Ações afirmativas em admissões para faculdades americanas podem estar prestes a acabar. Em 31 de outubro, a Suprema Corte ouviu dois casos em que advogados argumentaram que a atual prática – que permite a universidades favorecer candidatos de certas raças, em detrimento de outras – viola leis de direitos civis e a Constituição. A julgar pelo questionamento cético de alguns ministros do tribunal, que graças a Donald Trump lideram a maioria, a dúvida não é se tais preferências serão restringidas, mas se elas sobreviverão.
Por mais de 40 anos, a corte permitiu alguma discriminação positiva. Mas o fez com desconforto. Táticas óbvias demais, como cotas raciais, ou pontuações em função de tons de pele, foram classificadas como excessivas. A concessão foi considerar a raça como parte de “admissões holísticas”, de maneira que tornou seu peso difícil de discernir. Em 2003, a então ministra Sandra O’Connor declarou que a prática deveria ter limite de duração, esperando que em 25 anos ela se tornaria desnecessária.
Se a corte decidir como é esperado em junho de 2023, cinco anos antes do prazo estabelecido por O’Connor, haverá algum lamento, mas dificilmente a mesma reação que afrontou a derrubada do direito ao aborto estabelecido em Roe versus Wade.
Pesquisas mostram que maiorias de afro-americanos, californianos, democratas e hispânicos se opõem ao uso da raça nas admissões de faculdades (assim como em outras áreas). O fim desse esquema impopular oferecerá uma chance para a construção de algo melhor.
Diversidade de origens nas instituições de elite é um objetivo desejável. Ao persegui-lo, porém, quanta violência deveria ser perpetrada contra outros princípios filosóficos liberais – igualdade, meritocracia e tratamento de pessoas como indivíduos; e não avatares de suas identidades de grupo? No presente, a magnitude das preferências raciais é ampla e difícil de defender. O filho de um casal de imigrantes nigerianos com educação universitária provavelmente tem mais vantagens na vida do que o filho de um taxista asiático ou de brancos pobres dos Apalaches. Essas origens contribuem para a diversidade. Mas sob o atual regime, a primeira é muito mais favorecida do que as outras.
Preferências raciais não são, contudo, o mais desagradável a respeito das ultrasseletivas universidades que consagram a elite americana. O processo jurídico contra Harvard, uma das universidades que se defendem ante a Suprema Corte, escancarou os registros de admissões da universidade para mostrar a escala da vantagem injustificada concedida aos já privilegiados – desproporcionalmente àqueles que são brancos e ricos. Estarrecedores 43% dos estudantes brancos admitidos em Harvard valem-se de algum tipo de preferência não acadêmica na admissão: ser atleta, filho de ex-alunos ou membro da lista do reitor de candidatos especiais (como filhos de poderosos ou grandes doadores).
Fachada
Um cínico poderia argumentar que o equilíbrio racial funciona como uma fachada que sinaliza virtude que reveste um sistema grotescamente injusto. Um estudo publicado em 2017 constatou que a maioria dos alunos de graduação em Harvard vem de famílias situadas entre os 10% mais ricos em relação a distribuição de renda. Princeton tinha mais estudantes entre o 1% mais rico do que entre os 60% menos favorecidos.
Quando este é o caso, parece injusto que com frequência são estudantes de minorias – não os filhos dos doadores – que têm suas credenciais questionadas. Presidentes e administradores de universidades que se envaidecem com suas classes diversas deveriam olhar para a maneira como o Reino Unido – um país de reis, rainhas, cavaleiros e lordes – produziu um sistema universitário menos fendido por privilégios ancestrais.
As injustiças na educação americana não serão consertadas por uma decisão judicial. Mas isso sacudirá um sistema que precisa de reforma. Admissões com base em espólios devem ser abolidas. Faculdades afirmando que doações de ex-alunos se extinguiriam sem elas deveriam olhar para Caltech, MIT e Johns Hopkins – instituições de excelência que se livraram dessa prática e ainda parecem bem conceituadas e solventes.
Preferências raciais cruas provavelmente terão de ser substituídas em resposta à deliberação da Suprema Corte. Mas um sistema menos discriminatório socialmente, com base na renda, deveria tomar seu lugar. Isso funcionaria melhor para levar desvantagens reais em conta. E ainda favoreceria americanos não brancos e não asiáticos, pois eles tendem mais a ser mais pobres – mas o faria usando um método racialmente neutro.
Imobilidade social
De algumas maneiras, a questão sobre quem entra nas poucas universidades de elite é uma distração em relação às causas mais profundas da imobilidade social nos Estados Unidos. O ensino em bairros mais pobres era sofrível mesmo antes da covid-19. Os longos fechamentos de escolas exigidos pelos sindicatos de professores aniquilaram duas décadas de progressos em pontuações em testes de estudantes de 9 anos; com pobres, negros e hispânicos entre os mais afetados.
Esforços para ajudar os desfavorecidos deveriam se iniciar antes do nascimento e ser mantidos ao longo de toda a infância. Nada que a Suprema Corte diga a respeito da consideração da raça em admissões de faculdades afetará o problema mais básico, de que poucos americanos originados de famílias pobres são suficientemente bem encorajados ou bem educados para se candidatar a uma faculdade. Seja qual for a decisão da corte, este debate é necessário aos EUA. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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