Tensão e preocupação com saúde mental: veja depoimentos de brasileiros que vivem em Israel

Brasileiros relatam rotina de se refugiar em bunkers após soarem as sirenes que indicam ataques; solidariedade também é destaque

PUBLICIDADE

Foto do author Luis Filipe Santos
Atualização:

O ataque surpresa lançado pelo grupo Hamas neste sábado, 7, voltou a jogar tensão sobre a população civil de Israel, incluindo os brasileiros residentes no país. Na situação de guerra iniciada, é necessário lidar com os sentimentos de tensão constante, preocupação com os entes queridos, familiares e pessoas próximas, além de tentar cuidar do próprio bem-estar.

Até o momento, já foram relatadas mais de 700 mortes em Israel, além de mais de uma centena de israelenses feitos reféns pelo grupo terrorista palestino. Na Faixa de Gaza, território sob controle do Hamas, mais de 400 mortes já foram confirmadas. Até o momento, segundo o Itamaraty, há três brasileiros desaparecidos e um ferido. Confira relatos de como está a vida em Israel após o ataque sem precedentes.

Rita Cohen Wolf - Psicóloga

PUBLICIDADE

“Vivo em Israel há 30 anos, em uma cidade chamada Ra’anana, que fica a 20 quilômetros de Tel Aviv. Aqui soaram sirenes no sábado de manhã, de tarde e de noite, e durante o dia inteiro a gente ficou escutando explosões, ao longo de outras cidades perto, mas eu não estou no sul do país, onde os ataques foram mais intensivos.

Para que as pessoas entendam, não se trata de mais uma rodada de troca de fogo entre o Hamas e Israel, ou entre grupos terroristas e Israel. Dessa vez, foi uma ofensiva deles que nos pegou totalmente de surpresa, onde fizeram um ataque por terra, por ar e por mar, um ataque articulado, onde eles invadiram espaço soberano do Estado de Israel, massacraram jovens que estavam numa festa nas redondezas, entraram em comunidades judaicas ao redor da faixa de Gaza, mataram crianças, jovens, velhos, mulheres; sequestraram também crianças, mulheres, velhos, homens e levaram para dentro da faixa de Gaza.

Foguetes lançados da Faixa de Gaza em direção a Israel Foto: MOHAMMED ABED / AFP

É algo que qualquer país soberano não tem a mínima possibilidade de admitir; isso sem falar do impacto emocional. Esse ataque foi feito, exatamente, 50 anos depois da Guerra de Yom Kippur, que foi em 6 de outubro de 1973. E, realmente, a situação está muito complicada: são muitas as pessoas jovens e reservistas que estão sendo convocadas. Eu tenho quatro sobrinhos, homens e mulheres, que estão convocados nesse momento. Tenho filhos de amigas que morreram e tenho pessoas conhecidas que provavelmente estão sequestradas em Gaza.

Publicidade

Nós, agora, estamos num movimento muito grande de ajuda aos que estão na frente de batalha, ajuda às famílias que ficaram na retaguarda, mulheres com crianças pequenas, e o povo inteiro se solidariza para ajudar. E o principal nesse momento é manter o foco, manter a cabeça no lugar, manter a possibilidade de respirar, depois de um massacre tão brutal como esse.”

Andre Wajnberg - guia de turismo e educador

André Wajnberg, brasileiro que vive em Israel Foto: Arquivo Pessoal

“Eu resido na cidade de Modin, que se encontra exatamente entre Jerusalém e Tel Aviv, muito próxima do aeroporto internacional David Ben Gurion. Moramos quatro pessoas em casa: eu, minha esposa e meus dois filhos - um de 14 anos e um que tem 11 anos.

Ontem, como nós vivemos numa região muito central, a partir das seis e meia da manhã, nós já começamos a escutar a sirene de outras cidades aqui ao redor. Moramos realmente na região muito próxima à metrópole de Tel Aviv, então já escutamos pela manhã a sirene. Mas, aqui na nossa cidade e na região, no nosso bairro, somente por volta das 11h da manhã houve uma sirene, e nós todos entramos no abrigo anti-mísseis, que é um dos quartos que temos em casa - e que durante os dias normais, é o quarto do meu filho mais velho.

Como nós seguimos o que nos pedem para fazer nesses casos, com calma, temos mais de um minuto para entrar ao abrigo, o que é bastante tempo em comparação com quem mora no entorno de Gaza, por exemplo, que praticamente não tem tempo de buscar um abrigo depois de escutar a sirene. Nós esperamos mais dez minutos e saímos de dentro do abrigo.

Infelizmente, nossos filhos já passaram por isso no passado, não é a primeira vez. Eles já estão acostumados. Lá dentro, eles perguntaram o que estava acontecendo desta vez, e nós explicamos. Neste momento, nós pensamos que era como aconteceu no passado, que principalmente o conflito se resumia a ataques de mísseis vindos de Gaza.

Publicidade

Quando as notícias começaram a chegar a todos nós, foi um momento de muita dor, muita pressão, porque nós temos amigos que vivem na região que foi atacada. Na nossa região, não teve ataque por terra, não teve aproximação de terroristas, mas a pressão foi muito mais realmente pelo que estava acontecendo no sul do país; é claro, principalmente por amigos que vivem na região, inclusive parentes. Quando as notícias começaram a chegar, entendemos que era uma grande tragédia, um grande crime que estava sendo cometido.

PUBLICIDADE

Nós estamos seguros onde nós vivemos, porém estamos todos muito abalados, muito chocados, tristes com o que aconteceu; esperando, claro, também um posicionamento mais claro do governo de Israel em relação ao que aconteceu.

Sabemos que, pelo jeito, nós vamos entrar agora num conflito que vai durar alguns dias. Eu que trabalho na área do turismo ainda tenho um pouco de trabalho, porque existem turistas que estão já presentes em Israel e, então, estamos visitando lugares que ainda são seguros. Mas, aos poucos, a gente acredita que, infelizmente, parte dos turistas vão adiar as suas viagens. Então não sei como será nos próximos tempos.

Mas, principalmente nesse momento, o que importa para nós é que essas pessoas que são prisioneiros, reféns, inclusive algumas delas conhecidas nossas, sejam libertadas o mais rápido possível e, claro, que Israel possa dar uma resposta ao grupo terrorista e, sem dúvida nenhuma, a gente vai continuar,por incrível que possa parecer, tendo esperança de que a gente possa viver em paz um dia aqui.

Janela do quarto que serve como abrigo antibomba no apartamento de Andre Wajnberg Foto: Arquivo Pessoal

Preservar a saúde mental é fundamental. Eu não assisto a imagens que são mandadas pela mídia social, principalment de corpos sendo pisoteados, imagens de linchamentos que eu sei que aconteceram. Não vejo essas imagens e eu evito, claro, que aqui em casa essas imagens cheguem aos meus filhos.

Publicidade

A gente busca ser voluntário. Então, por exemplo, uma das primeiras coisas que eu fiz hoje foi doar sangue. Minha esposa é voluntária e também profissional numa organização que está juntando alimentos e roupas para famílias que tiveram de deixar a fronteira com gás e foram levados para lugares mais seguros de Israel. Ela está realizando esse trabalho e então, dessa maneira, a gente vai mantendo nossa saúde mental. O dia de hoje a gente passou com as crianças: um pouco de ver filmes, jogar algum jogo de tabuleiro... mas é isso: ficar em casa.”

David Elmescany, sargento da reserva das Forças de Defesa de Israel

“Eu moro na cidade de Efrat, localizada nas montanhas da Judéia, conhecido como Cisjordânia no Brasil. Eu moro com minha esposa e meus três filhos: uma bebê e dois maiorzinhos, um de oito e outra de treze. Aconteceu aqui toque de sirene três vezes no decorrer do dia, mas dentro da cidade não caiu nenhum foguete; caiu próximo à cidade, mas não dentro. Então, não houve feridos no ataque. A gente continua dormindo próximo ao bunker, que fica dentro de casa.

Pela situação, como aconteceu, o Hamas treinou bastante tempo para o que eles fizeram ontem, essa operação terrestre de invadir Israel. A gente vê nos vídeos que eles mesmos divulgaram: eles começaram com um ataque massivo de mísseis em direção a Israel, e ao mesmo tempo, começaram uma invasão por terra. Fizeram uma cortina de fumaça para esconder a invasão terrestre, enquanto todo mundo estava ocupado em correr pra abrigos por causa dos mísseis. Foi uma estratégia do Hamas e o exército de Israel caiu nessa daí.

Para preservar a saúde mental das crianças, na verdade, é entreter: televisão, filmes, desenhos animados e não conversar muito sobre esse assunto; deixá-los vivendo num mundo das crianças e continuando sendo crianças.”

José Nudelman, 43 anos, trabalha na área de compras de uma indústria militar

“Meu nome é José Nudelman, tenho 43 anos e eu trabalho em compras numa indústria da área de aviação e da área militar também. Moro no Norte, na cidade de Carmel, que fica a 40 quilômetros de Haifa. Pelo que eu acompanhei ontem e hoje, houve algumas movimentações do Exército na região Norte, na fronteira com o Líbano.

Publicidade

Pelo que eu entendi, houve troca de tiros em alguns lugares e dizem também que houve troca de mísseis. A gente, aqui em Carmel, não escutou nenhuma sirene ainda. Não teve nenhum míssel chegando perto da nossa região, mas é um medo que existe, porque o poderio militar do Hezbollah é muito maior do que do Hamas.

Então, se eles realmente entrarem nessa guerra, fizerem alguma ação conjunta com o Hamas e usarem todo o poderio de mísseis deles, seguramente eles têm muito mais mísseis - e é uma situação que deixa a gente apreensivo, sim.

José Nudelman, brasileiro que vive em Israel; na foto, em manifestação contra o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu realizada há alguns meses Foto: Arquivo Pessoal

Somos quatro: eu, minha esposa e meus dois meninos gêmeos de nove anos. Meus pais moram num apartamento perto. A gente está bem apreensivo sobre o que vai acontecer. Tenho medo, não sabemos se o Hezbollah vai entrar no conflito, quais são as proporções desse ataque, desse possível ataque; é realmente uma situação de apreensão.

E, fora isso, muita consternação e tristez pelo que aconteceu ontem e hoje. Gera uma tristeza, realmente, um sentimento muito ruim, uma tristeza muito grande. Saber que tem pessoas agora, neste momento, sequestradas na mão de um grupo terrorista como Hamas. Enfim, realmente, a gente tem esse sofrimento com todo o país.

Existe uma apreensão de toda a população, uma consternação. Muitas perguntas em aberto de como foi possível fazer essa infiltração terrestre sem que o exército tenha sido acionado. Como foi possível que tenha demorado tanto tempo para o exército entrar e poder ajudar as pessoas que estavam encurraladas, que estavam sob a guarda de terroristas.

Publicidade

Eu ia começar esse trabalho novo na Elbit. E foi postergado também para a próxima semana. Então, o país está meio que parado. As ruas estão um pouco mais vazias. Tem comércios fechados. As pessoas estão apreensivas e não sabem muito bem o que vai acontecer.

Existe muita solidariedade. Muita doação de comida, muita gente cozinhando para os soldados, muita doação de roupa, de todo tipo de equipamento que seja necessário. As pessoas se mobilizam bastante neste momento para doação de sangue, apesar de todas as fissuras que existem dentro da sociedade israelense, também do lado político. Neste momento, as pessoas esquecem um pouco isso e se unem.

O tema da saúde mental, para mim, é um dos mais importantes e é uma das consequências mais graves. A gente tenta preservar um pouco as crianças. A gente explicou o que está acontecendo, eles sabem mais ou menos que existem ataques, que existe terrorismo, que o país está numa situação complicada, mas a gente não mostra para eles os vídeos, os detalhes; acho que é desnecessário para criança de 9 anos.

A gente sabe o que está acontecendo, recebe os vídeos. Eu procuro nem olhar muito, já sei mais ou menos o que tem lá. A saúde mental é muito afetada, existe muito problema de estresse pós-traumático aqui, é realmente um tema muito delicado e que, neste momento, fica bastante aflorado, é um gatilho muito forte. Temos dificuldade para dormir, medo de fazer certas coisas que a gente não tinha medo. Por exemplo: meus filhos caminhavam sozinhos pela cidade com toda a tranquilidade para ir à escola, para jogar bola, para fazer as coisas deles; e, agora, a gente está com um certo medo do que pode acontecer.”

Marcos Sussking, guia de turismo e youtuber

“Meu nome é Marcos L Susskind, brasileiro residente em Holon, Israel, para onde imigrei há cerca de oito anos. Aos 74 anos, dedico parte substancial de meu tempo a atividades voluntárias, tais como visita a idosos sem família.Aqui em Holon, vivo com minha esposa e aqui também vive um de meus filhos e três de meus netos.

Publicidade

Holon foi alvo de uma série de foguetes na manhã de ontem. Acordamos às 6h38 da manhã com as sirenes acionadas. Houve uma grande concentração de foguetes atirados contra Holon entre 6h38 e 10h30 da manhã. O ritmo diminuiu sensivelmente, mas continuou intermitentemente até por volta das 19h30. Desde então, não ouvimos mais a sirene aqui em Holon.

Cada vez que toca a sirene, há uma razoável dose de apreensão, embora não chegue a ser pavor ou medo. Isto se deve ao fato que o sistema “Domo de Ferro”, que consegue interceptar o foguete inimigo no ar e explodi-lo antes que atinja centros urbanos. Claro que a explosão pode gerar diferentes tamanhos de estilhaços e, caso sejam grandes, podem gerar prejuízo e destruição (menores que a queda do míssil). Aqui em Holon, todos os mísseis inimigos foram abatidos e não houve vítimas pessoais nem materiais.

Minha esposa e eu estamos fisicamente bem e nos sentimos seguros, estando a cerca de 65 quilômetros da fronteira. No entanto, estamos emocionalmente destroçados, sabendo que pelo menos 740 israelenses perderam a vida em assassinatos brutais à queima-roupa e, talvez, um número ainda maior terá perda de pernas, de braços, de visão etc.

Some-se a isso o sequestro de centenas de Israelenses de todas as idades - desde bebês de 6 meses até idosos de 85 anos, muitos deles doentes que necessitam medicamentos. Sabemos que terroristas são cruéis, insensíveis e desumanos e, portanto, tememos pelas vidas e pelas condições do cárcere, onde muitos serão torturados. A TV do Hamas já mostrou algumas torturas que nos enchem de dor e amargor.

Em nosso edifício alguns jovens, filhos de vizinhos, foram convocados para a luta. Oramos para que todos regressem vivos e sem traumas.”

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.