Na noite de 21 de julho, logo após o presidente americano Joe Biden anunciar a desistência da candidatura à reeleição, o universitário Emerald Medrano, de 22 anos, teve como primeiro instinto algo comum para a sua geração: se manifestou em uma publicação no X, antigo Twitter. “Eu acho que os swifties americanos deveriam se organizar, ajudar a campanha de Kamala Harris, espalhar o quão ruim o ‘projeto 2025′ seria e arrastar as pessoas para os locais de votação”, escreveu ele.
A produtora freelancer Irene Kim, de 29 anos, viu a publicação e concordou. Anos antes, os dois se tornaram amigos na rede social por causa de uma paixão em comum: são swifties, como são chamados os membros da legião de fãs da cantora americana Taylor Swift. Foi ali, naquela troca de tweets, que surgiu o Swifties for Kamala, - em português, Swifties por Kamala - uma coalizão de fãs com um objetivo: fazer com que a vice de Biden se torne a primeira mulher presidente dos Estados Unidos.
Na mesma noite, cerca de 200 swifties entraram em um grupo na plataforma Discord para começar a planejar o que semanas depois se tornaria uma organização com mais de 3,6 mil membros, 8 diretores, e dividida em departamentos de relações institucionais, redes sociais, organização política e arrecadação de recursos.
Juntos, eles fazem mutirōes de ligaçōes para convencer cidadãos a votar, arrecadam dinheiro para a campanha de Harris e Walz - até o momento, mais de US$ 218 mil dólares - e, principalmente, utilizam da linguagem de Taylor - suas músicas e eras - para simplificar o passo-a-passo para o registro e a votação.
“Precisamos de estímulo para votar aqui porque não é obrigatório”, disse Irene em entrevista ao Estadão. “Em vários estados, você é, na verdade, desencorajado a votar, então enfrentamos uma enorme supressão de eleitores”, continua. Foi a partir desse cenário que o grupo decidiu disponibilizar um website para que as pessoas pudessem checar se estão aptas a votar ou fazer o primeiro registro para a votação. Cada vez que alguém utiliza uma dessas funçōes do site, passa a concorrer a ingressos da The Eras Tour, turnê de Taylor Swift que quebrou recordes mundiais de público e impulsionou a economia por onde passou - inclusive no Brasil, onde, de acordo com o IBGE, ajudou o crescimento do setor de serviços em novembro de 2023. Cerca de 100 mil pessoas já utilizaram o website.
Em um evento online organizado pelo grupo antes mesmo de Taylor Swift endossar a campanha, discursaram figuras como os senadores democratas Elizabeth Warren e Ed Markey, além de uma performance da cantora Carole King. Para os swifties, o apoio de Taylor não iria, em nenhum cenário, para Donald Trump.
A primeira vez que Taylor Swift se manifestou politicamente foi em 2018, quando disse que votaria nas candidaturas dos democratas Phil Bredesen para o Senado e Jim Cooper para a Câmara. Trump já era presidente naquele ano e foi questionado sobre o posicionamento de Taylor. Aos repórteres, disse que a partir daquele momento amaria 25% menos a música de Taylor.
Ao lançar o clipe de You Need to Calm Down, em 2019, ela liderou uma petição em apoio ao Equality Act, projeto de lei que protegeria direitos da comunidade LGBTQIAP+. Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, chamou o governo de Trump de autocracia. Nas redes sociais, disse ser a favor do direitos das mulheres pelo aborto. Depois, em 2020, anunciou seu apoio a Joe Biden. No mesmo ano, apoiou publicamente o Black Lives Matter, mesmo que, para muitos, o posicionamento tenha demorado a vir.
Este ano, em post em sua rede social, Taylor Swift anunciou no dia 10 de setembro o apoio à Kamala Harris. A cantora assinou a mensagem como ‘childless cat lady’, traduzido como “Mulher sem filhos e com gatos”, uma referência direta a comentários feitos pelo candidato a vice-presidente de Donald Trump, J.D. Vance, que em 2021 disse que mulheres sem filhos não têm o mesmo interesse no futuro do país.
“Taylor já tinha influência nessa eleição antes do apoio oficial. Os fãs já estavam se organizando politicamente baseados no que acreditam ser os valores centrais dos swifties”, disse a pesquisadora americana Ashley Hinck, autora do livro Política pelo Amor do Fandom: Cidadania de Fãs em um Mundo Digital (em tradução livre), publicado em 2019.
Hinck cunhou o termo ‘cidadania de fãs’, que descreve qualquer envolvimento cívico que tem como base e motivação o fato de ser fã. “Os swifties olharam para o cenário eleitoral e se perguntaram: qual candidato apoia a comunidade LGBT? Quem apoia o empoderamento feminino? E os direitos reprodutivos das mulheres?’’.
Irene Kim entende porque nem todo mundo compreende, de forma imediata, o que ser um swiftie tem a ver com a política. Segundo ela, essa visão vem do fato de que jovens mulheres - que representam boa parte dos fãs - são subestimadas historicamente. “Ser uma swiftie não é inerentemente político, mas muitas das nossas experiências são. As pessoas não podem deixar de ser pretas ou gays, por exemplo.”
A co-fundadora do Swifties for Kamala é asiática-americana e enfrenta os próprios desafios políticos diariamente. “Para nós, isso ė fazer parte de uma comunidade que se importa com os outros e isso é, sim, algo político.” O trabalho de Irene na coalizão a levou para um evento organizado pela apresentadora americana Oprah Winfrey em prol da eleição de Kamala Harris. A candidata estava presente e foi presenteada por Irene com uma pulseira da amizade, símbolo máximo dos swifties. Logo após o endosso de Taylor, um modelo com os sobrenomes de Harris e Walz passou a ser vendido no site oficial da campanha.
Nova dinâmica na política
Enquanto swifties trabalham para apoiar candidatos que tenham a ver com seus valores, os políticos percebem a força que um fandom - grupo de fãs de um determinado artista - pode dar para a campanha. Candidatos agora precisam trabalhar com o eleitor em um nível multidimensional, esclarece Cristina Pecequilo, professora de Política Internacional da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
“Você vai ter a rede social com o artista, com o jovem, com a Beyoncé, com a Taylor”, explica Pecequilo, “mas você vai ter uma dimensão da política mais tradicional que é com sindicato, é a classe média mais tradicional, que perdeu o emprego durante as reformas econômicas”. Segundo a pesquisadora, os dois lados são necessários para vencer as eleições. “A chave da eleição vai estar aí, em como você consegue falar para os diferentes grupos, de diferentes formas”, diz Cristina.
A co-fundadora do Swifties for Kamala é asiática-americana e enfrenta os próprios desafios políticos diariamente. “Para nós, isso ė fazer parte de uma comunidade que se importa com os outros e isso é, sim, algo político.” O trabalho de Irene na coalizão a levou para um evento organizado pela apresentadora americana Oprah Winfrey em prol da eleição de Kamala Harris. A candidata estava presente e foi presenteada por Irene com uma pulseira da amizade, símbolo máximo dos swifties. Logo após o endosso de Taylor, um modelo com os sobrenomes de Harris e Walz passou a ser vendido no site oficial da campanha.
O sindicato dos trabalhadores automotivos, por exemplo, é tradicionalmente um dos grupos mais concorridos para se ter apoio em uma eleição americana. Mas, agora com o apoio dos fandoms, os democratas podem ter uma base maior de votos. “O tamanho desse sindicato comparado ao tamanho dos Swifties… os Swifties são muito maiores. Então, se estamos falando em termos de poder, o número de votos conquistados com o apoio de Taylor Swift pode ser muito maior’, aponta Ashley Hinck.
Ainda assim, para Cristina, mensurar o impacto do apoio de Taylor para Kamala Harris ainda é difícil. A professora explica que a participação dos jovens na política americana ainda é pequena e a última vez que houve uma grande movimentação dessa parcela dos americanos foi em 2009, na eleição de Barack Obama. ‘Nós vemos o jovem voltando para a política e defendendo seus direitos que estão em risco, e a democracia também nos Estados Unidos, por conta desses apoios, é um movimento muito importante’, afirma.
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