CABUL - Desde que o Taleban assumiu o poder em Cabul no início deste mês, o porta-voz Zabihullah Mujahid disse repetidamente à mídia internacional que o grupo não permitiria a produção de ópio ou outros narcóticos em seu Estado. Com o crescimento do cultivo da droga no país e a ausência de recursos externos, analistas apostam que o grupo optará pela repressão à droga como moeda de troca.
O Afeganistão respondeu por 85% do ópio produzido no mundo no ano passado, superando em muito os produtores rivais, como Mianmar e México, de acordo com dados das Nações Unidas. A produção da droga no país hoje é o triplo do que era antes de o Taleban chegar ao poder, quando o país respondia por 59% do abastecimento do comércio mundial.
O Taleban proibiu a produção de ópio em 2000 sob pressão ocidental. No entanto, após a invasão do Afeganistão liderada pelos EUA em 2001, a produção floresceu novamente nas áreas controladas pelo grupo. Apesar dos esforços de erradicação apoiados pelos EUA, estimados em US$ 9 bilhões, a produção atingiu um pico de 9 mil toneladas em 2017.
Hoje, o Taleban se depara com um novo cenário. Não é mais o governo isolado e introvertido que governou entre 1996 e 2001, nem a insurgência predominantemente rural que lutou contra o governo afegão apoiado pelos EUA até sua vitória neste mês. É agora o líder de fato de uma nação desesperadamente pobre que se recupera de décadas de guerra, com níveis significativos de dependência de opiáceos entre seus próprios cidadãos.
A papoula do ópio - Papaver somniferum - é resistente. Pode crescer em climas quentes e secos, exigindo apenas um pouco de irrigação. A resina da planta pode ser refinada em morfina, que pode então ser processada posteriormente em heroína; ambos são facilmente transportáveis, tornando o ópio uma cultura atraente em um país com infraestrutura precária.
Ibraheem Bahiss, um especialista em Afeganistão do International Crisis Group, disse que as declarações recentes do Taleban mostraram que ele estava efetivamente "usando a erradicação de narcóticos como moeda em troca de ajuda internacional".
Enquanto estima-se que o grupo fez U$39,9 milhões em receitas de impostos sobre o comércio de ópio em 2018, o governo dos EUA já havia fornecido ao governo afegão cerca de U$500 milhões em ajuda civil a cada ano.
Já impedido pelo tesouro dos EUA de acessar alguns fundos do governo afegão, o Taleban provavelmente precisará de todo o dinheiro que puder obter. Até agora, não houve apoio financeiro dos Estados Unidos ou de outras potências mundiais. Mas reprimir o comércio de ópio provavelmente daria ao Taleban vantagem sobre seus vizinhos como Irã e Rússia, as próximas paradas na rota das drogas, ou Europa e Canadá, onde frequentemente termina em sua forma final como heroína.
Para um grupo que baseou grande parte de sua legitimidade política na aplicação estrita da lei religiosa, também seria mais consistente. “Qualquer coisa que prejudique o corpo humano é haram (proibido) na lei islâmica. Logo, seu consumo, negociação e comércio também são”, disse Rahimi.
O vício em opiáceos afetou a sociedade afegã. Uma pesquisa de 2015 concluiu que havia entre 2,9 milhões e 3,6 milhões de usuários de drogas no Afeganistão, com os opióides sendo amais comum entre eles. .
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