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The Economist: Círculo vicioso da América Latina é alerta para o Ocidente

Estagnação econômica, frustração popular e polarização na política se retroalimentam

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Por The Economist
Atualização:

Quando votaram no segundo turno de sua eleição presidencial, na semana passada, os colombianos tiveram uma tarefa desagradável diante de si: escolher entre dois populistas pouco qualificados. À esquerda, Gustavo Petro, que ainda não se livrou da antiga simpatia por Hugo Chávez, o caudilho que destruiu a Venezuela e a democracia do país. À direita, Rodolfo Hernández, um ex-prefeito valentão sem equipe e sem nenhum programa de governo que não fosse expulsar “os ladrões”, termo pelo qual ele designa a classe política.

Esse quadro reflete o profundo desprezo do eleitorado em relação aos políticos mainstream na Colômbia, apesar de o país ter se saído bem nos 20 anos recentes. É o tipo de escolha polarizada que tem se tornado preocupantemente familiar em eleições na América Latina. Em uma região já descontente mesmo antes da pandemia, parece não haver mais ninguém apoiando a moderação, as concessões mútuas e as reformas graduais necessárias para haver prosperidade e paz.

Papel vital

Isso não é importante apenas para a América Latina, mas também para o mundo. Apesar de tudo, a região permanece amplamente democrática e deveria ser uma aliada natural do Ocidente. Ela é capaz de desempenhar um papel vital, também, em ajudar na solução de outros problemas globais, das mudanças climáticas à insegurança alimentar.

Petro vence eleição na Colômbia e se torna primeiro presidente de esquerda do país Foto: EFE/ Mauricio Dueñas Castaneda

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Não apenas lar de uma floresta tropical amazônica em rápido desaparecimento e fonte de grande parte da água doce do mundo, mas também produz uma variedade de commodities necessárias para a energia verde, como lítio e cobre. É grande exportadora de alimentos e poderia prover mais.

Não muito tempo atrás, a América Latina estava a toda. Uma explosão no valor das commodities provocou um saudável crescimento econômico e conferiu aos governantes meios para experimentar políticas sociais inovadoras, como programas de ajuda em dinheiro.

Isso, por sua vez, ajudou a ocasionar grandes reduções nos índices de pobreza, reduzindo a extrema desigualdade de renda há muito associada à região. As classes médias cresceram. Isso ajudou a sustentar estabilidade política.

Governos democráticos, em geral, respeitaram direitos humanos, mesmo que o estado de direito fraquejasse, houve crescente prosperidade e políticos mais reativos e eficazes pareciam apoiar uns aos outros. O futuro era brilhante.

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Círculo vicioso

Agora, esse círculo virtuoso foi substituído por um círculo vicioso. A América Latina está empacada em uma preocupante armadilha do desenvolvimento.

Suas economias sofreram uma década de estagnação ou baixo crescimento. Sua população, especialmente os mais jovens, que possuem mais educação que seus pais, tem se frustrado com a falta de oportunidades. Os latino-americanos têm voltado essa insatisfação contra os políticos, vistos como corruptos, que servem apenas a interesses próprios.

Os políticos, por sua vez, têm sido incapazes de aprovar reformas necessárias para tornar as economias latino-americanas mais eficientes. O lapso de produtividade da região em relação aos países desenvolvidos tem aumentado desde os anos 80. Com monopólios demais e inovação insuficiente, a América Latina está aquém da economia do século 21.

Esses desafios estão se tornando mais acentuados. O impacto da pandemia, especialmente os longos fechamentos de escolas, elevará a desigualdade. Os governos precisam gastar mais em assistência de saúde e educação, mas o custo dos encargos das dívidas está aumentando. A região precisa, portanto, aumentar mais os impostos, mas de maneiras que não afastem o investimento.

O Chile e seu jovem presidente de esquerda, Gabriel Boric, pareceram oferecer a possibilidade de um novo contrato social segundo essas linhas. Mas, em vez disso, seu inexperiente governo está refém de uma Assembleia Constituinte atravessada pelos antigos vícios latino-americanos de idealismos e excessos regulatórios.

A consolidação da democracia costumava ser uma via de mão única. Mas a América Latina prova que democracias podem decair facilmente – e isso é um alerta para democratas de todo o mundo. A política da região está agora marcada não apenas por polarização, mas também por fragmentações e extrema fraqueza dos partidos políticos, dificultando a formação de maiorias estáveis de governo. Essa espiral descendente é acelerada pela maligna influência das redes sociais e da importação de políticas identitárias do norte.

Riscos

Tecnocratas estão desacreditados, e empregos no governo, tanto na esquerda como na direita, são cada vez mais tidos como privilégios a serem distribuídos em vez de responsabilidades cruciais a serem conferidas a administradores capazes. O crime organizado, já um importante fator na epidemia de violência na região, também começa a macular a política.

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Muitos desses elementos são agruras do mundo democrático, em geral, mas são particularmente acentuados e perigosos na América Latina. A maioria dos latino-americanos ainda prefere a democracia, se bem que uma versão melhor do que as suas. Mas existe uma crescente audiência para aqueles que advogam pelo supostamente eficaz punho da autocracia.

Ditaduras

Venezuela e Nicarágua tornaram-se ditaduras de esquerda como Cuba. Em El Salvador, Nayib Bukele centralizou o poder e colocou na cadeia cerca de 40 mil pessoas em uma guerra draconiana contra gangues. Ele é um dos presidentes mais populares na região.

Os líderes dos dois maiores países latino-americanos, Jair Bolsonaro, do Brasil, e Andrés Manuel López Obrador, do México, desdenham de salvaguardas e contrapesos. Bolsonaro tentará um segundo mandato na eleição de outubro. E pouco consola o fato de que ele perderá, provavelmente, para Luiz Inácio Lula da Silva, um ex-presidente cujos governos foram ligados à corrupção e escasso de novas ideias.

O risco não é apenas que democracias descambem para ditaduras, mas que a América Latina se afaste da órbita do Ocidente. Em grande parte da região, o maior parceiro comercial atualmente é a China, que investe em infraestrutura. Alguns governos de esquerda parecem afeitos a retornar para o não alinhamento da era da Guerra Fria.

China

Cinco presidentes de países da região, incluindo López Obrador, escolheram boicotar a Cúpula das Américas, em Los Angeles. Os EUA – e a Europa – poderiam fazer mais para envolver a América Latina, por meio de comércio, investimento e tecnologia. Mas a América Latina, em troca, precisa reconhecer que tem muito a ganhar com a reconstrução de laços mais próximos e seu papel em um mundo dominado pela China seria neocolonial.

A tentação na região será ignorar as agruras econômicas e políticas e simplesmente surfar na nova explosão dos preços das commodities provocada pela guerra na Ucrânia. Isso seria um erro. Não há atalhos.

Os latino-americanos precisam reconstruir suas democracias do zero. Se a região não redescobrir a vocação pela política enquanto serviço público e reaprender o hábito de forjar consenso, seu destino ficará apenas mais sombrio. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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©️ 2022 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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