BRUXELAS - O suspeito de espionagem para o governo da Rússia preso pela Noruega na terça-feira, 25, e que tinha documentação brasileira no nome de um professor universitário, participou de seminário sobre ameaças híbridas que incluiu um cenário sobre como responder a uma explosão de oleoduto. A mídia norueguesa divulgou uma imagem do suspeito e a informação foi confirmada por um coordenador do grupo que sediou o evento.
O suposto espião afirma ser um pesquisador brasileiro de nome José Assis Gianmaria, mas até o momento não está claro se de fato ele é brasileiro ou se é um russo com documentos falsos. Ele estava na cidade de Tromso, perto do Círculo Polar Ártico.
A prisão ocorre depois que pelo menos sete russos – incluindo o filho de um associado próximo do presidente Vladimir Putin – foram detidos nas últimas semanas por pilotar drones ou tirar fotos perto de áreas de risco à segurança.
Em setembro, a Europa acusou sabotagem nos gasodutos Nord Stream, que transportam gás russo para o continente, após um vazamento do combustível. Depois disso, a Noruega e outros países iniciaram uma corrida para proteger a infraestrutura crítica da região e, segundo as autoridades, vários drones foram vistos próximos dos campos marítimos de petróleo e gás da Noruega e em aeroportos.
A enxurrada de incidentes deixa a Noruega – e a Europa – no limite. O setor de petróleo e gás é o núcleo da economia norueguesa. Desde que a Rússia lançou sua invasão em larga escala da Ucrânia, o país se tornou um fornecedor crítico para a Europa.
Nesta quinta-feira, o jornal norueguês Verdens Gang noticiou pela primeira vez que o suspeito participou do seminário de 29 a 30 de setembro em Vilnius, Lituânia, sobre como combater ameaças híbridas – um conceito que inclui sabotagem, desinformação, ataques cibernéticos e outros meios de combate fora do conflito militar tradicional de estado para estado.
O seminário foi organizado pela EU-HYBNET, uma rede europeia sobre o tema. Paivi Mattila, professora da Laurea University of Applied Sciences, na Finlândia, que coordena o programa EU-HYBNET, confirmou por telefone que o suposto espião participou do evento. Ela disse que ele não passou por uma verificação de segurança, mas se recusou a comentar mais, citando a investigação.
Uma imagem compartilhada pela Universidade Mykolas Romeris parece mostrar Gianmaria sentado entre os participantes do evento, organizado com o Centro de Excelência em Crime Cibernético da Lituânia para Treinamento, Pesquisa e Educação em 29 de setembro.
O evento aconteceu com financiamento da Comissão Europeia, afirmou o porta-voz da organização, Peter Stano. Ele ponderou que as instituições da UE não estão envolvidas nas atividades diárias do grupo.
O objetivo era ajudar os participantes a entender “vulnerabilidades que os adversários podem explorar” e “desenhar desafios híbridos em um ambiente operacional realista de futuro próximo”, de acordo com um folheto para o encontro.
Os participantes examinaram diferentes cenários, incluindo um caso de “desligamento do fluxo de gás após a explosão de um gasoduto”. Nesse estudo de caso, as “descobertas iniciais apoiam a suposição de que provavelmente se trata de uma sabotagem e não de um acidente” – um eco sinistro da recente sabotagem dos oleodutos Nord Stream.
Autoridades de segurança doméstica norueguesas anunciaram a prisão do suspeito de 37 anos no início desta semana, dizendo que ele representava “uma ameaça aos interesses nacionais fundamentais”. Segundo a vice-chefe Hedvig Moe, do Serviço de Segurança da Polícia Norueguesa, a preocupação é de que o suposto espião “possa ter adquirido uma rede e informações sobre a política norueguesa da região norte”.
Moe acrescentou que mesmo que as informações adquiridas pela pessoa não comprometam diretamente a segurança da Noruega, podem ser usadas indevidamente pela Rússia.
O que se sabe sobre o suspeito
Até o momento, as autoridades deram algumas informações sobre Gianmaria, mas não confirmaram se de fato se trata de um brasileiro. Giammaria estava realizando pesquisas na Universidade do Ártico da Noruega. Em resposta ao Estadão, a universidade informou que ele não foi oficialmente empregado da instituição, mas um pesquisador que ajudou a organizar palestras e seminários enquanto trabalhava na pesquisa.
Ainda de acordo com a universidade, a pesquisa não possuiu financiamento ou bolsa, sendo autofinanciada. Durante o período que esteve na universidade, não publicou nenhum artigo.
Em 25 de outubro, ele foi listado como pesquisador em um centro de estudos universitário chamado The Gray Zone. O nome dele foi retirado.
Antes de se mudar para a Noruega, morou no Canadá, onde frequentou a Carleton University e a University of Calgary. Em Ottawa, ele se ofereceu como voluntário para uma campanha política, de acordo com a Global News. Ele obteve o mestrado no Centro de Estudos Militares, de Segurança e Estratégicos da Universidade de Calgary em 2018.
Em 2019, ele escreveu um artigo para a Canadian Naval Review. O artigo, intitulado Terceira Base: O Caso de CFB Churchill, argumenta a favor do estabelecimento de uma base naval no norte do Canadá.
O caso ocorre meses depois que outro suspeito russo “ilegal” foi preso na Holanda. Nesse caso, um suposto espião russo também alegou ser brasileiro, que estaria em busca de estágio no Tribunal Penal Internacional. Ele já havia estudado nos Estados Unidos.
“Ilegais” operam sem cobertura diplomática, construindo uma história de cobertura ao longo do tempo, muitas vezes muitos anos. Em um caso de grande repercussão em 2010, os EUA prenderam 10 agentes russos que viviam no país havia anos enquanto se reportavam secretamente à Agência de Inteligência Estrangeira de Moscou. /COM INFORMAÇÕES DO WASHINGTON POST E COLABORAÇÃO DE RENATA TRANCHES
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