The Economist: Como a imigração ilegal pode custar a reeleição a Joe Biden nos EUA

Só em novembro, foram registradas 250 mil tentativas de atravessar ilegalmente a fronteira norte-americana

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Por The Economist

A mãe de Donald Trump veio de Tong, um remoto vilarejo de 500 habitantes na Escócia que na Idade Média fora um território viking. Já seu avô veio de Kallstadt, uma vila na Baviera cuja família mais ilustre são os Heinz, produtores da famosa marca de ketchup. Os ancestrais de Joe Biden vieram da Irlanda e da Inglaterra.

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Nos Estados Unidos, todo mundo veio de algum lugar. Até mesmo os nativos americanos, ainda que eles tenham emigrado para lá há muito mais tempo que os outros imigrantes. O apelo do sonho americano é tal que 160 milhões de adultos ao redor do mundo dizem que, se pudessem, morariam nos Estados Unidos. A cifra é infinitamente maior do que o número de estrangeiros que a maioria dos americanos está disposta a permitir no país.

Esse desencontro está no coração do tema que pode custar a reeleição a Biden. Em 2016, Trump usou o ‘caos na fronteira’ das primárias até a vitória na eleição geral. À época, ele conduziu a campanha como se um número recorde de imigrantes estivessem atravessando a fronteira ilegalmente. Isso não era verdade oito anos atrás, mas agora é.

Imigrantes atravessam o Rio Grande na fronteira entre México e Estados Unidos, 2 de janeiro de 2024.  Foto: HERIKA MARTINEZ / AFP

Apenas em novembro, houve 250 mil tentativas de atravessar ilegalmente a fronteira sul dos Estados Unidos. A maioria dos recém-chegados tentará pedir asilo e ser solto para tentar a vida na América por anos, até que seu pedido seja julgado. Desde que Biden se tornou presidente, mais de 3,1 milhões de pessoas entraram no país, um número maior que a população inteira de Chicago. Outras 1,7 milhão entraram sem ser apreendidas ou ficaram no país depois que seus vistos expiraram. Governadores republicanos de Estados do sul pagaram para que migrantes fossem para cidades controladas por democratas, em uma tentativa de empurrar o problema para o norte. Essa experiência ajuda a explicar por que eleitores confiam nos republicanos para lidar com a segurança na fronteira, com uma vantagem de 30 pontos porcentuais sobre os democratas, segundo pesquisas recentes. É a maior vantagem do partido em qualquer tema eleitoral.

A culpa não é inteira de Biden. Quando a demanda por empregos nos Estados Unidos é superior à mão de obra disponível, o incentivo para as pessoas entrarem ilegalmente no país aumenta. Isso também aconteceu no governo Trump, até que a covid-19 chegou e resolveu o problema para ele. Quando as viagens se tornaram possíveis novamente, em 2021, uma demanda fora do comum resultou num aumento de imigrantes atravessando a fronteira sul. Mais da metade dessas pessoas vêm da América Latina. A maior parte desse grupo é composta por venezuelanos. Mas, agora, milhares de pessoas estão chegando aos Estados Unidos vindas da Rússia (43 mil entre setembro de 2022 e setembro de 2023), Índia (42 mil) e China (24 mil), também nos 12 meses terminados em setembro. Frequentemente, a repatriação é impossível. A China não aceita seus cidadãos de volta se seus pedidos de asilo forem rejeitados.

Entretanto, parte da culpa recai redondamente sobre Biden. A linguagem de Trump sobre o México mandar estupradores pelas fronteiras e sua cruel política de separação de filhos dos pais para impedir a imigração ilegal, além do seu plano de construir um muro na fronteira, radicalizaram formuladores de políticas migratórias no Partido Democrata. Eles pensaram que tinham o apoio da opinião pública. Os eleitores, de fato, se revoltaram contra o trumpismo e, enquanto ele estava na Casa Branca, o apoio à imigração atingiu um novo ápice. Quando os democratas assumiram o poder, seu instinto foi fazer exatamente o oposto do que Trump estava fazendo. A construção do muro parou. A política ‘Fique no México’, que obrigava requerentes de asilo a esperar o resultado do pedido do outro lado fronteira, foi abandonada. Previsivelmente, a imigração ilegal explodiu.

Desde as eleições de meio de mandato de 2022, Biden passou a adotar, com discrição, algumas das políticas de Trump. Ele concordou em preencher algumas lacunas no muro da fronteira. Requerentes de asilo flagrados atravessando a fronteira ilegalmente terão o pedido rejeitado automaticamente, com algumas exceções. Por fim, o pedido deve ser feito on-line antes da chegada aos Estados Unidos.

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Ainda assim, os americanos não estão cientes desses esforços, em parte porque Biden não quer chamar atenção para suas concessões, com medo de que seus partidários se revoltem.

O espaço do presidente para dizer uma coisa e fazer outra está cada vez menor. A Câmara dos Deputados vinculou uma lei migratória rigorosa à liberação de verbas para a Guerra na Ucrânia. O governo Biden se irritou com a manobra, já que o apoio à Ucrânia é importante economicamente e estrategicamente para os Estados Unidos, independentemente da política migratória do país. Isso é um erro. Em vez disso, num sistema em que ambos os partidos usam o meio de pressão disponível a eles, Biden deveria ver isso como uma oportunidade.

Caravana de imigrantes avança em direção aos Estados Unidos, México, 26 de janeiro de 2024. Foto: REUTERS / Jose Torres

Depois de apreendidos na fronteira, imigrantes em geral são liberados à espera de uma audiência que pode levar anos, porque os tribunais migratórios estão superlotados de casos. A média de espera supera quatro anos. Recursos podem até mesmo ampliar o tempo de espera. Democratas gostariam de dinheiro para contratar mais burocratas e juízes para zerar a lista de processos. Isso também é razoável.

Deve haver um acordo aqui. Cada partido desconfia dos motivos do rival. Republicanos dizem que não darão mais dinheiro a um governo em que eles não confiam para implementar leis migratórias. Em vez disso, estão tentando aprovar o impeachment do secretário de Segurança Interna. Democratas observam as demandas republicanas, como prender indefinidamente famílias a caminho dos Estados Unidos, e concluem que as negociações estão sendo conduzidas propositalmente para fracassar, e, com isso, prejudicar Biden. Há grandes chances de ambos preferirem a campanha eleitoral a um acordo.

Isso deve preocupar Biden. Nossa apuração no México indica que, se as pessoas acreditarem que Trump vai ganhar, haverá um aumento ainda maior na imigração ilegal antes da posse.

Fronteiras inseguras enfraquecem o apoio à imigração legal e impulsionam os partidos restritivos. A imigração poderia levar Trump de volta à Casa Branca, de onde ele poderia retirar os Estados Unidos da Convenção sobre Refugiados de 1951, causando seu colapso.

Biden deveria pagar para ver, arregaçar as mangas e começar a consertar a fronteira. Essa seria a coisa certa a fazer. Isso também ajudaria suas perspectivas.

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