Análise | Tensão entre China e Taiwan é risco oculto para América Latina

Consequências econômicas para a América Latina, que tem uma produção limitada de semicondutores, seriam devastadoras

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Por Nicolás Saldías

Para a maioria dos latino-americanos, a região enfrenta desafios de segurança mais agudos do que o destino da política de “Uma Só China”. Estas incluem um aumento da criminalidade que afeta a estabilidade política, bem como um irredentismo quixotesco e interno. O crescimento econômico anêmico – a Economist Intelligence Unit prevê que a região crescerá apenas 1,7% este ano – e um elevado nível de corrupção também mantêm as mentes dos eleitores voltadas diretamente para dentro. No entanto, também há razões para um otimismo cauteloso.

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A guerra na Ucrânia e as tensões crescentes no Oriente Médio dominam o noticiário, e com isso a situação no Estreito de Taiwan mal é lembrada pelos latino-americanos. Além disso, o receio de um conflito militar entre países está no fundo do pacote de preocupações para os latino-americanos, com uma média de 2% nas seis principais economias da região dizendo que isso é uma preocupação, de acordo com uma pesquisa realizada em março pela IPSOS.

Esta complacência é compreensível, dado que a região está longe dos pontos globais mais inflamáveis. Além disso, a América Latina não é palco de uma guerra entre países desde 1995. Além de um surto de inflação causado pela invasão russa da Ucrânia em 2022, os conflitos globais ainda não prejudicaram gravemente as economias latino-americanas, uma vez que a região está em grande parte isolada das cadeias de fornecimento afetadas por conflitos. O mesmo não pode ser dito a respeito da China e de Taiwan, ambos cruciais para o bem-estar econômico da região.

China e Taiwan vivem um conflito territorial que tem se agravado com o tempo Foto: Pu Haiyang/AP

Pontos cegos

A ascensão da China como superpotência econômica transformou o mundo, incluindo a América Latina. O gigante asiático é o principal mercado de exportação para a maioria dos países da América Latina, abocanhando as exportações de commodities da região, desde soja até cobre. As empresas chinesas são também grandes investidores na região e importantes fornecedores de bens de consumo de ponta, como automóveis e celulares. Menos conhecida é a influência da China sobre muitas das economias da América Latina por dominar o refinamento dos minerais mais importantes.

Taiwan, por outro lado, tem uma pequena presença diplomática e econômica na região. Durante a Guerra Fria, a República da China – o nome formal da ilha – costumava gozar de amplo reconhecimento diplomático na região como representante legítimo da China, mas, gradualmente, os países passaram a reconhecer a República Popular da China (China continental). Depois que Honduras passou a reconhecer a China continental em 2023, apenas Belize, Guatemala, Haiti, Paraguai e algumas ilhas do Caribe ainda reconhecem Taiwan.

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Embora o comércio direto com Taiwan seja pequeno, a região depende indiretamente da ilha. Taiwan é, de longe, o principal produtor mundial de semicondutores, especialmente de chips de última geração. Se, por qualquer razão, deixar de existir um fornecimento seguro de semicondutores de Taiwan, a economia global seria paralisada. As consequências econômicas para a América Latina, que tem uma produção limitada de semicondutores, seriam devastadoras.

Ajuste seus alarmes

As tensões entre a China e os EUA estão alimentando um processo de fragmentação econômica, com estas superpotências cada vez mais dispostas a trocar a eficiência pela resiliência nas suas cadeias de fornecimento. O risco de uma “Segunda Guerra Fria” está aumentando e os custos econômicos podem ser enormes. O FMI estima que, se a economia mundial se dividir em dois blocos, o crescimento econômico global perdido poderá ser da ordem de algo entre 2,5% e impressionantes 7%. Embora alguns países da América Latina possam se beneficiar de um nearshoring da produção dos EUA, é pouco provável que a região como um todo se beneficie, especialmente no longo prazo. Este cenário pessimista pressupõe que os EUA e a China não entrem em guerra.

As tensões no Estreito de Taiwan deverão aumentar nos próximos anos. Embora uma guerra seja improvável, dado o custo extremo que isso implicaria para a economia chinesa e global, o risco é suficientemente grande para servir de alerta para que a América Latina comece a considerar planos de contingência. A tarefa é assustadora: uma guerra criaria uma crise econômica que seria pior e mais duradoura do que a pandemia da Covid-19, uma vez que remodelaria radicalmente as cadeias de fornecimento globais e a geopolítica (assumindo que o Armagedom nuclear seja evitado).

Segundo alguns cálculos, uma guerra em Taiwan poderia custar à economia mundial 10% do seu PIB, o que é quase o dobro do impacto da pandemia. Essas estimativas mostram que a economia do México poderá encolher 13%, e a do Brasil, 5,9%, em grande parte por causa da perda do acesso aos semicondutores. As estimativas para países que dependem fortemente da demanda por matérias-primas, como Chile e Peru, não estão incluídas, mas é provável que eles possam sofrer recessões ainda mais dramáticas, uma vez que o principal destino das suas exportações minerais mais importantes é a China.

E agora?

Embora seja improvável que a América Latina enfrente qualquer conflito militar real resultante de uma guerra em Taiwan, a região está mal preparada para enfrentar as potenciais consequências econômicas. Mesmo as economias avançadas, como os EUA e a União Europeia, estão lutando para aumentar a produção de semicondutores e outros fatores de produção essenciais para aumentar a autossuficiência. Os EUA foram forçados a admitir que uma desalavancagem total é impossível.

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Se a América Latina jogar bem as suas cartas e agir rapidamente, poderá pelo menos mitigar o impacto potencial de uma guerra, dada a sua posição dominante na produção de minerais importantes como cobre e lítio. Os governos da região precisam incentivar a exploração e o desenvolvimento de metais de terras raras (atualmente dominados pela China), que são essenciais para a produção de semicondutores. Os governos também precisam aproveitar estes recursos naturais e o relativo isolamento geopolítico da região para incentivar investimentos destinados a aumentar as capacidades de refinamento, o que ajudaria a economia global a diversificar as suas fontes de minerais essenciais refinados e a depender menos da China.

A gigante chinesa de veículos elétricos BYD está montando sua primeira fábrica de EV fora da Ásia, no Brasil Foto: Tingshu Wang/REUTERS

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Até agora, os EUA e os seus aliados estão atrás dos chineses, que estão na vanguarda do aumento da capacidade industrial da América Latina nestes setores. As empresas chinesas anunciaram investimentos em instalações no Chile para o refinamento do lítio. Empresas russas e chinesas assinaram acordos para desenvolver os recursos inexplorados de lítio da Bolívia. A gigante chinesa de veículos elétricos BYD também está montando sua primeira fábrica de EV fora da Ásia, no Brasil, e as negociações entre a BYD e um produtor de lítio no Brasil, a Sigma Lithium, estão em andamento para garantir o fornecimento. Se o Ocidente quiser concorrer, terá de avançar mais rapidamente e com mais ousadia do que está fazendo atualmente.

O outro desafio que os governos da região enfrentam será diplomático. Durante a Segunda Guerra Mundial, a maioria dos países latino-americanos apoiou rapidamente os EUA após o ataque a Pearl Harbor. Não está claro se a região apoiaria com tanto entusiasmo os EUA e os seus aliados desta vez, especialmente países como a Venezuela, a Nicarágua e Cuba. A reação morna da região à guerra na Ucrânia, a sua dependência econômica em relação à China e o sentimento antiamericano levantam sérias dúvidas. Embora a guerra seja improvável e os latino-americanos estejam compreensivelmente preocupados com questões mais prementes, tanto as elites políticas como os eleitores precisam começar a reconhecer que poderão ter de fazer escolhas muito difíceis mais cedo do que gostariam de admitir.

Análise por Nicolás Saldías

Analista sênior de América Latina e Caribe da Economist Intelligence Unit

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