony List. /AP, AFP, NYT e W.POST

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