O presidente Donald Trump abandonou o pacto nuclear de 2015 entre o Irã e as potências mundiais, impôs duras sanções econômicas ao Irã e ordenou a morte de seu principal general. E o Irã, disseram promotores federais na semana passada, conspirou para assassinar Trump antes da eleição de novembro.
No entanto, apesar desse histórico carregado, muitos ex-funcionários, especialistas e editoriais de jornais no Irã pediram abertamente que o governo procurasse Trump na semana desde sua reeleição. Shargh, o principal jornal diário reformista, disse em um editorial de primeira página que o novo presidente mais moderado do Irã, Masoud Pezeshkian, deve “evitar erros do passado e assumir uma política pragmática e multidimensional”.
E muitos no governo de Pezeshkian pensam dessa forma, de acordo com cinco fontes no governo iraniano que pediram que seus nomes não fossem publicados porque não estavam autorizadas a discutir a política de Estado. Eles dizem que Trump adora fazer acordos onde outros falharam, e que seu domínio descomunal no Partido Republicano poderia dar a qualquer acordo potencial mais poder de permanência. Isso pode dar uma abertura para algum tipo de acordo duradouro com os Estados Unidos, eles argumentam.
“Não perca esta oportunidade histórica de mudança nas relações Irã-EUA”, escreveu um político proeminente e ex-assessor político do governo do Irã, Hamid Aboutalebi, em uma carta aberta ao presidente do Irã. Ele aconselhou Pezeshkian a parabenizar Trump pela vitória na eleição e definir um novo tom para uma política pragmática e voltada para o futuro.
Pezeshkian, afirmou nesta quinta-feira, 14, que quer esclarecer “dúvidas e ambiguidades” sobre o programa nuclear da República Islâmica, ao receber o diretor-geral da AIEA, Rafael Grossi, que exigiu que a cooperação com o Irã leve a “evitar a guerra”.
No entanto, o chefe da diplomacia iraniana, Abbas Araqhchi, advertiu que Teerã não negociará “sob pressão ou intimidação” sobre o seu programa nuclear, e o chefe da Organização Iraniana de Energia Atômica, Mohammad Eslami, garantiu que a República Islâmica reagiria “imediatamente” a qualquer pressão externa.
Ainda assim, as decisões mais importantes no Irã são tomadas pelo líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, e ele proibiu negociações com Trump durante seu primeiro mandato. Na política faccional do Irã, mesmo que Pezeshkian quisesse negociar com Trump, ele teria que obter a aprovação do aiatolá Khamenei.
E muitos conservadores, incluindo alguns no poderoso Corpo da Guarda Revolucionária, se opõem a qualquer envolvimento com Trump. O Departamento de Justiça dos EUA disse que o Corpo da Guarda Revolucionária do Irã hackeou os computadores da campanha de Trump e espalhou desinformação online em uma tentativa de influenciar a eleição presidencial. No dia 8 de novembro, promotores federais em Manhattan revelaram um esforço do Irã para assassinar Trump.
O ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi, chamou essas acusações de um cenário “fabricado” em uma postagem no X no sábado. Ele disse que o Irã respeitava a escolha do povo americano ao eleger seu presidente e que o caminho a seguir para o Irã e os EUA começa com “respeito” mútuo e “fortalecimento da confiança”.
Reza Salehi, um analista conservador em Teerã próximo à facção política linha-dura do país, disse em uma entrevista que a negociação com Trump seria politicamente desafiadora para o novo governo do Irã. Os conservadores já expressaram sua desaprovação, dizendo que qualquer aproximação seria uma traição à memória do general Qassim Suleimani, cujo assassinato Trump ordenou em 2020.
O jornal conservador Hamshahri, administrado pelo governo municipal de Teerã, publicou fotos de primeira página de Trump em um macacão laranja e algemas com a manchete: “O retorno do assassino”. Ainda assim, até Salehi disse: “Sou contrário a essa posição e digo que Trump beneficiará o Irã em comparação com seu antecessor”. Ele acrescentou: “Ele está fazendo acordos; está terminando guerras e é contra começar novos conflitos”.
Mesmo aqueles que querem se aproximar de Trump dizem que a política externa do país para uma era Trump dependerá em grande parte de como o presidente americano abordará o Irã e o Oriente Médio, bem como quem ele selecionará para seu governo, de acordo com as cinco fontes — Trump nomeou na terça-feira, 12, seu amigo de longa data Steven Witkoff como enviado especial ao Oriente Médio.
Trump disse recentemente que não busca prejudicar o Irã, e sua principal exigência era que o país não desenvolvesse armas nucleares. Mas, em outro momento durante a campanha, ele pareceu dar luz verde a Israel para bombardear as instalações nucleares do Irã. Ele disse que Israel deveria “atacar [a parte] nuclear primeiro e se preocupar com o resto depois”.
E, no último domingo, em uma declaração em vídeo, o primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu disse que havia falado com Trump e “nós estamos de acordo quanto à ameaça iraniana em todos os seus aspectos, e quanto aos perigos que eles refletem”.
Brian Hook, que serviu como representante do Irã durante o primeiro governo Trump, disse à CNN na semana passada que Trump “não tem interesse em uma mudança de regime”, mas ele também “entende que o principal promotor da instabilidade no Oriente Médio é o regime iraniano”.
Uma das primeiras decisões que o Irã terá que tomar é se deve cumprir as promessas de lançar um ataque massivo de vingança contra Israel. No mês passado, Israel atingiu bases de mísseis e sistemas de defesa aérea em torno de instalações de energia essenciais do Irã depois que Teerã lançou uma onda de mísseis balísticos contra Israel para vingar a morte de vários comandantes de alta patente e importantes aliados regionais.
Trump tem sido um defensor ferrenho de Israel. Uma guerra potencial entre Irã e Israel poderia rapidamente aumentar as tensões com um novo governo Trump e prejudicar quaisquer chances de melhores relações.
As cinco fontes iranianas disseram que muitas das metas de política externa declaradas por Trump — acabar com as guerras em Gaza e no Líbano, acabar com a guerra na Ucrânia e uma pauta dos “EUA em primeiro lugar” — são atraentes para o Irã.
Acabar com as guerras em Gaza e no Líbano pode ajudar a evitar uma guerra mais ampla entre Israel e o Irã, que apoia o Hamas em Gaza e o Hezbollah no Líbano. Acabar com a guerra na Ucrânia pode aliviar a pressão sobre o Irã por fornecer armas à Rússia. E a política interna de Trump pode significar menos interesse nos assuntos de outros países.
Mohammad Javad Zarif, ex-ministro das Relações Exteriores e atual vice-presidente de assuntos estratégicos no Irã, disse em uma declaração no X que esperava que Trump e o vice-presidente eleito J.D. Vance “se posicionassem contra a guerra, como prometido, e atendessem à clara lição dada pelo eleitorado americano para acabar com as guerras e prevenir novos conflitos”.
Mohammad Ali Abtahi, ex-vice-presidente, disse em uma entrevista de Teerã que seu conselho seria “transformar a ameaça de Trump em uma boa oportunidade e começar uma diplomacia ativa”.
“Trump gosta de levar o crédito pessoal pela resolução de uma crise, e uma das principais crises agora é entre o Irã e os EUA”, disse ele.
Duas estratégias concorrentes são discutidas nos círculos políticos do Irã, disse Abtahi. Uma pede que o Irã insista na postura desafiadora e fortaleça suas milícias no Oriente Médio para deter os Estados Unidos e Israel. A outra pede negociações com Trump, o que está ganhando força entre alguns conservadores, em grande parte porque eles não veem uma alternativa para resolver os problemas econômicos do Irã.
Por mais de duas décadas, a diplomacia do Irã com os Estados Unidos seguiu a preferência do partido político americano no poder, vagamente centrada na ideia de que os republicanos são mais hostis à diplomacia, enquanto os democratas são mais abertos a ela.
O Irã se recusou a se envolver com Trump depois que ele impôs uma campanha de “pressão máxima” contra Teerã durante seu primeiro mandato. O país aguardou o momento certo, na expectativa de que o próximo governo democrata suspendesse as sanções e retornasse ao acordo nuclear que Trump havia abandonado.
Essas ações nunca se materializaram. O governo Biden e o Irã nunca retornaram ao acordo, e as sanções permaneceram em vigor.
Os cinco funcionários iranianos familiarizados com o planejamento da política externa do Irã, dois deles do Ministério das Relações Exteriores, disseram que a experiência do país com o governo Biden foi frustrante e levou muitos a concluir que um acordo com um governo republicano produziria resultados mais duradouros.
Os dois funcionários do Ministério das Relações Exteriores disseram que o Irã vem se preparando para uma potencial presidência de Trump há meses, com o ministério criando um grupo de trabalho informal a respeito do tópico já em março.
Pezeshkian reconheceu que qualquer esperança de alívio econômico está ligada à melhoria das relações com o Ocidente.
“Para nós, não importa quem ganhou a eleição nos EUA, porque confiamos em nossa própria força interna”, disse Pezeshkian na quarta feira passada, de acordo com relatos da mídia iraniana. Ao mesmo tempo, “não teremos uma perspectiva limitada e fechada em se tratando do desenvolvimento de nossas relações com os países”, acrescentou.
Analistas no Irã e nos Estados Unidos disseram que Trump provavelmente exigiria que o Irã parasse de armar e financiar os grupos militantes que lutam contra Israel como parte de qualquer acordo para suspender as sanções. O líder supremo, aiatolá Khamenei, disse repetidamente que o apoio do Irã a esses grupos continuará.
Rahman Ghahremanpour, um analista em Teerã, disse que o Irã não tem muitas opções. Manter o status quo por mais quatro anos é insustentável. A economia está afundando sob sanções e má gestão, a inflação está disparando e o descontentamento doméstico continua alto.
“Não queremos mais sanções e mais instabilidade”, disse Ghahremanpour. “Mas, ao mesmo tempo, um acordo abrangente com Trump tem que nos dar alguma margem de manobra para salvar a honra internamente e justificá-lo. Esse será o grande desafio.”/TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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