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The Economist: A poderosa arma econômica das sanções

O mundo nunca viu punições tão severas quanto as aplicadas pelo Ocidente contra a Rússia recentemente

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Por The Economist

“Tirem a ru$$ia do Swift”. “Rússia Fora do Swift”. Os cartazes ostentados em manifestações por toda a Europa no último fim de semana de fevereiro foram sinais dos tempos. No lugar das demandas francas do passado, como “Armem os trabalhadores sul-africanos” e, perenemente, “Acabem com a bomba”, muitas das mensagens tiveram como foco o acesso ao sistema de mensagens digitais usado pelas instituições financeiras para realizar pagamentos no exterior. 

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Medidas econômicas para extirpar a Rússia das entranhas financeiras do mundo são as ferramentas mais poderosas que o Ocidente, indisposto a afrontar no campo de batalha um adversário nuclear, ousou brandir em resposta à invasão à Ucrânia. Mas foram usadas com selvageria. Nenhuma grande economia no mundo moderno jamais foi atingida tão duramente com armas desse tipo.

O uso de sanções – que o historiador Nicholas Mulder qualifica como “uma das mais duradouras inovações do internacionalismo liberal” em seu novo livro sobre o tema, The Economic Weapon (A arma econômica) – explodiu nas décadas recentes. 

Desde 2000, o número de indivíduos e entidades sob sanções dos Estados Unidos elevou-se em mais de dez vezes, para 10 mil. Cada vez mais governos com intenção de punir agressões militares ou abusos de direitos humanos, mas relutantes em abrir guerras, adotam essa tática. 

Pessoas passam por uma revenda da Apple "re:Store" fechada em um shopping em Omsk, na Rússia Foto: Alexey Malgavko/REUTERS

Custos

Como em relação a outros tipos de armas, várias inovações foram desenvolvidas para mirá-las mais precisamente. Governos também já haviam acionado, em certas ocasiões, sanções destinadas a surtir efeitos arrasadores. E a decisão de agir dessa maneira mostrará tanto o que elas podem alcançar quanto, possivelmente, a magnitude de seus custos não pretendidos.

Apesar das sanções do Ocidente terem se iniciado algo tibiamente (a Itália insistiu numa exceção em relação a mercadorias luxuosas na União Europeia, para que os russos ricos não tivessem de abrir mão de seus artigos da Gucci), a opinião pública e a inspiradora resistência ucraniana rapidamente fizeram com que elas se intensificassem. 

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Após debater se deveriam ou não dificultar com dureza o processamento de pagamentos internacionais para os bancos russos, excluindo-os do Swift – alguns países europeus temiam que isso prejudicasse os seus próprios bancos –, os aliados ocidentais concordaram em mirar sete deles, apesar de terem evitado o Sberbank, o maior banco russo em quantidade de ativos, que desempenha um grande papel no processamento de pagamentos relativos a energia. Os EUA foram além, extirpando o Sberbank e o VTB, o segundo maior credor na Rússia, de seu sistema financeiro. 

Reservas

As mais poderosas sanções financeiras, porém, não miraram os bancos comerciais da Rússia, mas seu Banco Central. Nos oito anos que se passaram desde que a anexação da Crimeia, a Rússia foi alvo de uma primeira onda de sanções. O regime de Putin constituiu reservas (que totalizam US$ 630 bilhões) e afastou sua composição do dólar, para ajudar a proteger sua economia em relação a mais punições. Mas as reservas se tornam irrelevantes, em qualquer moeda que sejam mantidas, se não podem ser usadas. 

Os EUA, agindo com a Europa, proibiram uma série de entidades de realizar transações com o Banco Central russo, sob a pena de enormes multas. Isso prejudicará a capacidade da Rússia de defender sua moeda. 

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O Ocidente também congelou a maioria dos ativos do Banco Central russo no exterior. Isso surpreendeu profissionais da área financeira, incluindo em Moscou. De acordo com um executivo de um Banco Central europeu, a maneira que o Banco Central russo tem acumulado e distribuído reservas sugere que a entidade não acreditava que o Ocidente aplicasse medidas tão draconianas. 

Horas após as sanções entrarem em vigor, o Banco Central russo elevou sua taxa básica de juro de 9,5% para 20%, numa tentativa de escorar o rublo. A instituição ordenou que empresas com lucros em moeda estrangeira convertessem a maioria de sua receita ao rublo – e disse para os bancos do país rejeitarem instruções de clientes estrangeiros para liquidar títulos russos. Putin proibiu, posteriormente, qualquer um de sacar mais do que US$ 10 mil em moeda estrangeira fora da Rússia.

Tecnologia

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Essas barreiras financeiras vieram acompanhadas de sanções mais permanentes. Controles sobre exportações limitarão a variedade de componentes que a Rússia poderá comprar para seus setores militar e de alta tecnologia, negando ao país acesso a itens como maquinário de última geração e microchips. Esses controles não se aplicam apenas a mercadorias de fabricação americana, mas também a itens fabricados com tecnologia americana e enviados de terceiros países, como a China. 

O presidente americano, Joe Biden, afirmou que esses controles poderiam aniquilar mais da metade das importações russas de artigos de alta tecnologia. Por agora, bens de consumo prezados pelos russos, como smartphones e eletrodomésticos, estão isentos dessas medidas, supostamente para permitir espaço a uma escalada. Mas a Apple não está mais vendendo iPhones, nem nenhum outro equipamento, na Rússia – foi uma das primeiras companhias, entre um crescente número de empresas ocidentais, a pular fora. 

BP, Equinor e Shell, três gigantes petroleiras, anunciaram planos de desvincular-se de seus empreendimentos na Rússia. Os navios da Maersk não atracarão mais em portos russos. A Nike está acabando com suas vendas online por lá. 

Rosnfet

A mais significativa dessas movimentações foi da BP, que pretende desistir de uma participação de 20% na Rosneft, uma petroleira de propriedade de um aliado próximo de Putin. A Rússia respondeu a esses planos e aos de outras empresas buscando desinvestir tais estorvos, anunciando um banimento “temporário” sobre firmas estrangeiras que negociam ativos russos, para garantir que elas sejam guiadas pela economia, não por “pressão política”. Vender sua participação na Rosneft poderá fazer a BP desvalorizar em até US$ 25 bilhões. 

Ninguém acredita que sanções, sozinhas, sejam capazes de forçar Putin a bater em retirada. Mas os governos que as impuseram esperam que a punição e o isolamento que infligem – e seus possíveis efeitos dissuasivos (nos outros, pelo menos) – as justifique. 

Medir o sucesso de sanções é difícil, principalmente por causa da dificuldade em desassociar seus efeitos de outras forças econômicas e, ocasionalmente, militares, mas houve alguns sucessos evidentes. 

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Talvez a mais veloz, apesar de ter ocorrido já há um bom tempo, tenha sido a ameaça dos EUA de se desfazer de obrigações em libras e bloquear acesso britânico ao crédito do FMI durante a crise em Suez, em 1956: a invasão franco-inglesa ao Egito foi abandonada semanas depois.  Um sucesso mais recente foi a pressão sobre a Líbia, por parte dos EUA e seus aliados, entre a década de 90 e o início dos anos 2000. Uma mistura de sanções e estímulos econômicos persuadiu Muamar Kadafi a pôr fim ao seu programa de armas de destruição em massa e parar de financiar o terrorismo. 

Os fracassos aparentes das sanções são profusos. Por vezes, isso ocorre em razão de as medidas serem fundamentalmente simbólicas ou enfraquecidas por grupos de interesses nos países que as impõem. Apesar do sentido das sanções ser explorar assimetrias, prejudicando muito mais o adversário do que a si mesmo, fardos sempre restarão para alguns.

Também há alguma perda para a economia como um todo. O custo para bancos e empresas fazerem valer sanções disparou ao longo das décadas passadas. As instituições financeiras gastaram, sozinhas, mais de US$ 50 bilhões em todo o mundo em 2020 monitorando clientes em relação a riscos de sanção, de acordo com a firma de dados LexisNexis.

Mas sanções severas também fracassaram. Apesar de fortes sanções terem trazido o Irã para a mesa de negociação, em 2015, as sanções de “pressão máxima” impostas posteriormente pelos EUA não removeram os mulás que controlam o país nem impediram sua influência na região. 

Fracassos

Sanções lideradas pelos americanos contra a Venezuela (por anos) e contra Cuba (por décadas) fracassaram em mudar seus regimes e até mesmo a fazê-los mudar de rumo. 

Um fator que enfraquece as sanções é a existência de brechas. Apesar das medidas de pressão máxima dos EUA, o Irã consegue exportar 1 milhão de barris de petróleo diariamente, enquanto atravessadores encontram maneiras de disfarçar a origem dos carregamentos. 

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E quanto mais poderosas são as sanções, maior o risco de dano colateral, particularmente quando os regimes que elas miram são indiferentes ao sofrimento dos cidadãos. Na verdade, aumentar o dano pode beneficiar, pelo menos em parte, os governos sancionados. 

Na Venezuela, um significativo número de opositores do presidente Nicolás Maduro e seus capangas também se opõem às sanções americanas que objetivam removê-los. E o sofrimento indiscriminado pode erodir o apoio a sanções nos países que as impõem.  Sanções também podem jogar os países que miram nos braços uns dos outros. Rússia e China – que é alvo de sanções americanas em razão de seus abusos contra os uigures, assim como por espionagem industrial no setor de tecnologia – estão desfrutando de suas melhores relações em anos. 

A Rússia foi, de longe, a maior beneficiária dos empréstimos e ajudas que a China concedeu no exterior entre 2000 e 2017, recebendo até US$ 151 bilhões, de acordo com o grupo de pesquisa AidData. A China poderia abastecer a Rússia de semicondutores e hardwares para redes de telecomunicação e centros de processamentos de dados, caso os fornecedores ocidentais se retirarem (apesar de a China ainda não ser capaz de produzir os chips mais avançados). 

Faca de dois gumes

Isso sublinha uma das maneiras por que sanções são facas de dois gumes: elas encorajam quem as teme a desenvolver infraestruturas financeiras e tecnológicas alternativas. Isso não é fácil fazer, conforme demonstram a contínua vulnerabilidade do Banco Central da Rússia e a fraqueza do setor de tecnologia do país. 

A China pressiona forte nessa direção. Ao mesmo tempo que tenta melhorar sua fabricação de chips, o país está criando a própria versão do Swift, chamada Cips, que simplifica pagamentos em yuan no exterior, e desenvolve atualmente uma moeda digital. 

Ver o Banco Central russo ser atingido tão duramente por sanções que ninguém esperava sem dúvida intensificará os esforços da China de estabelecer o yuan como moeda de reserva cambial. O país também buscará maneiras de proteger seus US$ 3,3 trilhões em reservas tentando movê-los para além do alcance financeiro dos EUA. 

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Trata-se de um longo caminho a seguir. Apesar do uso de yuan como moeda para pagamentos internacionais estar no maior nível de todos os tempos, a 3% do total, a moeda chinesa ainda empalidece ante o dólar, que é usado em 40% das transações globais. 

Mesmo assim, possíveis movimentos rumo à independência em relação ao sistema dominado pelos americanos ainda representam um dilema para o Ocidente. Se brandir a arma econômica faz com que possíveis alvos acelerem medidas de autoproteção, o poder da arma enfraquecerá com o tempo. Não brandi-la, porém, seria o mesmo que não possuí-la. 

Comedimento

Dito isso, o comedimento pode surtir um benefício sistêmico. O livro de Mulder argumenta que, quando o comércio global tende à estagnação, sanções agressivas são capazes de sérios danos. As medidas adotadas entre as primeiras duas guerras mundiais, argumenta ele, acabaram minando as já precárias fundações políticas do comércio global daquela era. O mesmo poderia voltar a ocorrer. 

“À medida que a economia mundial cambaleia entre crises financeiras, nacionalismos e uma pandemia, sanções agravam tensões inerentes à globalização. O fato de sanções serem destinadas a promover estabilidade internacional, infelizmente, não justifica esse risco.” 

Abrangência

A questão mais imediata afrontando os EUA e seus aliados é até onde avançar – e até quando. A União Europeia poderia ampliar seu banimento no Swift; todos os bancos com operação nos EUA ou na Europa, independentemente de onde seja sua sede, poderiam ser forçados a cessar suas transações com instituições financeiras russas. O Ocidente também poderia aumentar esforços para seguir rastros de dinheiro offshore ligado a Putin e seu círculo. 

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EUA, União Europeia e Reino Unido afirmaram, na semana passada, que formarão uma força-tarefa para melhorar a cooperação transatlântica na identificação e apreensão de ativos ligados ao Kremlin, apesar de esforços do tipo normalmente tardarem anos. 

Petróleo

A maneira mais óbvia de infligir mais dano econômico seria mirar as exportações de petróleo e gás da Rússia, que são a maior fonte de divisas estrangeiras para o país. Mas a escala do custo que isso imporia à Europa torna tal medida uma verdadeira faca de dois gumes: se a Rússia calcular que o custo sobre a Europa será insuportável, ela mesma poderá suspender suas exportações. 

E elevar os preços do petróleo num ano eleitoral, o que tais medidas fariam, seria um movimento corajoso por parte do governo Biden. O preço do barril do petróleo brent já saltou para US$ 115, 20% acima do valor negociado imediatamente antes da invasão. 

Quando aplicadas com determinação, sanções são capazes de causar pesados custos econômicos a ambos os lados, além da privação infligida sobre os países-alvo. Mesmo assim, elas nem sempre funcionam. Talvez haja apenas um tipo de entidade que certamente se dá bem com elas de qualquer maneira. 

O diretor da equipe especializada em sanções de uma grande firma de advocacia dos EUA afirma que seu escritório “ampliou a operação para 24 horas por dia, 7 dias por semana”, ao longo da semana passada, para dar conta de “analisar novas regulações, com frequência sem precedentes, e aconselhar empresas de cada setor imaginável”. Parece inteiramente possível que, conforme o mundo das sanções continuar sua evolução, advogados que trabalham duro conseguirão ainda mais dinheiro no futuro. /TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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