ISLAMABADE – Um ano e meio após retomar o poder no Afeganistão, o Taleban consolidou a repressão contra as mulheres após proibi-las de frequentarem escolas e universidades, trabalharem para organizações internacionais e irem à academia ou a salões de beleza. A repressão é liderada pelo líder supremo do Taleban, Haibatullah Akhundzada, que dá as ordens da cidade de Kandahar e não faz parte do governo oficial afegão, sediado em Cabul.
As proibições impostas por Akhundzada demonstram que a autoridade real do Afeganistão permanece nas mãos dele. As ordens emitidas por ele são seguidas em Cabul e nas outras cidades do país, comandado pelo Taleban desde agosto de 2021.
Akhundzada é um clérigo muçulmano ultraconservador e lidera o Taleban desde 2016. Apesar de raramente aparecer em público, ele se reúne cada vez mais com autoridades religiosas locais e mantém a palavra final sobre todas as principais decisões políticas do Afeganistão. “No início, recebemos apenas diretrizes”, disse um funcionário do governo do Taleban em Cabul. “Agora, para qualquer coisa importante, precisamos obter a sua aprovação”, acrescentou.
Sob anonimato, o funcionário acrescentou que em alguns casos as decisões partem diretamente de Kandahar, sem consulta às autoridades de Cabul, embora decisões sejam anunciadas formalmente pelos ministros do governo. Ele acrescentou que nem todos os membros que estão no governo instituído concordam com as ordens.
À medida que o governo do Taleban se estabelece, o líder supremo do grupo passou a exigir mais supervisão política e a marginalizar os ministros que não seguem a sua linha ultraconservadora. Em setembro, o ministro interino da Educação foi destituído e substituído pelo chefe do conselho provincial de Kandahar, como parte de uma reforma ministerial mais ampla. A reforma também incluiu a nomeação de pessoas do círculo mais próximo de Akhundzada para cargos políticos altos e de segurança a nível provincial.
O porta-voz adjunto do Taleban, Qari Muhammad Yousef Ahmadi, disse que desde o início o governo do Taleban toma decisões sob a orientação do líder supremo e com base na lei islâmica – negando, assim, uma mudança.
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Divisões internas
Apesar da repressão às mulheres ter o apoio de muitos da base do Taleban, as decisões que a ampliaram ameaçam expor divisões internas do movimento e testar a sua capacidade de unidade.
Enquanto esteve em guerra com as forças dos Estados Unidos e da Otan, o Taleban manteve um grau de diversidade na sua rede de alianças, com uma ala mais conservadora sendo dominante no sul predominantemente rural do Afeganistão e outras no leste e no norte com autonomia para interpretar a lei islâmica. Em alguns distritos sob controle do Taleban, por exemplo, as mulheres foram autorizadas a viajar para cidades próximas para frequentar a universidade.
Com o fim da guerra, não está claro se o Taleban está preparado para permitir que a autonomia de determinados chefes locais se mantenha. Embora alguns membros do governo em Cabul e líderes do Talibã em nível provincial discordem das recentes restrições aos direitos das mulheres, essas figuras não expressaram publicamente a dissidência por temer que isso seja interpretado como uma afronta ao domínio islâmico e mine a unidade nacional, de acordo com dois funcionários do Taleban em Cabul.
Algumas autoridades do grupo sugeriram que as decisões que proíbem a educação e o trabalho das mulheres são temporárias e podem ser revisadas uma vez que seja introduzida a segregação de gênero mais rigorosa e a obrigação das vestes islâmicas.
Outras autoridades saíram em forte apoio aos decretos. O ministro interino do Ensino Superior acusou as mulheres das universidades de não seguirem o rigoroso código de vestimenta islâmico e, em vez disso, usarem roupas que “mulheres usam para ir a um casamento”. Um porta-voz do Taleban no Catar disse que as mulheres afegãs não precisam trabalhar e que “se a comunidade internacional quer ajudar as mulheres, ela deve fazer isso a seus maridos, que compartilharão com suas esposas”.
Críticas da comunidade internacional
As restrições provocaram críticas internacionais e alertas de organizações de ajuda humanitária de que qualquer redução no nível de assistência poderia deixar milhões de pessoas na extrema pobreza. “Parte da liderança do Taleban parece não compreender as consequências assustadoras dessas últimas decisões ou é indiferente ao sofrimento de milhões de afegãos comuns”, disse Markus Potzel, chefe interino da missão da ONU no Afeganistão.
Potzel não especificou a que liderança do Taleban ele se referiu, mas alertou que alguns líderes do movimento também parecem “preparados para levar o país ainda mais para o isolamento, longe da comunidade das nações”.
Desde que assumiu o controle do Afeganistão, os direitos das mulheres do país têm sido cada vez mais violados. Em 2021, a maioria das funcionárias do governo foi imediatamente proibida de trabalhar. Em março do ano passado, as adolescentes foram banidas do ensino médio. Dois meses depois, elas passaram a ser obrigadas a se vestir conforme as leis islâmicas e, em novembro, elas foram banidas de parques públicos e academias.
Apesar da repressão provocar indignação global e protestos em todo o Afeganistão, a liderança do movimento até agora se recusou a recuar em qualquer uma das decisões, defendendo-as como questões internas que deveriam estar livres de interferência externa. O Taleban justifica que as decisões são necessárias para que a lei islâmica seja estabelecida em todo o país e que a comunidade internacional deve se ater a ajudar o povo afegão. /WASHINGTON POST
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