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Temas geopolíticos e guerra devem ficar de fora do G-20, diz embaixador de Putin no Brasil

Alexei Labetskii afirma esperar que Brasil garanta participação russa e avance em propostas no Brics para diminuir dependência do dólar e deve resolver de forma bilateral suas divergências com Venezuela

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Foto do author Felipe Frazão

BRASÍLIA - O embaixador da Rússia no Brasil, Alexei Labetski, disse nesta quinta-feira, dia 31, que seu país não aceita que temas geopolíticos dominem a pauta da Cúpula do G-20. Ele indicou que a delegação de Moscou vai tentar bloquear esse debate, principalmente, por se ver prejudicada na diplomacia sobre a guerra na Ucrânia. Há dois anos, o tema vem sendo motivo de embates no G-20 e deve novamente complicar a reunião de líderes, nos dias 18 e 19 de novembro, no Rio.

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“As questões geopolíticas estão fora do jogo”, afirmou o embaixador, durante encontro com jornalistas na sede da embaixada, em Brasília. “Compartilhamos as prioridades da presidência brasileira e entre esses objetivos as questões geopolíticas não figuram. As questões geopolíticas figuram somente na cabeça dos que querem punir a Rússia.”

O embaixador recordou que o grupo das 20 maiores economias do mundo foi criado para discutir soluções de problemas econômicos e financeiros - embora nos últimos anos tenha passado a refletir sobre os conflitos globais. As prioridades pautadas pelo Brasil são: combate à fome, à pobreza e à desigualdade; desenvolvimento sustentável; e reforma da governança global.

O embaixador da Rússia no Brasil, Alexey Labetski, fala na sede da embaixada, em Brasília Foto: Felipe Frazão/Estadão

“A introdução das questões geopolíticas no G-20 de maneira unilateral, como querem os americanos, europeus e seus aliados, não corresponde ao formato historicamente estabelecido”, disse Labetskii.

Ele sugeriu, então, advogar em favor de retomar discussões antigas - uma forma de travar o debate - como consequências de guerras do Vietnã, Iraque, Líbia, bases militares na Síria, entre outras, para então debater o conflito bélico com a Ucrânia. “Mil e uma questões vão surgir”, afirmou o representante de Putin no País.

Diplomatas envolvidos nas negociações dizem que o Brasil já conseguiu desbloquear a pauta do G-20 e restringir os debates sobre guerras às reuniões de ministros das Relações Exteriores e de chefes de Estado e de governo. Por isso mesmo, existe entre as delegações a expectativa de que o tema será o grande embate da Cúpula de Líderes no Rio.

Países seguem barganhando na linguagem usada para tratar da guerra na Ucrânia e da guerra no Oriente Médio, entre Israel e o grupo terrorista Hamas, além dos conflitos com Irã e o Hezbollah, no Líbano. O texto chegará ao Rio pendente de acordo.

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O assunto já protagonizou discussões acaloradas em reuniões prévias e chegou a impedir a publicação de comunicados de consenso nos encontros inaugurais de chanceleres e de ministros das Finanças. No primeiro caso, também bloqueou declarações conjuntas nos trabalhos setoriais do G-20 ao longo de 2022 e 2023 - e quase derrubou o comunicado final dos líderes.

O chanceler da Rússia, Sergei Lavrov, participa de uma cerimônia em Moscou, Rússia  Foto: Chancelaria da Rússia / AP

O embaixador também afirmou que caberá ao Brasil, como organizador da cúpula, garantir que não haja constrangimentos ou intercorrências na participação da delegação russa durante a Cúpula no Rio. Em fevereiro, os representantes de Moscou enfrentaram dificuldades para reabastecer a aeronave no País, uma consequência de sanções impostas pelos EUA.

“Quem nos convidou e garante o serviço é a parte brasileira. Partimos do princípio que nossos parceiros brasileiros vão nos dar a possibilidade de resolver todas as questões. Compreendemos muito bem que os que não querem a Rússia aqui vão fazer de tudo para impedir.”

O embaixador não quis antecipar quem será o representante de Putin agora, porque o Kremlin ainda não comunicou ao Itamaraty. Nos bastidores, porém, os preparativos no Rio estão sendo feitos para que a delegação russa seja chefiada, mais uma vez, pelo ministro das Relações Exteriores, Serguei Lavrov. Ele pegou uma carona em um voo da Força Aérea Brasileira (FAB), do Rio a Brasília para se encontrar com o presidente Lula, a fim de contornar o eventual contratempo com abastecimento de seu avião.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de uma coletiva de imprensa em Kazan, Rússia, na cúpula do Brics  Foto: Maxim Shipenkov/AP

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O presidente russo, Vladimir Putin, antecipou que não comparecerá à Cúpula no Rio, em 18 e 19 de novembro, para “não atrapalhar” os trabalhos. Desde a invasão da Ucrânia, em 2022, Putin vem sendo isolado na arena internacional e não participou mais do G-20 pessoalmente, nas edições da Indonésia e da Índia. No ano passado, também deixou de viajar à África do Sul para o Brics.

Putin se vê ameaçado por um mandado de prisão em aberto, expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), sob acusação de crime de guerra na deportação ilegal de crianças ucranianas. A Rússia deixou de fazer parte do tribunal e ignora suas ordens.

A Corte é, porém, integrada pelo Brasil, e o cumprimento do mandado de prisão ficaria sujeito a uma decisão de primeira instância da Justiça Federal brasileira. Apesar de o governo Lula ter defendido a tese de que decisões do TPI não alcançavam a Rússia, e que Putin teria imunidades inerentes a chefes de Estado, não houve garantias de que a ordem não seria expedida para cumprimento em solo brasileiro pelo poder Judiciário.

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Proposta de China e Brasil para acordo na Ucrânia

Na terça-feira, dia 29, o ex-chanceler Celso Amorim, assessor especial de Lula, disse que ouviu de conselheiros do presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, a ideia de “fundir” a proposta de negociação patrocinada por Brasil e China - que agrada a Putin, mas não a Zelenski - com os princípios da fórmula de paz ucraniana.

A proposta de negociação e cessar-fogo sino-brasileira não exige a retirada das tropas russas do território ocupado. A da Ucrânia parte dessa condição para encerrar a guerra. Putin rejeita as exigências de Zelenski e vice-versa.

Questionado sobre a possibilidade de aproximação entre os planos para encerrar a guerra tornados públicos, o embaixador a rechaçou: “Essa ideia nada tem a ver com a realidade”.

Segundo ele, as tentativas de diálogo se frustraram no passado, ficaram somente em palavras, e a Ucrânia se armou e até invadiu a região russa de Kursk. Ele enumerou questões inaceitáveis para os russos: a existência de um ponto de ataque na fronteira russa; suposta perseguição aos russos e sua cultura; convite à Ucrânia para entrar na Otan.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa da recepção da cúpula do Brics ao lado do presidente da China, Xi Jinping, em Kazan, Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Coreia do Norte

O embaixador russo também reagiu à divulgação, por parte de ucranianos, sul-coreanos e americanos, de dados de inteligência que indicam uma suposta movimentação de milhares de soldados de tropas norte-coreanas, em solo russo. Kiev afirma que eles foram para a região de Kursk, onde tomaram território russo. Putin já falou sobre o tema e foi evasivo, embora não tenha negado. Ele afirmou que “se há imagens de satélite, elas indicam algo”.

O representante dele em Brasília, no entanto, tem apostado em negar os dados e evidências de um socorro de soldados enviados por Pyongyang. “É uma invenção. Tem fotografia? Tem provas?”, reagiu o embaixador. “Satélite mostrou a cara de algum norte-coreano? Não conheço nenhuma prova que posso aceitar.”

Assim como o presidente russo, ele disse que a Rússia pode usar como quiser o acordo de defesa mútua assinado com a Coreia do Norte. “O acordo corresponde ao direito internacional e será usado em pleno. Se não agrada aos americanos, é um problema deles, não nosso”, respondeu ao ser questionado se a ajuda estava descartada na guerra contra a Ucrânia.

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O embaixador também defendeu que os russos devem lembrar ao Ocidente, enquanto apoiem a defesa ucraniana, que possuem armas nucleares, como forma de dissuasão.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, cumprimenta o líder da Coreia do Norte, Kim Jong un, em Vladivostok, Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Venezuela

O embaixador russo também disse que espera que o Brasil e a Venezuela resolvam entre si as divergências políticas que levaram o governo Lula a barrar o ingresso do país vizinho no Brics, na semana passada, em Kazan. A associação de novos países ao grupo dos emergentes depende de um consenso dos 10 atuais membros, lembrou o diplomata.

“É uma questão que os brasileiros e venezuelanos devem resolver. São Estados bem crescidos, soberanos, e podem resolver as questões de acordo com seus interesses”, disse o embaixador russo, acrescentando que não vê o Brics como um fórum para se contrapor ao Ocidente e grupos como o G-7. “Essa tese é uma invenção dos politólogos que querem impor um mundo unipolar que já não existe.”

Assim como a China, a Rússia reconheceu a reeleição de Nicolás Maduro, cercada de suspeitas de fraude, e trabalhava para que a Venezuela fosse aceita na lista de 13 potenciais “países parceiros” do Brics. O veto brasileiro abriu amplificou a crise entre Caracas e Brasília, inaugurada depois que Lula deixou de reconhecer a suposta vitória do ditador venezuelano, em 28 de julho.

Desdolarização na pauta do Brasil no Brics

Ao fim deste ano, a Rússia vai passar a presidência rotativa do Brics ao Brasil. O embaixador russo afirmou que uma das tarefas principais da presidência brasileira no grupo será trabalhar para “criar um sistema financeiro independente”.

O diplomata russo considera que é necessário garantir o fluxo de investimentos e pagamentos internacionais por meio de um sistema imune ao que considera “sanções ilegítimas”.

“Os americanos e europeus tentam usar suas divisas como arma e isso não é aceitável”, afirmou Labetskiy. “Isso é compreendido por todos os países do Brics.”

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A discussão sobre a desdolarização - uso de alternativas ao dólar dos Estados Unidos e ao euro como moedas principais para transações internacionais - vem sendo impulsionada por Putin, Lula e o presidente chinês Xi Jinping. Também conta com o incentivo e interesse direto de países sancionados, como o Irã.

Atualmente, diplomatas e técnicos do Brics envolvidos nas discussões afirmam que essas alternativas são de difícil implementação e que o horizonte é de longo prazo. Apenas o yuan (renminbi) chinês é visto como moeda mais forte candidata a se tornar uma alternativa real ao dólar.

Há propostas na mesa e em testes para criar um mecanismo próprio de pagamentos, compensações e comunicação interbancária, alternativo ao Swift - do qual a Rússia foi excluída - e até uma divisa comum do Brics para comércio e investimentos. Putin recebeu uma cédula simbólica em Kazan. Mas o prazo ainda é uma incógnita, admitiu o embaixador russo.

Delegações participam da cúpula do Brics, em Kazan, Rússia  Foto: Maxim Shemetov/AP

“Devemos criar, e isso não será fácil, um sistema que nos permitirá evitar usar os meios utilizados para aplicar sanções. A tentativa de usar sanções contra a Rússia e de bloquear os fundos soberanos da Rússia levou os outros Estados a compreender que não vale a pena e devem ter alternativas ao dólar e ao euro porque um dia um político qualquer do Norte pode tomar a decisão de punir não só a Rússia.”

Ele reconheceu que as sanções impactaram a economia russa, sobretudo o setor bancário, mas ponderou que também impulsionaram o desenvolvimento interno industrial, técnico e militar.

“Não queremos ser chamados de paraíso, mas queremos criar condições de defesa de direitos dos nossos, dos que falam russo, melhorar o nível de vida”, afirmou o embaixador.

Segundo ele, a Rússia convidou a ex-presidente Dilma Rousseff a se manter na presidência do Novo Banco do Desenvolvimento (NDB), por outro período de cinco anos, porque a indicação caberia a Putin. O motivo é que os russos também entendiam que o banco, se presidido por um russo ligado a Putin, poderia ser atingido por sanções.

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O embaixador disse que Dilma reagiu positivamente e que sua recondução será encaminhada ao banco para avaliação dos demais membros do banco dos Brics, como sempre é praxe na indicação dos presidentes.

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