BERLIM - Um dos 25 presos na última quarta-feira, 7, por supostamente planejar um golpe para derrubar o governo na Alemanha costumava passar tempo no Brasil e tem ao menos duas empresas em seu nome em Santa Catarina. A polícia identificou um dos líderes do grupo com planos conspiratórios como Rudiger v.P., a quem a imprensa alemã identificou como Rudiger Wilfred Hans Von Pescatore, um ex-paraquedista que era responsável por recrutar militares para o grupo.
De acordo com jornais alemães, Rudiger tem 69 anos e era paraquedista do Exército antes de ser expulso por venda ilegal de armas dos estoques do antigo exército da Alemanha Oriental. No Brasil seu nome consta como sócio de duas empresas: Solacera, com atuação na área de energias renováveis e sede em Blumenau; e Acera, uma consultoria em gestão empresarial com sede em Pomerode. Ambas seguem abertas, sendo a Solacera aberta em 2016 e a Acera em 2006.
Segundo a Deutsche Welle, em 2019 alguém se identificando como Rudiger von P. postou em uma página de um agitador de extrema direita alemão uma mensagem pedindo a “eliminação de maçons” e dizendo que “a verdade só estará acessível à humanidade após a mudança do sistema”, então finalizou dizendo “saudações do Brasil”.
O suspeito foi preso junto com outras 24 pessoas na quarta-feira por fazer parte de uma organização terrorista doméstica que planejava derrubar o governo e formar seu próprio Estado. Entre os planos do grupo estava invadir o Parlamento e assassinar seus membros, uma tarefa que seria do braço armado do grupo, comandado por Rudiger, segundo a promotoria alemã.
De acordo com o comunicado do promotor, o suposto paraquedista seria o líder do grupo em conjunto com Heinrich XIII PR, a quem a imprensa alemã identificou como o príncipe Heinrich XIII, 71, descendente da Casa de Reuss, uma dinastia real do estado alemão da Turíngia. A família Reuss há muito se distanciou de Heinrich XIII por causa de seu envolvimento com grupos conspiratórios.
A polícia não identificou o nome do grupo, se limitando a dizer que seus integrantes seguem um conglomerado de mitos da conspiração constituído por narrativas das chamadas ideologias Reichsburger (Cidadãos do Reich) e QAnon nos Estados Unidos.
Líder do braço armado
Segundo a promotoria, o grupo foi formado no ano passado e operava sob a convicção de que “a Alemanha é atualmente governada por membros de um chamado Estado profundo” que precisava ser derrubado. Os 25 presos são acusados de se prepararem, desde o final de novembro de 2021, para tomar o governo e formar um governo paralelo, com nomeações já definidas para departamentos de Saúde, Justiça e Relações Exteriores.
O braço armado comandado por Rudiger seria o responsável por um ataque armado ao Reichstag, como é chamado o prédio onde funciona o Parlamento alemão (a Bundestag). Segundo a promotoria, o grupo estava preparado para usar a violência - incluindo o assassinato de representantes do Estado - para realizar seu objetivo de substituir a ordem existente na Alemanha por sua própria forma de governo que seria liderado pelo autodenominado príncipe. A polícia está investigando se os membros cometeram crime de traição.
O trabalho de Rudiger era, entre outras coisas, o recrutamento de membros focado principalmente em membros das Forças Armadas e policiais alemães. Ele teria recrutado vários soldados da ativa e da reserva, incluindo um membro do Comando das Forças Especiais.
“O foco principal dos esforços de recrutamento da associação eram membros do Bundeswehr (Forças Armadas alemã) e da polícia”, diz a nota da promotoria. “Para concretizar este objetivo, houve pelo menos quatro reuniões no verão de 2022, nas quais, o acusado Rudiger v. P. promoveu o grupo e seus objetivos.”
No comando do braço militar, Rudiger criou uma equipe administrativa responsável pelo “recrutamento de novos membros, aquisição de armas e outros equipamentos, o estabelecimento de uma estrutura de comunicação e TI à prova de bugs, a implementação de prática de tiro ao alvo e planos para futuras acomodações e serviços de alimentação para as ‘empresas de segurança interna’”, continua a nota da promotoria.
Ainda de acordo com o comunicado, em novembro deste ano, Rudiger juntamente com outros investigados buscaram policiais no norte da Alemanha para se juntarem à associação. “Em outubro de 2022, membros do ‘braço militar’ inspecionaram os quartéis da Bundeswehr em Hesse, Baden-Württemberg e Baviera para inspecioná-los quanto à adequação para abrigar suas próprias tropas após a derrubada.”
Novos suspeitos
O chefe da polícia federal da Alemanha (BKA), Holger Munch, disse na última quinta-feira, 8, ao canal ARD que o número de suspeitos de fazer parte ou apoiar o grupo terrorista subiu para 54 e ainda pode crescer, mas descartou que eles representavam um risco real de derrubar o governo. Nesta sexta-feira, 9, o Ministério Público executou os mandados de prisão para 23 dos 25 suspeitos detidos e pediu a extradição dos outros dois.
Mais de 3.000 policiais estiveram envolvidos na operação de quarta feira, que aconteceu em 11 dos 16 estados, e foi a maior da história da Alemanha. Embora batidas policiais contra a extrema direita não sejam incomuns no país – ainda sensível ao seu sombrio passado nazista – a escala desta foi incomum.
“Estamos falando de um grupo que, de acordo com o que sabemos até agora, planejava abolir violentamente nosso estado democrático de direito e um ataque armado”, disse o porta-voz do governo Steffen Hebestreit ao prédio do parlamento alemão.
Além de Rudiger e Heinrich XIII PR, os promotores também identificaram Birgit Malsack-Winkemann, uma ex-juíza e ex-parlamentar do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), legenda que está cada vez mais sob escrutínio dos serviços de segurança alemães devido a seus laços com extremistas. Os líderes do partido condenaram os relatos dos quais disseram só terem conhecimento por meio da mídia.
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